Em 2019, Spliff é rapper, produtor e DJ de créditos firmados, assegurando qualidade em qualquer uma das posições. Depois de alguns anos na “sombra”, que é como quem diz a brilhar discretamente sem um microfone na mão, Rui Maia apresentou Risco, o primeiro álbum com rimas da sua autoria, em 2018, angariando de imediato uma base de fãs fiel que encontrou ali uma nova referência.
Este ano, o músico já produziu temas de Estraca e Tiwi & Amaro, juntando-se ao último e a Zeca em “Saber de mim”. O membro da crew M75 actua hoje no festival RFM Somnii, partilhando o alinhamento, escolhido por Rui Miguel Abreu, com Dealema, Valas e Geeks Are.
Diz-me: o que é que estás a projectar depois de teres lançado o Risco em 2018?
Já estou a pensar o ano que vem porque já tenho este planeado. Vou-me ficar pelos singles, pelo menos para já. Sinceramente, tenho-me questionado sobre isso e ainda não sei. Porquê? Porque comecei ao contrário, com um álbum. Chamei-lhe álbum porque hoje em dia as pessoas quase que chamam o que quiserem às cenas. Pronto, quis chamar-lhe álbum, não sei se fiz bem ou mal…
Mas não achas que seja um álbum?
Eu acho que sim. Para mim é. É isso que eu estou a querer dizer. Agora para lançar outro álbum gostava que fosse uma cena com uma estrutura superior, e que me supere a mim mesmo. E acho que ainda não é o momento. O que vou fazer agora é [lançar] singles e gostava muito de trabalhar com outros produtores, basicamente. Antes do meu álbum. Porque é uma cena que eu tenho feito com outros músicos.
E já começaste a fazê-lo?
Ainda não porque ainda não comecei a abordar ninguém. Mas já sei com quem é que gostava de trabalhar.
Fala-me um pouco mais sobre esse planeamento.
O que eu gostava [risos] é que saíssem cinco singles. Meus. Porque entretanto, e além disso, tenho algumas participações. Ainda estou a fechar o capítulo do Risco, para mim. Ainda estou a ser eu a arriscar… Há aquelas pessoas que dizem, “ah, agora és rapper”. Não digo que sou um rapper. Sou músico. Chamem-me o quiserem, mas eu faço música. É isto que eu gosto de fazer. Tinha medo de cantar e agora é algo que gosto de fazer. Gosto de olhar para ti e ver a tua reacção. Ver se estás a querer cantar comigo ou não. Foi algo que descobri que gosto imenso.
E onde é que descobriste isso?
Em palco. A cantar para os amigos., mas são amigos… Há muita gente que não te vai dizer a verdade só para não te estar a magoar. Eu sou um pouco contra isso. Se te magoar, ao menos estou a ser o mais sincero contigo. Ter os teus amigos a puxar por ti — isso é imprescindível –, mas acho que é quando vês pessoas que não conheces de lado nenhum a cantar contigo as tuas músicas. E a cantar mesmo, a sentir. Acho que foi aí. E eu percebi isso — não foi no meu concerto, foi no Hard Club, quando foi o show do Kappa Jotta e Uzzy. Não estava à espera. Eu saí e estava a vibrar. Eu gostei mesmo. Pensei, “já acabou. Já acabou? Aí, só mais uma, vá lá”.
Recentemente vi a entrevista do Kanye West com o David Letterman e ele a certa altura contava que tinha escondido o instrumental do “Jesus Walks” para ficar com ele e utilizá-lo no seu disco. É algo que fazes? Suponho que te estejam sempre a pedir beats…
Há uns que eu não mostro. Ou então mostro e digo, “pá, mas este já está mesmo reservado”.
Aconteceu alguém levar um beat que querias muito para ti?
Não. Houve muitas faixas que foram feitas em três/quatro meses. Eu passei por algumas cenas, acordei e estava todos os dias focado, não estava a fazer mais nada, ou seja, este era o meu trabalho. Acordava, tomava o pequeno-almoço, fumava o meu cigarrinho e ia para o estúdio. A partir daí, ao final do dia, tinha a base do beat feita ou o beat feito. Nessa madrugada estava a gravar a vibe. Porque ao fazer a vibe e o beat eu já estava mais ou menos a saber qual era a mensagem que eu estava ali a implantar. Depois era fazer a letra. Não sei se foi por eu estar cheio de vontade…
Foi um processo fácil então…
Fácil é uma palavra forte, mas fluiu bem. Tanto que agora lá está: tenho estes singles. Agora estou muito mais a pensar como é que vai ser. Queria fazer uma cena gira de se ouvir, não só de se ver. Hoje em dia está tudo para ver. Eu gostava de criar uma cena que basta fechar os olhos e vais ver.
Tu vês o rapper e o produtor/DJ como duas entidades separadas?
Hoje em dia sim. Não digo dois percursos, mas tenho quase que assumir duas personalidades diferentes.
Como é que tu olhas para este mercado da produção em Portugal?
Hoje em dia, para já, há imensa oferta. Há imensas pessoas a aparecer. A cena de vender beats… Fico muito mais de pé atrás, por exemplo. A nível de mercado de produção está bem melhor do que estava há uns anos. O difícil é as pessoas só quererem da mesma pessoa, talvez.
Como é que a coisa funciona?
Isso há várias situações. E lá está, nós estamos a copiar, como sempre o fizemos, o que vemos lá fora. Na América vês aqueles sites, e o mesmo beat tem cinco preços diferentes. Eu, pessoalmente, não sei como é que o Lhast, que é um amigo meu, faz porque nós não falamos dessas cenas.
Quem quer trabalhar comigo faço um preço, mas nem é fazer preço, porque convido aquela pessoa a vir ter comigo ao estúdio e depois é que vemos o que é que vai acontecer. Acho que é um bocado injusto eu estar a pedir um preço quando eu chego ali e faço em cinco minutos. Somos pessoas, não somos máquinas. Eu não vou carregar no botão do artista e está ali a música. Para mim, gosto de conhecer a pessoa, depois fazemos a cena e a partir daí trabalhamos. É por isso que eu também nunca vendi muitos beats.
Aquela coisa de mandar beats pela Internet e não te encontrares com a pessoa não faz sentido para ti então?
Não, sinceramente não. Não estou aqui a viver à grande para isso, mas não tem sido. Porque no fundo não é isso que ao final do dia me dá pica para fazer o beat.
Depois de fazeres os teus concertos em nome próprio, como é que foi regressar à posição de DJ nos concertos do Dillaz?
Honestamente, ainda estou mais tranquilo porque eu também dou algumas backs e já me habituei um pouco mais a essa parte. Mas sinceramente é natural porque gosto tanto de estar ali à frente do público, como estar a dar back à minha família.
Quando apareceste a rimar, os comentários mais frequentes apontavam para as parecenças entre ti e o Dillaz. Isso incomodou-te de alguma forma?
Não. Sinceramente já estava à espera. Ao fim ao cabo trabalhámos e trabalhamos, portanto é uma questão de influência. No início do Risco, o meu primeiro single, está lá um excerto de uma música que eu tenho de back in the days. A maneira como eu cantava, de fazer os graves, os médios e os agudos, já ia buscar um pouco essas técnicas de canto. Eu acho que é normal as pessoas virem com esse tipo de crítica. Também não posso levar mal. Tenho de ouvir e acho que tenho vindo a seguir o meu caminho. Isso é uma coisa que se vai notar nestes [novos] singles. As pessoas precisam de se conhecer. Precisam de dar o primeiro passo. Quando eu comecei a dar os primeiros passos, eu estava a imitar os meus pais, que via a andar. E só depois é que aprendi a andar à minha maneira. Acho que as pessoas têm que ter calma e não julgar tanto. Isso surgiu no primeiro e no segundo som e depois desapareceu. Eu estava um pouco à espera que isso acontecesse. A última coisa que hoje em dia vou dar valor é à boca de terceiros. Uma coisa é se fores meu amigo…
Houve uma troca de ideias com o colectivo durante a criação do álbum?
Não, isolei-me um pouco. Fui mostrando aqui e ali, mas isolei-me basicamente de tudo e de todos. Até da minha família.
Ficaste surpreendido com o feedback que recebeste? Foi massivo.
Para mim foi mais do que um sonho concretizado. A ficha às vezes parece que ainda não caiu. Vou ao Instagram e vejo certas mensagens que fico, “como assim?” Uma pessoa que não me conhece a dizer, “o meu dia foi muito melhor graças à tua música”. Isso é impagável. Não esperava. Uma coisa é eu conseguir produzir um instrumental que te deixe bué pensativo, outra coisa é conseguir escrever algo com que tu te identifiques.
E a tua playlist? O que é que andavas (e andas) a ouvir?
Vou ser sincero: eu a fazer o meu álbum… não ouvia música. Saía música nova e não ouvia nada. Eu virei para amigos meus e disse: “por favor, no final disto tudo, dá-me a tua playlist, eu preciso de consumir”. A nível de influência, o que me influencia como músico vai desde jazz a ópera, passando por rock. Eu acho que consigo gostar tudo. Eu fui ao Cats, o musical, e foi das cenas que mais mexeu comigo. Tive um orgasmo auditivo.
E existem outras artes que te inspiram?
Cinema. Gostava de ler, gostava de ter paciência [risos].
E séries?
Não tanto. Chego ao final do dia tenho sempre que ver um filme. Normalmente é para adormecer, mas nunca adormeço.
E qual foi o último filme que te deixou de boca aberta?
O Interstellar. Aquilo mete-te mesmo a viajar.