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Texto: Vítor Rua
Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 13/11/2024

Uma odisseia musical entre o silêncio das galáxias e o pulsar da criação sonora em Flak sustenido.

Sonham os Astros com o Eco de Ondas Sonoras?

Texto: Vítor Rua
Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 13/11/2024

[Prólogo Estelar: O Eco que Nasce do Vazio]

No princípio, antes de qualquer acorde, havia apenas o silêncio. Não o silêncio absoluto, mas aquele que respira nas brechas do tempo, nas fendas que separam uma estrela da outra. Foi aí, nesse espaço intocável, que a vibração primordial se formou — uma onda solitária que atravessou o vácuo à procura de um corpo que a escutasse. E então, entre as constelações apagadas e os planetas de frequências graves, surgiu um nome: Flak.

Ele não veio como outros, trazidos pelo vento do acaso. Não. Flak nasceu de uma necessidade cósmica, como se o próprio universo precisasse de um transmissor, alguém que traduzisse em som o que as galáxias há muito tentavam sussurrar. Com uma guitarra nas mãos, ele desenhou espirais de electrões sonoros, enquanto a gravidade das suas composições puxava para si o que estava à deriva no espaço do desconhecido.

As suas criações nunca foram só músicas. Eram fragmentos de nebulosas, poeira de estrelas perdidas, transmitidas através de um fluxo contínuo de improvisação. Cada nota, uma estrela cadente. Cada acorde, um cometa que varria o horizonte sonoro. E assim, o vazio preenchia-se de ecos, como se o próprio cosmos começasse a cantar consigo.

Flak, o escultor de ondas invisíveis, encontrava nas frequências a alma perdida do universo. Neste ensaio, exploramos as diferentes fases da sua carreira como um mapeamento cósmico da sua trajectória musical, traçando as suas órbitas criativas entre o rock, a electrónica e a improvisação, numa fusão poética entre música e o vasto universo insondável.

[Flak #01: O Cosmos de Flak]

Na vastidão de uma Lisboa eléctrica, entre os Anjos e as margens periféricas de Mem Martins, nasceu o som que seria Flak. Desde cedo, o cosmos foi seu território. Não o cosmos astral, mas o cosmos sonoro, aquele onde cada ruído do bairro, cada acorde desfiado ao acaso, se entrelaçava com as estrelas invisíveis do subúrbio. Flak, ou João Pires de Campos, crescia como uma onda que explora as margens do infinito, movendo-se entre sons e silêncios, tal como um viajante das estrelas segue rastos de luz. Naquele menino, já ressoava o impulso de atravessar galáxias musicais.

Fundador dos míticos Rádio Macau, Flak trouxe-nos as vozes de um universo paralelo onde Xana e Alex Cortez dançavam com a electricidade do espaço, tecendo melodias que atravessavam o éter da rádio como asteróides perdidos. Mas nem sempre este cosmos era um espaço sereno; os anos 1980 eram tempestades magnéticas de sons e tendências, e Flak, com seu instinto pioneiro, sabia que o tempo precisava de curvas. Foi em uma dessas curvas que, no intervalo entre Rádio Macau e outros projectos cósmicos, surge o seu primeiro álbum a solo, homónimo. Aqui, Flak já se afirmava como alquimista das frequências, explorando o espaço musical como quem desbrava terrenos virgens em galáxias desconhecidas.

[Flak #02: As Constelações de Micro Audio Waves]

Entre as estrelas do underground lisboeta, surge uma nova constelação — Micro Audio Waves. Com C. Morg ao seu lado, Flak começa a pintar o céu musical com cores electrónicas que desafiavam os limites conhecidos. O ano de 2006 trouxe uma nova órbita para este grupo, que, qual nave espacial, atravessava o universo dos Qwartz Awards, em Paris. Como se as ondas sonoras fossem feitas de partículas de luz, as composições de No Waves captaram a atenção do cosmos francófono, fazendo ecoar seu nome em constelações de vanguarda. “Fully Connected” não era apenas um título, era uma verdade universal, ligando cada ouvinte a uma rede invisível de sinapses sonoras.

[Flak #03: As Galáxias da Improvisação]

Agora, Flak caminha sozinho pelos confins do cosmos. A improvisação é seu novo caminho, cada espectáculo um mergulho no vácuo, onde o silêncio se molda em som. Participa em projectos como Patifes, no Centro Cultural Da Malaposta, onde a electricidade da guitarra se entrelaça com a electrónica e a poesia de Gonçalo M. Tavares, numa coreografia de átomos musicais. Flak tornou-se uma figura interestelar, um explorador que, igualmente aos grandes sonhadores da ficção científica, navega por entre galáxias musicais com a mesma curiosidade com que os antigos desbravavam os céus.

[Flak #04: O Homem que Ouve as Estrelas]

Flak é mais do que um nome ou um som. Ele é a escuta do cosmos, a forma como as estrelas se dobram e as galáxias vibram ao toque de uma corda de guitarra ou ao eco de uma batida electrónica. Se Philip K. Dick perguntava se os andróides sonhavam, talvez possamos perguntar-nos: Será que o cosmos sonha com Flak? Ele, que molda frequências e cria universos musicais, parece ser o transmissor de um código desconhecido, como se os átomos que compõem a matéria se curvassem para escutar a sinfonia invisível que ele produz.

[Final: O Horizonte Sonoro de Flak]

E assim, no horizonte onde o som se dissolve no silêncio, Flak segue a sua jornada. Como uma nave que atravessa o tempo e o espaço, ele continua a explorar, sempre à procura da próxima onda, do próximo som que ressoe entre as estrelas. No vazio do espaço, talvez só reste o eco da sua guitarra, uma última melodia que reverbera nas profundezas do cosmos.



[Ondas Siderais: Uma Odisseia Sonora em “Liquid Luck”]

[Marés Invisíveis: A Dança Cósmica de “Liquid Luck”]

“Liquid Luck” dos Micro Audio Waves é uma verdadeira odisseia sonora que atravessa fronteiras entre géneros e convenções. Este single apresenta-se como uma composição onde a música electrónica e a experimentação se encontram num diálogo fluido, onde cada elemento sonoro parece emergir de um ponto desconhecido do cosmos. A escuta desta peça provoca um estado de imersão sensorial, em que os sintetizadores em arpejo e os ecos reverberantes transformam a experiência musical em algo quase tangível, moldando sinapses sónicas nos nossos neurónios.

[Os Sintetizadores Cósmicos e a Construção Sónica]

A música é dominada por sintetizadores que se movimentam como partículas carregadas de electricidade. Em “Liquid Luck”, os arpejos sintetizados são a espinha dorsal da estrutura sonora, criando uma sensação de movimento constante, como se fossem ondas gravitacionais que atravessam o espaço-tempo. Estas sequências arpegiadas não são meros adornos, mas sim uma força motriz que estabelece o ritmo e a direcção da peça, conferindo-lhe uma pulsação quase orgânica.

Os sintetizadores não só preenchem os espaços auditivos, mas criam universos alternativos. Cada camada sonora emerge como uma nova dimensão, onde os timbres electrónicos ressoam de forma celestial. Estes sons cósmicos criam texturas que evocam viagens espaciais, onde a repetição e os ecos funcionam como satélites que gravitam à volta do núcleo melódico. O efeito de repetição, que “gagueja” em ecos siderais, não é mero artifício; é uma técnica que intensifica a sensação de infinitude, de algo que nunca chega ao fim.

[A Voz como Instrumento: Sprechgesang e Coros Angelicais]

A voz em “Liquid Luck” é um dos elementos mais intrigantes da composição. Usando a técnica do sprechgesang — a fusão entre o falar e o cantar —, a voz principal não assume uma postura dominante, mas sim uma função quase hipnótica. Ao invés de cantar de forma melódica tradicional, a voz “fala” com uma cadência que se aproxima da declamação poética, algo que adiciona uma camada de estranheza à música. Este “canto falado” funde-se com os sintetizadores, e a própria voz é replicada em coros angelicais que parecem ecoar a partir de múltiplas direções.

Os ecos vocais em “Liquid Luck” criam uma espécie de duplicidade, como se a voz principal fosse clonada várias vezes, resultando numa formação de replicants que povoam o espaço sonoro. Esses clones vocais não se limitam a repetir a melodia, mas transformam-se em um coro etéreo que dá à música uma qualidade transcendental. O uso criativo dos efeitos de eco e duplicação da voz confere uma dimensão quase “desumanizada” à peça, como se estivéssemos a escutar um coral de inteligências artificiais que tentam reproduzir a expressão humana.

[O Beat e a Subversão da Guitarra]

Embora Flak seja um guitarrista de renome, em “Liquid Luck”, a guitarra surge de forma subtil, quase imperceptível. Quando presente, ela metamorfoseia-se, despojada da sua forma habitual, e emerge diluída na electrónica como um som textural adicional, fundindo-se com os sintetizadores. Esta abordagem subversiva desafia as expectativas, mostrando que a guitarra, longe de ser protagonista, é um mero fragmento que serve o todo sonoro.

O beat é outro elemento de destaque, com a sua bateria e o baixo a fornecerem uma base sólida, mas nunca estática. O ritmo é poderoso, mas não sobrecarregado, funcionando como uma âncora que sustém o voo dos sintetizadores e a fluidez da voz. Há uma precisão matemática no pulsar do beat, como se cada batida estivesse programada para activar uma reacção específica nos ouvintes, criando um efeito quase físico.

[A Letra: Ecos de Narrativas Invisíveis]

Embora a letra de “Liquid Luck” não seja de uma poesia “fácil”, a performance vocal sugere um conteúdo abstracto, onde palavras e frases se fundem com a música, funcionando mais como um instrumento adicional do que como uma narrativa clara. No entanto, o uso do sprechgesang e a multiplicação dos ecos vocais indicam uma exploração temática ligada à multiplicidade, à incerteza e à ideia de sorte fluida e incontrolável. A própria música parece uma metáfora para esse conceito de “sorte líquida”, onde nada é fixo e tudo está em constante transformação.

[Coda Cósmica: O Eco Infinito de “Liquid Luck”]

“Liquid Luck” é uma obra que desafia a categorização simples. A combinação de sintetizadores cósmicos, a utilização inovadora da voz e a presença minimalista da guitarra resultam numa peça que ressoa tanto com o ouvinte casual quanto com o analista musical. A sua estrutura repetitiva e os ecos que reverberam em ciclos infinitos tornam-na uma experiência quase meditativa, enquanto o beat poderoso e as camadas de som mantêm uma energia constante, quase ritualística. É uma composição que, identicamente ao cosmos, vive no limiar entre o conhecido e o desconhecido.

“Liquid Luck” termina de forma abrupta, deixando uma sensação de suspensão no ar. O ouvinte fica com a impressão de que a música não acabou realmente, mas que continua a ecoar no éter, invisível aos sentidos humanos. Esta escolha estética amplifica a sensação de que estamos perante algo maior, algo que transcende a duração limitada de uma faixa musical. A ausência de um desfecho tradicional é, em si, uma declaração artística: a música é infinita, estendendo-se para além dos limites da percepção.

[Epílogo Estelar: O Som que Ecoa para Além do Fim]

“Liquid Luck” dos Micro Audio Waves não é apenas uma canção, é uma jornada que se desenrola como uma nebulosa de frequências, flutuando no espaço desconhecido entre a música e o silêncio. Cada arpejo sintetizado que ouvimos é como um astro em órbita, desenhando círculos perfeitos num cosmos onde as regras da gravidade sonora são reescritas. Aqui, não há fronteiras fixas. As camadas de som ondulam e gaguejam em ecos intermináveis, como se tentassem capturar a essência do infinito.

A voz angelical da Cláudia Efe, suspensa entre o falar e o cantar, torna-se o mensageiro de um tempo imemorial, evocando o passado e o futuro num único momento eterno. Clonada, multiplicada, distorcida, essa voz transforma-se em algo além do humano, um coro de replicantes que ecoam por dimensões desconhecidas. O sprechgesang de Efe dissolve-se nos coros angelicais, enquanto os sintetizadores desenham constelações invisíveis que se projectam nos nossos neurónios, criando paisagens internas que desafiam qualquer lógica conhecida.

E mesmo quando a guitarra se esconde, metamorfoseada, ela ainda está presente — não como o protagonista habitual, mas como uma sombra sónica, uma vibração latente que permeia o espaço como se fizesse parte do próprio tecido do universo. O baixo e a bateria sustentam essa viagem, ancorando-nos enquanto somos lançados para novas dimensões sonoras, onde o som não é unicamente uma audição, mas uma experiência física e emocional.

No final, “Liquid Luck” não se conclui — como uma estrela que implode mas continua a emitir luz, a música termina sem terminar. Fica no ar, em suspenso, deixando-nos a sensação de que continua a ressoar, muito além do que podemos ouvir. Como um eco cósmico que nunca se apaga, o som dos Micro Audio Waves reverbera por dimensões invisíveis, levando-nos a crer que, no fundo, a música nunca acaba. Ela transforma-se, evolui e continua a vibrar no cosmos, como as ondas de um mar que nunca cessa de se mover.

Esta é a marca dos Micro Audio Waves: um som que transcende o tempo, que vive nas brechas do espaço e que nos convida a questionar o fim, o limite e o que existe para além dele.

A não perder os concertos dos Micro Audio Waves, dias 21, 22 e 23 de Novembro no Teatro São Luiz com a colaboração do coreógrafo Rui Horta.




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