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Publicado a: 17/11/2018

Soul Jazz Records: sons revolucionários entre a América e a Jamaica

Publicado a: 17/11/2018

[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTOS] Direitos Reservados

Há várias maneiras de dar a volta ao mundo: de mochila às costas, claro, de olhos pousados em livros, percorrendo restaurantes que ofereçam delícias de diferentes países ou, bem mais simples, estando atento ao catálogo da londrina Soul Jazz Records. A etiqueta que Stuart Baker estabeleceu em 1992 já investigou diferentes épocas, diferentes géneros musicais, do Brasil a África, do krautrock ao disco, dos anos 60 ao presente.

A Soul Jazz Records tem igualmente lançado livros, produzido documentários, organizado ciclos de cinema e tem na sua loja do Soho, em Londres, a Sounds of The Universe, uma verdadeira meca para os amantes de música, sobretudo para os tais que gostam de viajar pelos sons de todo o universo.

Abaixo, uma selecção dos mais recentes lançamentos de um catálogo que, como o universo, também não pára de se expandir.

 



[Art Ensemble of Chicago] Les Stances A Sophie

Este extraordinário álbum de 1970 dos Art Ensemble of Chicago foi pela primeira vez reeditado pela Soul Jazz em 2000, como parte da série Universal Sound com que a editora de Stuart Baker explorou algum do jazz mais libertário que a América produziu no auge do movimento dos direitos civis (compilações dedicadas à Strata East, álbuns de Marcus Belgrave ou Hannibal Marvin Peterson e Nathan Davis foram carimbados com o mesmo selo). Aliás essa actividade da Soul Jazz conferiu-lhes a autoridade para se envolverem na exposição que a Tate Modern montou o ano passado e que cobria arte produzida no mesmo período — Soul of a Nation – Art in The Age of Black Power.

Este álbum do colectivo de Roscoe Mitchell ou Malachi Favors e Lester Bowie (todos participam nesta gravação) foi durante anos um segredo bem guardado no seio da cena de rare grooves que precedeu a explosão acid jazz dos anos 90 e de onde, aliás, se originou a ideia da Soul Jazz. Muito graças ao enorme “Theme de Yoyo” a que Fontella Bass dá voz (e que os portugueses Cool Hipnoise incluíram durante algum tempo no seu explosivo reportório de palco), este tornou-se um verdadeiro registo de culto. Agora, 18 anos depois da primeira reedição, a Soul Jazz, que tem uma  apurada gestão do seu fundo de catálogo, volta a relançar este clássico em CD e vinil. Relançamento mais do que bem-vindo, pois claro.

 




[Soul Jazz Records Presents] Soul of A Nation: Jazz is the Teacher, Funk is the Preacher

Aproveitando a frase que deu título a um clássico de James Blood Ulmer, “Jazz is the Teacher, Funk is the Preacher”, a Soul Jazz apresenta o segundo volume de Soul of a Nation, a compilação que foi pensada como uma espécie de banda sonora para a exposição do mesmo título que a Tate Modern apresentou em 2017 (curiosamente, o tema do explosivo guitarrista não consta do alinhamento). Desta vez, o alinhamento abre com o já por aqui mencionado “Theme de Yoyo” dos Art Ensemble of Chicago e espraia-se por material incendiário de The Har-You Percussion Group, The Pharaohs, Baby Huey, James Mason, Byron Morris and Unity, Funkadelic ou, entre outros, Oneness of Juju e Tribe. Caldeirão de jazz e funk, com activismo revolucionário, África, groove e caos à mistura. A compilação bem acompanhada de um generoso livreto com texto que enquadra a música no espírito da época e muitas fotos raras.

 




[Vários] Black Man’s Pride 2

Como no rock ou no jazz, electrónica ou qualquer outro género musical, também no reggae há nuances que distinguem épocas, posturas, filosofias. Este segundo volume da compilação Black Man’s Pride procura ilustrar as investidas em terreno Rastafari no catálogo da histórica Studio One, marca genuinamente jamaicana que a Soul Jazz tem gerido nas últimas duas décadas e meia.

Este volume arranca com um tema que é quase um manifesto, “Illiteracy”, de Horace Andy, um apelo aos “sufferers” que ilustra bem o tipo de temática por aqui explorada por nomes como The Heptones, The Gladiators, Alton Ellis, Jackie Mittoo ou Ernest Wilson com Sound Dimension.

Cada uma das faixas é detalhadamente anotada por Rob Chapman, autor do catálogo exaustivo Never Grow Old dedicado às gravações do selo de Coxsonne Dodd.

 



[Vários] Studio One Freedom Sounds

Mais uma colecção de luxo, desta vez focada na segunda metade dos anos 60 quando sopravam na Jamaica, e em tantas outras ex-colónias dos velhos impérios europeus, os ventos da liberdade. Nessa época, a Studio One afirmou-se como um vibrante laboratório de experiências musicais traduzidas num constante fluxo de ska, soul, rock steady e reggae que alimentava a agitada cena de soundsystems.

Faixas de Don Drummond, The Gaylads, Delroy Wilson, Peter Tosh, Roland Alphonso com os Soul Brothers ou, entre tantos outros, The Skatalites e Zoot Simms integram um alinhamento de luxo que, como sempre acontece no caso da Soul Jazz, é embrulhado com distinta classe gráfica. Noel Hawks assina as profusas notas de capa.

 



[Vários] Studio One Lovers Rock

O sub-género em que a mais refinada voz da soul “quiet storm” se inspirou para nomear o seu álbum de 2000 caracteriza-se pelo seu conteúdo romântico e pelos grooves mais sensuais que são perfeitos para momentos de sedução que fez escola sobretudo em Londres, mas, obviamente, a partir de inspiração angariada em gravações feitas na Jamaica. E aí, as experiências termo-sensuais conduzidas por Clement Dodd no estúdio de Brentford Road foram cruciais.

É material dessa estirpe que por aqui se alinha com foco particular nas grandes vozes: Alton Ellis, os Heptones, os Minstrels, Horace Andy, Sugar Minott, a enorme Marcia Griffiths, Freddie McGregor ou os Righteous Flames todos carregam no romantismo para máximo efeito na pista ou no quarto.

Lloyd Bradley, a mega-autoridade que assinou o incontornável Bass Cultureé o autor das liner notes preciosas que acompanham esta edição.

 



[Brown Sugar] I’m In Love With a Dreadlocks

Com o subtítulo Brown Sugar and the birth of Lovers Rock 1977-80 é mais do que claro que esta edição vem na sequência da que por aqui se nomeou anteriormente. E trata-se de um preciosíssimo documento: as Brown Sugar eram um grupo composto por três adolescentes: Pauline Catlin, Caron Wheeler e Carol Simms. Caron Wheerler haveria, pois claro, de alcançar vasta notoriedade como principal voz dos enormes Soul II Soul de Jazzie B. Além disso, as suas gravações contavam com misturas do lendário Dennis Bovell, produtor que moldou o som em incontáveis gravações de artistas tão díspares quanto Fela Kuti, as Slits, Bananarama, Orange Juice ou I-Roy e que aqui trabalhava sob os comandos de John Kpiaye, o produtor de serviço.

Além da música que ia ao encontro de novas e libertárias sensibilidades, sobretudo na afirmação de uma nova força feminina, com balanço, carisma e qualidade que resistiu ao tempo, esta compilação inclui relevantes notas de capa com declarações de Dennis Bovell, Pauline Catlin e John Kpiaye que ajudam a entender tudo o que na época que se seguiu à explosão punk em Inglaterra estava em jogo nestas influentes gravações.

 


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