Pontos-de-Vista

Pedro Tenreiro

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Serviços essenciais para a manutenção da criação musical.

Sol na eira e chuva no nabal

Este artigo, que elogia o Bandcamp — a única plataforma digital que eu uso — tem servido para se fazer uma espécie de linchamento público ao Spotify, chegando-se a analisar o nível de riqueza do seu fundador e a questionar a sua legitimidade.

Além de DJ e de, como agora está em voga chamar-se, “music lover“, fui A&R de uma importante editora nacional durante 22 anos. Enquanto executivo da indústria discográfica habituei-me às constantes acusações de ganância e abuso praticadas pelas editoras. É normal e humano um artista sentir-se injustiçado quando a sua obra não “rende” aquilo que está à espera. Experimentei de tudo.

O chamado tempo das vacas gordas, que representou o auge do CD, que possibilitou às editora níveis de rentabilidade e investimento anormais, alimentou a abertura desenfreada de cadeias de lojas e que, mesmo fora do universo mainstream, se reflectia em vendas na casa das dezenas de milhar, de discos de nomes como os Cool Hipnoise, os Mind da Gap, os Belle Chase Hotel, etc.

A crise profunda provocada pela partilha de ficheiros na internet, com o advento do Napster e outros, que parecia estar a condenar à morte as editoras e, com isso, a possibilidade de carreira de muitos artistas, por muito que a repentina facilidade de exposição pelos seus próprios meios pudesse ter sugerido o contrário a muita gente (quem é que se lembra do Myspace? foi ontem…).

Até que apareceram os serviços de streaming e toda a indústria discográfica viu a luz ao fundo do túnel.

Sejamos claros, foi o Spotify, ao lado de outras plataformas, como Deezer, Apple Music e YouTube, que salvou esta actividade. Claro que a distribuição de dividendos pode ser questionada. Claro que o número de “intermediários” na distribuição digital afecta a fatia que cabe aos artistas. mas também permite que o nível de investimento nas suas carreiras volte a ser aquilo que era.

É óbvio que, para mim, como consumidor de música de nicho, o Bandcamp faz um trabalho exemplar. Não só porque fomenta a relação directa entre artistas e seus seguidores, como tem a coragem de fazer opções editoriais que começam a ser importantes na divulgação de obras que não são financeiramente apelativas para as majors. Mas já era assim quando era miúdo e estabelecia relações de fidelidade com a Rough Trade, a Cherry Red, a Factory ou a Y e pouco ligava à Warner ou à Epic.

Para além disso, o Bandcamp é uma plataforma de venda directa (sejam discos ou ficheiros), onde a possibilidade de streaming é uma opção dos artistas e, sempre, não-remunerada.

Resumindo, não me parece razoável questionar o papel do Spotify — que, já agora, é, de todas as plataformas idênticas, aquela que mais paga por audição — para se enfatizar a importância do Bandcamp. São dois serviços essenciais para a manutenção da criação musical, que cumprem funções distintas e cobrem diferentes universos. No fundo, a questão é a mesma há mais de seis décadas: é o alcance que a música que fazemos tem, e o tipo de apoio e investimento de que é alvo, que dita aquilo que tiramos dela (pelo menos em géneros não-subsidiados…). Querer ganhar fortunas com música de nicho, editada de forma independente, é o mesmo que ter sol na eira e chuva no nabal.


Bandcamp Weekly – Music is The Message

Genre-blurring Butcher Brown and Slauson Malone guest, plus an LP of the week by the unstoppable SAULT.

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