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Publicado a: 11/03/2016

Sensible Soccers: “Somos um bocado avessos às ideias grandiosas”

Publicado a: 11/03/2016

[TEXTO] Bruno Martins [FOTOS] Daniel José

A manhã em Lisboa está fria e chuvosa. Da varanda do primeiro andar da Gare do Oriente não conseguimos ver o Tejo lá ao fundo e a culpa não é só dos prédios do Parque das Nações: a neblina matinal ainda não levantou e o mais provável é que não levante. Está um tempo convidativo a passar mais um bom bocado enrolado nos lençóis polares, mas já estamos em cima da hora marcada com os Sensible Soccers. O agora trio vem do Norte – “muito provavelmente ainda com mais frio”, pensamos nós enquanto abotoamos o casaco até acima e tentar olhar as coisas pelo lado positivo – e chega à capital no Alfa das 10h30. Não houve trânsito nem linhas cortadas que tenham retardado Filipe Azevedo, Hugo Alfredo Gomes e Manuel Justo nesta visita de médico à capital para conversas e fotografias com alguns jornalistas sobre o novo disco Villa Soledade, que já está à venda.

Há um conceito de tempo ligado à música dos Sensible Soccers. Talvez seja o reflexo do universo bucólico de Fornelo, a localidade a cerca de 30 quilómetros do Porto, onde criam, peneiram, deixam fermentar e fazem crescer as suas composições para depois nos convidarem a absorve-la da mesma forma: com tempo. Não é suposto ser um contra-relógio – se bem que os grandes mestres da electrónica alemã, os Kraftwerk, sejam os maiores fãs do ciclismo e até já fizeram discos a pensar em provas de bicicletas – mas se formos pôr as coisas nesses termos, os Sensible Soccers seriam uma banda de cicloturismo, a desfrutar nas lentas subidas de uma encosta verdejante, e a sorrir nas descidas enquanto levamos com vento fresco na cara, mas com a mão suave no freio, a ajudar a conter as vertigens.

Mas não foram sempre assim. Ou melhor: não começaram por ser assim. Filipe, sentado num café escondido lá num canto da estação de comboios que os viu chegar há pouco mais de 20 minutos, para evitar as correntes de ar da gare, recorda os primeiros tempos dos Sensible Soccers, em 2010, quando começaram a aventura num centro comercial da Invicta, o Stop. As velocidades eram outras e o ímpeto também. “Os primeiros EPs foram feitos num ambiente de férias: a criar à vontade, a gravar aqui e acolá, a ver o que dava. A criar uma identidade de forma relaxada”, conta. Perguntamos-lhe sobre a faixa “Twin Turbo” – aquela que foi usada num vídeo de Cristiano Ronaldo , visto por mais de 5,5 milhões de pessoas em 40 horas. “Essa ainda é do tempo do Stop!”, responde imediatamente, a sorrir, o músico, recordando o primeiro EP, homónimo, de 2011.

Com mais ou menos velocidade, já dava para perceber este universo electro-contemplativo que o quarteto queria criar: arrepiar-nos com sintetizadores. Uma estética que é consolidada neste mais recente Villa Soledade, ainda que a ideia seja sempre “brincar à música com seriedade”, como diz Manuel Justo. A saída das salas de ensaio da Invicta levou-os para o recolhimento de Fornelo e trouxe-lhes o envolvimento físico com as composições. “Dantes fazíamos canções de um minuto e meio: ‘Tá bom assim, vamos fumar!’”, ri-se Hugo. Na freguesia de Vila do Conde, onde mora Hugo Gomes, “numa casa grande”, o relógio parece ter outras velocidades. “Podemos ficar lá a dormir e tudo. Esse tempo de fazer as coisas, mais o tempo que é menos acelerado do que o tempo citadino, de certeza que nos marca”, considera Manuel.


Sensible Soccers © Daniel José

“O que mais nos influencia sem termos de melodia e harmonia são as memórias de infância e aquilo que ouvíamos quando éramos mais novos. Claro que depois acrescentamos coisas mais contemporâneas.” – Filipe Azevedo


[As provocações visuais de Laeticia Morais]

O esqueleto de Villa Soledade começou a ganhar forma há pouco menos de um ano, quando se iniciou o trabalho com a artista plástica Laetitia Morais num espectáculo ‘encomendado’ pelo Teatro Maria Matos, em Lisboa; pelo Gnration, em Braga; e pelo Festival de Curtas-Metragens de Vila do Conde a que o grupo chamou de “Paulo”. Os Sensible Soccers queriam encerrar a digressão do último disco, 8 e fechar o ciclo de canções como “Sob Evariste Dibo”, “AFG”, ou o épico tema que faz homens crescidos dançar e chorar ao mesmo tempo “Sofrendo por Você”. Exigia-se esse fim de ciclo, até porque já havia a ideia do baixista Emanuel Botelho deixar a equipa principal dos Sensible Soccers e passar para o lado do fervoroso adepto de bancada por incompatibilidades com a vida pessoal.

O espectáculo “Paulo” foi, assim, o último contributo do baixista nos Sensible Soccers, mas também o começo desta nova fase. “Não tínhamos nada de muito definido quando arrancámos para esses concertos, mas havia a intenção de nascer dali uma edição. Só não sabíamos se seria um segundo disco de Sensible Soccers”, recorda Hugo. “Só mais tarde é que juntámos ideias antigas, criámos músicas novas. Aí o Villa Soledade começou a ganhar contornos mais palpáveis.”

Trabalhando a meias com uma artista visual como Laetitia Morais, os Sensible Soccers fizeram crescer as faixas a partir das motivações caleidoscópicas, colagens e vídeos que lhes foram passadas. “Mas nós nunca pensamos muito em imagens. Só depois de fazermos as coisas e ouvirmos é que verificámos que tem uma relação cinematográfica”, explica Manuel. E Hugo acrescenta que “a música sem letra facilita sempre a fantasia”. Filipe considera que as inspirações para Villa Soledade “são muito concretas”. O quê? “O que mais nos influencia sem termos de melodia e harmonia são as memórias de infância e aquilo que ouvíamos quando éramos mais novos. Claro que depois acrescentamos coisas mais contemporâneas.”

A quase-inexistência de traços urbanos nas músicas dos Sensible Soccers é uma marca que parece acompanhar o percurso do grupo. Ficam os sintetizadores, as caixas de ritmo, os sequenciadores, mas a essência está na forma como o trio enobrece as composições. “Há um denominador comum que é a emoção”, sintetiza Filipe.

As referências podem ir dos Pink Floyd, por alturas do experimentalismo de álbuns como Meddle, mas também da música popular portuguesa, das memórias das canções de baile nas aldeias com um tocador de órgão em cima da galera de um tractor ou de uma carrinha de caixa aberta, a disparar todo o tipo de instrumentos em formato MIDI ou a cantar para microfones cheios de ecos. “Exactamente! Nós temos um gosto particular por aquela ‘parolice’”, confessa Manuel. “Quer dizer, eu não sei se é foleiro ou não, mas das influências de miúdos ficaram também as memórias das músicas nas viagens de carro com os pais, ou das cassetes dos Prefab Sprout que a tia tinha no carro. Isso ficou. Mas certamente que se juntaram outras coisas mais do momento e outras mais intemporais.” Ou não fossem os Sensible Soccers filhos da geração de 1980 – nados ou criados.


Sensible Soccers © Daniel José

“Villa Soledade leva menos pistas, menos elementos. Vale mais pelo valor musical de cada elemento.” – Manuel Justo


[“As coisas ficaram mais arrumadas”]

“Soledade” é uma palavra que não existe espanhol. Talvez o senhor Eduardo Reis, proprietário da casa que fica “na estrada nacional 104, na freguesia de Santiago de Bougado, entre Fornelo e a Trofa” quisesse dizer soledad, que, traduzindo para o português, significa “solidão”. Ou talvez o senhor Eduardo Reis seja, na verdade, um linguista visionário e tenha criado a palavra luso-castelhana que junta os termos “solidão” e “saudade”. Terão sido esses dois sentimentos que lhe atravessaram o coração quando perdeu o filho e decidiu fazer “daquela casa uma homenagem a um filho que morreu”, conta Hugo Gomes. “É uma casa muito especial, com muitos bonecos, estátuas, figuras… é difícil de descrever. Tem uma réplica da Torre Eiffel no jardim, no meio de muitos escritos pelo senhor, réplicas dele próprio em tamanho real, bonequinhos, bugigangas em porcelanas, dinossauros…” – a curiosidade levou-nos a seguir as indicações de Hugo Gomes e ir à procura desta Villa… no Google Maps,

O senhor Eduardo dono da Villa Soledade deu corpo aos seus sentimentos da forma expressiva e exaustiva. Encheu um terreno de todas as formas e feitos. Pôs todas as suas memórias – mais felizes e infelizes – num jardim agora superpovoado de figuras. A Villa Soledade dos Sensible Soccers foi pelo caminho aparentemente inverso: o da descomplicação para um jardim mais limpo e mais arrumado.

É curioso pensar agora que talvez 8 tivesse uma estética próxima da Villa Soledade do senhor Eduardo da Trofa. “O disco anterior era uma feira popular de sons!”, confirma-nos Manuel Justo. “Imaginávamos várias melodias e íamos à procura de tudo nos sintetizadores, sons de saxofones em MIDI… neste reduzimos mesmo tudo a três ou quatro sons. Sonicamente, as coisas ficaram mais arrumadas. Villa Soledade leva menos pistas, menos elementos. Vale mais pelo valor musical de cada elemento.” Porém, vincam, “o disco não é sobre a casa”. Apenas acharam piada “ao nome e ao imaginário”, o das estradas nacionais que percorrem fazem tantas vezes de carro para ir de São João da Madeira ou de Vila do Conde até ao quartel-general dos Sensible Soccers.

Por muito que gostemos deles assim como são, talvez daqui a 20 anos tenham uma forma diferente de pensar as composições – e é bem provável que assim seja. “Há um tema, a ‘Nunca Mais Me Esquece’, em que eu imaginava blacks a tocar marimba e batuques por cima daquilo. Talvez se fossemos uma big band ou tivéssemos 30 anos de carreira e dez discos, houvesse uma abordagem diferente”, talvez mais orgânica, com recurso a tocadores de instrumentos. Por enquanto, tentam “adaptar-se as ideias que existem ao contexto e ao material” que têm. Confessam-se “um bocado avessos às ideias grandiosas” e temas como o que abre o disco, “Clausura”, com quase nove minutos de duração, e “Shampom”, com quase dez, são épicos à moda de Fornelo: o tal passeio em modo cicloturismo assente na repetição e sobreposição das camadas. “De facto, a repetição tem um papel interessante nisto”, diz Filipe. Uma espécie de vício que agarra quem ouve. “Não temos mudanças constantes de estruturas. Temos antes o acrescento de motivos melódicos, texturas… mas há sempre qualquer coisa que está a agarrar ao chão. E tu vais a flutuar.”


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