Um teatro à L’Italiana! O Valadares de Caminha é um dos magníficos exemplos de teatros antigos recuperados a tempo. Uma boca de cena muito generosa para uma pequena plateia, e que até é amovível. Nesse imaginar despido de cadeiras e de costas para o palco, tudo passa por breves instantes numa inspiração próxima dos teatros anatómicos começados em Itália, onde se dissecavam corpos para dar a ver por dentro. A estrutura em madeira pintada de cor vermelha-veludo, semi-oval com balcão em andares, torna-o ímpar e é um dos espaços predilectos do vasto programa do Space Festival. Um daqueles casos bem demonstrativos de que os “artistas programados são cuidadosamente escolhidos para cada espaço”, como se aponta em notas de apresentação no programa.
“(…) E, em alguns casos, são os próprios espaços que inspiram as propostas dos artistas”. Sim, de facto, como o que se segue, já que quando se improvisa se está a reagir ao espaço no preciso momento da criação. tellKujira são-no na medida exacta, em flagrante deleite. Um quarteto na origem, e na viagem de visita ao nosso país pela primeira vez para ter palco fazem-no a três. Dois guitarristas (Francesco Diodati e Stefano Calderno) para um violoncelista (Francesco Guerri) compõem uma reformulação do que até pode ter tido origem mais remota, no barroco, mas que é e se recebe tão pertinente neste momento. As duas guitarras Jaguar água marinha são como dois violinos numa ideia camarística transformada, disposta a uma dramaturgia servida numa atmosfera íntima. Uma formação que resulta de um período — dos impostos confinamentos — em que houve muito mais tempo para encontros e avançar. Gravaram cinco peças, como resultados de ideias de improvisos, num primeiro álbum homónimo estampando um acender de um cigarro pelo olhar da lente de Michela Palermo. Esse mesmo olhar que conta na tela no tempo que se passa em concerto. Em definição granular, como a música que se desenrola. Uma guitarra em dedilhar e a outra flutuante para que o violoncelo se faça imprevisível surgido de um sketch de improviso. É uma musicalidade a falar do tempo das coisas, do irresoluto e do imaginado. Como se descrevesse um rasto de catástrofe, um mar de entulho e destroços, ou simplesmente mantos de folhas caídas de outono.
Há melancolia e rupturas nesse quarteto agora condensado em trio e não é descabido vir à ideia Quatuor pour la fin du Temps de Olivier Messiaen. Dessa obra seminal surgiam a eliminação dos tempos iguais, valores acrescentados, pedais rítmicos, ritmos aumentados e diminuídos como sinais inovadores na composição. Ainda que de forma inconsciente esses elementos estão na construção improvisada de tellKujira — uma inclemente herança dos tempos. Deve faltar pouco para surgir fisicamente La Lucha Es Un Poema Colectivo, gravado ainda nesse quarteto. Entretanto podemos ir guardando de tellKujira a ideia contida de uma cabine telefónica onde se imaginam emocionalmente ligações para quem o tempo não pode esperar. Isso mesmo, como em Kaze no Denwa (Telefone do Vento) na colina de Kujira Yama, perto de Fukushima e do desastre nuclear relacionado com o tsunami. Foi de lá que lhes veio o nome mistério que lhes assenta primorosamente bem.


@c são símbolo de pioneirismo nos campos da electrónica experimental. Duo colaborativo entre Pedro Tudela e Miguel Carvalhais surgido na passagem do milénio e disposto a enfrentar o futuro pela música. Artistas sonoros que nestes campos aliam frequentemente a arte visual nas suas apresentações. Prosseguem nesse rumo acrescentando um segundo título à série 30xN começada este ano na sua etiqueta Crónica. Depois de 30×N — VRD1, primeira junção audiovisual dos @c a Visiophone de Rodrigo Carvalho, surgem agora com 30×N — LRJ1 continuando a aventura de contar com os computadores como colaboradores interactivos, mais que meras ferramentas maquinais. Uma iteração tripartida a três, artistas e meios através do som, imagem e luzes. Em que o começo se fez de murmurações várias e num dos melhores quadros dinâmicos conseguidos — um prompt para o infinito. Sincronismos como nos céus pelas aves. Redes, linhas e figurações geométricas com a ilusão dimensional de um outro mundo diante nos campos da electrónica. Uma abstracção que se volve concreta na volumetria espacial da tela. As luzes — na frente dos elementos, três na medida exacta — apontam à plateia, compassam o tempo em interlúdios entre as peças. Geometria dos sons, em tramas desenhando a passagem invariável do tempo sem espera, sejam quais forem as nossas acções; presenças lineares por diante, que nos mantêm errantes no tempo e no espaço.

