São dois dos mais estimulantes artistas e compositores da nova vaga dos cantautores e da música alternativa brasileira. Sophia Chablau, que até aqui tem feito carreira em nome próprio com o grupo Uma Enorme Perda de Tempo; e Felipe Vaqueiro, dos Tangolo Mangos, uniram-se para um disco a dois que foi editado pela portuguesa Cuca Monga em parceria com a label brasileira RISCO a 1 de Outubro.
A dupla canarinha, de raízes em São Paulo e em Salvador, esteve em Portugal para apresentar o álbum Handycam numa série de concertos. Pelo meio, receberam o Rimas e Batidas no estúdio e sede da Cuca Monga, em Lisboa, para uma entrevista sobre o álbum.
A partir do momento em que se conheceram, há dois anos, perceberam logo que fazia sentido fazer um álbum a dois?
[Felipe Vaqueiro] Conhecer alguém é um processo, não é? Essa coisa de se aproximar e tal. Acho que num primeiro momento, na verdade, estávamos em circulação com as nossas bandas: Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo e Tangolo Mangos. Estávamos pelo interior de São Paulo e acabámos a dividir três noites. Conversámos muito, participámos do show um do outro, houve ali um sentimento de comunhão e troca. E quando voltei para a minha cidade-natal, Salvador, que fica a uns dois mil quilómetros da cidade da Sophia, que é São Paulo, começámos um contacto com essa intenção de compor algumas coisas juntos. Inclusive, uma das faixas que está no disco, “Tempestade de verão”, é uma composição que a gente fez justamente nesse contexto de WhatsApp.
Antes de se juntarem mesmo.
[FV] Exactamente. Então, o desejo de nos juntarmos para criar foi natural e rápido. E, à medida que ele foi fluindo, acho que o disco acabou por virar uma espécie de conclusão desse processo de a gente se conhecer. Às vezes rola logo aquela coisa de “ah, vamos fazer um disco”. Neste caso, a inspiração foi nascendo e acabou por acontecer. Como dizem lá na Bahia, não foi uma coisa só de boca, não. Foi real.
[Sophia Chablau] Do meu lado, eu estava com uma certa pressão, com a vontade de fazer um disco com um carácter mais a solo. Ao mesmo tempo, também tinha um pouco de preguiça de fazer um disco a solo. Não gosto. E fico muito feliz de estar com o Vaqueiro aqui. A gente pode dividir entrevistas, por exemplo, e a parceria tanto nas composições como na produção. Não tenho muita vontade de ficar sozinha a fazer as coisas. Gosto bastante de estar com amigos e de estar com pessoas de quem gosto para fazer as coisas. Então, isso também foi uma coisa que me motivou: eu queria fazer uma parceria nova com alguém. Já estava com esse desejo e, quando o Vaqueiro apareceu na minha vida, achei que era um caminho legal, havia muitas coisas que ele fazia que eu já achava muito legais e das quais eu também queria fazer parte. E mais do que duas bandas que estão juntas, achei que a gente poderia criar uma terceira coisa, que tínhamos outros pontos de encontro além das bandas. E que eram diferentes do que a gente tinha com as nossas bandas. O disco, obviamente, celebra esse encontro, mas eu acho que ele é um encontro bem… Sei lá, como o Vaqueiro disse, é meio antes do disco e talvez para depois do disco também. A gente vai entendendo como essa parceria continua.
E como é que vocês descreveriam o processo criativo do disco? Obviamente, criar um disco com uma determinada pessoa é sempre diferente do que com outra, tal como seria diferente fazer um disco com as vossas bandas. Provavelmente também vão descobrindo coisas diferentes nos vossos próprios processos de composição. Como é que foi para cada um de vocês, nesse sentido, criar este disco?
[FV] De facto, fomos entendendo como um e o outro trabalhamos e operamos, tanto na questão mais artística, nas escolhas estéticas e tudo o que a gente vai desenvolvendo, mas também, queira-se ou não, fazer um disco dá muito trabalho e muitas dores de cabeça… Então, existe essa gestão de entender de que é que o outro gosta, de que é que o outro não gosta, entender também quando pressionar o outro, acho que fomos entendendo como a gente operava junto. Lançámos um single compacto em Janeiro, foi uma espécie de experiência.
Um piloto.
[FV] Vimos que tínhamos uma certa química de estúdio e acho que o disco — por serem mais canções, por ter uma carga simbólica e também, queiramos ou não, por ser mais conceptual e ter uma maior quantidade de músicas — te coloca ali numa situação de mais pressão, mais trabalho, mais coisas para fazer e sinto que a gente, de alguma forma, fez isso em menos tempo. Corremos muito, gravámos tudo em praticamente oito dias, a nível de bases, e meio que fizemos o disco todo. Claro que muitas das composições já eram antigas, mas, a nível de feitura mesmo, de produção, deve ter durado de Abril a Agosto ou Setembro, então foi bem rápido. Foi o processo mais rápido das nossas vidas.
Vocês trouxeram para este projecto, como estavas a dizer, coisas que já vinham dos vossos próprios processos de composição.
[SC] Sim, uma coisa que também fomos percebendo é que eu estava muito obcecada com as composições e os arranjos de base. E o Vaqueiro estava muito obcecado com os overdubs e a mistura. Ele fez isso com muita atenção, uma atenção que eu não tive, e inclusive fica a autocrítica para a Sophia do futuro. E, depois, na masterização, fui eu que fiquei particularmente alucinada. Então fomos sacando um pouco um do outro, que foi uma sorte porque não sabíamos que íamos funcionar desse jeito. E isso fez com que fosse muito tranquilo delegar certas decisões um para o outro. Não é que cada um tenha cuidado só da sua parte, mas acho que houve um certo líder em cada etapa. No primeiro momento eu estava um pouco mais a liderar, também porque estávamos a tocar com o [baixista Marcelo] Cabral e o [baterista] Biel [Basile] e estávamos a tentar chegar a coisas legais que poderíamos tirar deles. O Vaqueiro também, mas ele estava muito concentrado nas guitarras, era uma coisa em que ele precisava de ficar muito concentrado e eu menos, até porque, enfim, existe uma certa diferença na execução, no virtuosismo entre nós os dois.
[FV] Tinha a pressão de gravar com eles, então realmente isso é muito real. Fomo-nos entendendo no processo e, claro, também surgiram muitas contribuições do Cabral e do Biel. Mas era importante que nós que estamos a assinar o trabalho que fizéssemos uma certa gestão, que entendêssemos que a base está a ir num determinado caminho ou, se estiver a ir para um caminho estranho, é melhor rever.
[SC] Muitas vezes fala-se nas coisas meio masculinas e femininas, e acho que eu e o Vaqueiro temos os pólos bem invertidos [risos]. É uma coisa super estereotipada, mas dizem que as mulheres são mais ligadas ao detalhe e que os homens são mais do trabalho braçal, e acho que connosco foi exactamente o oposto. Num certo momento, dentro do disco, sinto que eu estava mais no bolo da coisa e que o Vaqueiro estava mais a dizer “se baixarmos esta guitarra três decibéis e fizermos este ajuste no baixo acho que vai fazer toda a diferença”. Ele é muito dos detalhes e eu estava mais “esse take está pintando pra caralho”. E o Vaqueiro: “Não, esse take está emocionante”. Então, gostei muito de trabalhar com ele — parabéns! — foi muito bom, mas também muito diferente e justamente por isso poderia ter dado tudo errado também. Até porque eu sou uma pessoa que atropela todo o mundo e o Vaqueiro é mais dos detalhes, da precisão, mas acho que soubemos pegar o melhor de nós os dois. Eu consegui atropelá-lo um pouco e ele conseguiu dizer: “Espera aí, cara, estas coisas também são importantes, não vou abrir mão disso”.
[FV] Eu sou a pessoa que tem problemas com isso, então é importante também trabalhar com alguém que não vai ter esse mesmo problema de, por exemplo, não falar de alguma coisa do processo. A Sophia é bem aberta, na verdade isso também me inspira a não deixar as batalhas em que acredito realmente passarem. Acho que cada um foi dando a sua cara.
E de certeza que ambos saíram deste álbum como melhores músicos.
[SC] Cara, eu acho que sim, sinto-me uma melhor música depois deste disco. Acho que a gente aprendeu muitas coisas durante o processo, realmente.
[FV] Esse processo todo, a hora de gravar, a escolha de repertório… Realmente foi um grande workshop.
Sobre as temáticas do disco: as canções falam de várias coisas, tanto são mais introspectivas como abordam questões do mundo exterior que vos preocupavam ou que pelo menos queriam retratar nas letras. Os temas foram surgindo naturalmente, consoante os instrumentais, ou tiveram conversas para definir as diferentes direcções?
[SC] Tivemos conversas que não estão no disco, obviamente, houve uma troca. Eu e o Vaqueiro gostamos muito de falar de coisas absurdas, somos muito interessados e gostamos de falar de coisas históricas ou geológicas, enfim. Gostamos muito de política, interessamo-nos, a gente sabe o que está a acontecer, não somos músicos especialmente alienados, estamos sempre meio que a conversar sobre o que está a acontecer e a reflectir sobre onde estamos, o que estamos fazendo, temos um pouco disso. Então encontrámo-nos muito nisso e muitos temas são naturais para nós. Não nos esforçámos muito para falar de certo tema, nem dissemos que tínhamos de ter uma música a falar sobre a Palestina… Era natural, estamos a ver isto a acontecer. O que não foi tão natural é que depois a meio tivemos de dizer “tem que haver espaço neste disco para isso”, porque nós compomos sem parar…
[FV] Tem muita coisa na gaveta, muita coisa acumulada, muito material feito.
E, por vezes, sem letra, suponho.
[SC] É, também é isso. Nesse sentido, separámos as músicas que sentíamos que eram meio urgentes. Mas não foi no sentido de “vamos fazer uma música sobre isto”, tal como se faz no mainstream.
[FV] É menos uma urgência de nos enquadrarmos num tema específico, acho que é mais uma urgência daquilo que a gente quer falar e talvez por isso falemos de muitos temas diferentes. É uma urgência da música que queremos lançar, porque compomos muita coisa. Então vemos isto também como um espaço para dar vazão. E um dos critérios era não só o tema lírico, mas a força da canção. E acho que isso também levou o disco a ter uma multiplicidade de temas. Por exemplo, a “Campo Minado” é uma música que não compus com a Sophia, mas quando ela leu a letra bateu-lhe, também fez sentido num lugar especial no âmago dela.
[SC] As músicas tiveram que ter esse processo de aprovação dos dois. Não tivemos assim nenhum embate, houve uma música que tirámos do disco, que eu não aprovei, mas era uma música minha mesmo. Também havia uma que o Vaqueiro mandou que eu falei “Ah, eu acho que isso é mais Tangolo Mangos”. Houve algumas coisas assim, mas sabíamos que íamos tocar este disco durante algum tempo, então temos que aprová-lo liricamente os dois. E gostamos particularmente da lírica de todas as músicas. Isso também é diferente quando se está numa banda, há outras coisas em jogo. Não tens necessariamente de ser apaixonada pela letra de uma música.
[FV] Sim, às vezes a gente ama simplesmente o riff e aquilo que a música causa nas pessoas. Neste caso, isso não era o mais importante.
A parte lírica tinha um grande peso neste álbum.
[FV] Sim, porque não sabíamos o que iria ser das músicas. Não tínhamos nada muito definido, não eram músicas riffadas, ainda que a gente também faça isso no nosso trabalho. A força dela estava nas harmonias, nas melodias, mas muito nas palavras.
[SC] Lembro-me muito de pegar nas letras, sem ouvir a música, e ficar só a ler… “Porra, isto aqui é um bom livro, tem uma coesão.” Um amigo meu que é dos Enorme Perda de Tempo, o Téo Serson, escreveu um livro de poesia e um dia ele estava a falar-me sobre isso… Quando tens um livro inteiro de poesia, não vais mudar as poesias todas no fim, mas podes mudar palavras em cada poema de acordo com outras palavras que foram colocadas ao longo do livro. Nem falei isso para você [dirige-se a Felipe Vaqueiro], mas pensei muito no disco assim…
Como um todo.
[SC] É, principalmente a ler. Cara, eu quero ler e gostar de tudo, não quero que tenha aqui uma palavra de que eu não goste. E não há uma única palavra no disco de que não goste. Acho isso uma coisa rara, há muitas palavras de que não gosto. Mas olho para este disco e digo: bom, gosto de todas as palavras.
E, por falar em palavras, porquê o título Handycam?
[FV] Foi um nome que não surgiu logo. Na verdade, estivemos a pensar em muitos nomes e, em paralelo, por coincidência ou outras questões, não só da gente, mas de muita gente da nossa idade, enfim, da geração que tem usado Handycam, Cyber Shot, câmaras digitais portáteis para registar coisas… Então registámos os vídeos dos ensaios, as viagens que fizemos durante esse tempo, os processos de gravação. E em algum momento veio essa brisa, esse nome. Começámos a pirar sobre isso e a cruzar o quanto a lógica de registo que a câmara carrega tem a ver com a lógica de registo que as canções têm no álbum. Eu adorei isso. Noutro dia falávamos das canções como portais para outras coisas… para outros tempos, para outras histórias. Essa lógica do legado e do registo, isso bateu-nos muito, e também a polissemia, a possibilidade de coisas que se pode gravar com uma câmara. Você grava da graça à desgraça, do riso à guerra, da festa de aniversário ao porno. Tudo isso já foi registado com uma câmara, com uma certa crueza. Não acho que nos tenhamos apegado tanto à coisa nostálgica do visual, a esse lugar estético. Agora até vimos o No Other Land, que indirectamente também tem a ver com isto, foi feito com uma câmara prática, portátil, que registou uma data de coisas no filme. Por exemplo, depois fui perceber que uma das músicas, a “Já Não Me Sinto Tão Só”, que é para a Júlia Zen, minha grande amiga, ganhou um simbolismo forte porque a gente usou muitas Handycam ao longo da feitura… Eu e os meus amigos de Salvador, em particular, a que mais usámos era dessa amiga, ela emprestava para a galera toda, então registámos muitas viagens, muitas coisas da minha banda também. Não que eu tenha um super apreço pela cinematografia, não sou um cara assim tão do cinema, gosto muito, mas essa relação com a câmara leva-me para um lugar afectivo por causa disso, pela história que desenvolvi com os meus amigos. E quando a Sophia me disse aquilo, foi muito natural essa carga afectiva, e Handycam soa bem mesmo. Todo este lado conceptual e de coesão veio depois do rolê afectivo… Até já disse a brincar: é como se a minha avó, que amava câmaras, tivesse um disco chamado Rolleiflex. E também gosto dessa parada meio metalinguística de um disco com o nome de outro media, tirei comunicação na faculdade e também gostei desse pequeno inception.
[SC] Uma coisa deste disco é que muitas vezes as pessoas criam os conceitos antes de executar a obra, neste caso acho que a gente não criou os conceitos, fomos executando e percebendo que havia alguma coisa por trás. E a Handycam foi uma palavra que surgiu quase que inconscientemente, estávamos a pensar em palavras que lembrassem o cinema ou um dispositivo…
Também têm a canção “Cinema total”, no disco.
[SC] Sim, e depois percebemos que teria de vir de afectos, conseguimos chegar a este nome e acho que ele foi revelando coisas muito profundas para nós. Fomos percebendo como ele encapsulava várias coisas que estavam a acontecer. E também por ser uma palavra em inglês, em que cada um tem uma pronúncia totalmente diferente, nós dizemos como se se escrevesse “randicã”. Cada país vai falar de um jeito e nem é bem uma palavra, é o modelo de uma marca, um bagulho criado. Também achei interessante ter o nome de um disco que cada um vai dizer de um jeito diferente, uma palavra meio universal. Ficámos a pensar muito numa expressão do Glauber Rocha, um cineasta baiano, que falava numa “câmara na mão e uma ideia na cabeça”. Por mais que não tenhamos essa ligação com o Cinema Novo, todos os propósitos do Glauber têm essa coisa da guerrilha, do fazer, do registar e da memória, essa necessidade muito visceral de ter uma ideia e um registo. Isto não é um branding num escritório, não é uma música de consultório, fizemos algo meio guerrilheiro, executámos o disco e fizemo-lo rápido e autónomo… Acho que também tem a ver com a Handycam, de não ser uma super-produção de Hollywood com 40 câmaras e tripés.
Foi uma produção mais caseira, claro. E falando da vossa presença em Portugal: editaram este disco pela Cuca Monga e estão por cá a fazer uma série de concertos. É importante haver estas pontes entre os circuitos da música independente e alternativa de Portugal e Brasil?
[SC] É muito importante. Nós temos alguns problemas no Brasil que são bem complicados, no que toca aos incentivos à cultura. Somos um país de dimensões territoriais e populacionais imensas e ao mesmo tempo há poucos incentivos por parte do governo e das empresas à criação e difusão de música. Também acredito que em Portugal haja certos problemas, mas acho que, nalgum lugar da balança geopolítica do mundo, aqui é bem melhor do que o Brasil nesse sentido económico. Então, é muito importante para conseguirmos expandir o público e alcançarmos espaços de poder, porque aqui existe um espaço muito grande de poder para nós que somos da periferia do capitalismo. Temos uma relação importante que precisa de ser construída com Portugal, é algo que não se deve só a nós, tem a ver com a valorização da riqueza do Brasil, e Portugal também é uma porta de entrada para lugares mais distantes e que têm mais infraestruturas. E isso rebate muito no nosso governo. A música brasileira é muito valorizada fora do Brasil e realmente assim eles começam a perceber isso. Tem tudo a ver com o complexo de vira-lata, um conceito de inferioridade brasileira, então é muito importante para mostrar a nossa relevância. E, em Portugal, vocês consomem muita música brasileira de outros tempos, também é legal pensar que ainda continua acontecendo e para a gente também é muito legal conhecer as bandas daqui.
[FV] E também estamos a ver artistas portugueses a ir para lá, como os Capitão Fausto, o pessoal da Saliva Diva, os Baleia Baleia Baleia… É muito legal quando conseguimos ver essas pontes a acontecer, acho que todo o mundo sai ganhando, é agregador demais. No final das contas, também somos unidos pela lusofonia e acho que isso traz uma potencialidade grande para os dois públicos, dividimos a língua, então somos os públicos que mais conseguem receber algo das canções, ao termos uma compreensão mais aprofundada e uma conexão através da palavra. Acho que isso tem uma força muito grande, há muito por explorar.
[SC] E o português é essa língua muito doida, não são assim tantos os países que falam mas são muitos falantes. Gosto muito da nossa língua, acho que temos muito a contribuir para a construção da língua, é uma língua viva que ainda está sendo construída, e acho muito bonito esse intercâmbio. E também dá para expandir para a musicalidade, é muito legal os portugueses conhecerem o Brasil através das canções e ver a pluralidade de possibilidades. E o mesmo para a gente com Portugal, gosto muito daqui, o pessoal da Cuca Monga foi muito receptivo e apoiaram-nos muito, não disseram nada em relação ao nosso processo artístico e acho que isso é uma coisa muito válida quando se fala de arte. São realmente pessoas que nos estão a receber bem e a gerar uma coisa cultural bacana que também é um combate à xenofobia de nos aceitar bem e levar a gente para cá e mostrar que não estamos vindo roubar o emprego de ninguém e que temos uma cultura e um povo com coisas bonitas para mostrar.
E fortalecem-se as duas comunidades artísticas com estas parcerias.
[SC] Sim, e rompem-se vários preconceitos sobre o que é ser brasileiro, o que é ser português. Expande-se essa ideia de união, é bem bonito.
[FV] O que também senti muito nesta circulação portuguesa foi entender as semelhanças e as diferenças das lutas da classe artística. Por exemplo, aqui há muitas associações culturais e interessados da sociedade civil, outros agentes culturais, pessoas da comunidade a fazer coisas incríveis. Toquei, com a minha banda Tangolo Mangos, em várias cidades do interior e foi muito inspirador voltar para o Brasil com essa perspectiva, mesmo que haja muitas diferenças demográficas, sociais ou geográficas que obviamente impedem, por vários motivos, a aplicação de lógicas iguais. Mas voltamos com pensamentos diferentes e acredito que eles também voltaram do Brasil com isso. Aprendemos sempre e conseguimos aplicar algumas coisas.
Claro que sim. Só para terminar, mesmo que não exista ainda nenhum plano concreto, este pode ser o primeiro de vários discos em conjunto?
[FV] Hoje a gente já disse, os próximos vão ser Cartão SD e iPhone [risos].
[SC] O iPhone vai ser um disco totalmente de nós e que ninguém vai falar nada [risos]. Eu acho que a gente tem muito que trabalhar nesse disco juntos, gosto muito de tocar com ele e pela recepção que estamos a ter com este disco… É uma prova para nós mesmos que existe muito pano para mangas, muito ainda para explorar com esta parceria.
[FV] Até porque a gente conhece muito a música um do outro, a gente gosta de muitas músicas um do outro, a gente segue fazendo mais música.
E estão sempre a criar, não é?
[FV] E também fazemos músicas que outras pessoas podem cantar. Sinto que estamos num turbilhão criativo juntos que certamente vai dar noutras coisas. Também existe sempre a pressão do segundo disco, como a galera está a amar este… Mas nunca vai cair no ostracismo, é muita música, muita nota. Mas, como estamos a tocar ao vivo, acabamos sempre por ter contacto com novas músicas.
[SC] Já tocámos uma que ainda não está gravada, já fiz um arranjo na live session que gravámos. A gente não aguenta, cansamo-nos muito facilmente das nossas músicas e queremos sempre mais.