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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 06/08/2021

Uma energia diferente no ar.

Snazzback: “Nós e os outros músicos de Bristol estamos mesmo a tentar criar a nossa própria cena”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 06/08/2021

Bristol é o lugar. Para os Snazzback, banda de lá que editou o seu segundo álbum há um par de semanas, isso é importante: viver numa cidade histórica como essa significa absorver uma herança musical que teve como expoentes Portishead e Massive Atack, dois grupos que ajudaram a que se criasse um imaginário muito concreto do que se passaria naquelas ruas.

In The Place confirma a ideia de que realmente falamos de um local especial onde o caldeirão socio-cultural tem um impacto verdadeiramente forte em tudo à sua volta: nas 12 músicas, o septeto acelera e desacelera, entra no jazz, passa pela música electrónica e sai no rock, perde-se na languidez e encontra-se em divagações enérgicas. Para tirar a limpo que “place” é este, o Rimas e Batidas marcou um encontro digital com dois dos músicos do colectivo.



Vamos começar por falar no título do vosso novo álbum, In The Place. Se o Sun Ra fosse vivo, ele diria algo como Zoom Is The Place e não Space Is The Place [risos]. Para tentar reverter essa ideia a um local mais concreto, gostava que vocês me explicassem que espaço é esse. Até porque isso já nem é apenas poético nos dias que correm — é quase político.

[Dave Sanders] O álbum foi gravado durante um período bastante longo em diferentes sessões que ocorreram em anos diferentes. A única constante para nós entre todo este processo era o local onde tocávamos. E mesmo a própria cidade de Bristol… nós, enquanto pessoas, estávamos a mudar e a passar por variadas emoções dentro das nossas vidas, embora estivéssemos constantemente juntos no mesmo local, a fazer música. Acho que foi daí que surgiu o título para este álbum. Meio que começou como uma piada, entre nós, por ser algo que os MCs referem muito. Só que depois acabou por se entranhar e ganhar um significado maior para nós. Creio que será essa a história.

Ok. Dentro de Bristol existe, então, um local mais específico. Sei que vocês construíram o vosso próprio estúdio, portanto eu diria que foi precisamente nesse sítio onde grande parte da acção aconteceu. Querem falar-me sobre essas sessões de gravação?

[Eli Jitsuto] Então, o nosso estúdio foi praticamente construído pelo nosso baixista e pelo nosso baterista. Eles construíram estes… O que é que tu chamarias àquilo?

[Dave Sanders] Deflectores?

[Eli Jitsuto] Tipo uns andaimes. Sei lá. Aquilo não são bem andaimes [risos]. Normalmente, tens certos tipos cenas a separar o estúdio, biombos, que definem o sítio onde tocas na sala onde gravas. Passámos muito tempo lá e aquilo nem é assim tão grande. Estivemos todos lá amontoados, colados uns aos outros. Houve muitas emoções, frustrações e amor que foram dar à música que criámos dentro daquele espaço.

Eu estive em Bristol, diria que há uns seis ou sete anos. É, obviamente, uma cidade muito especial. Estive lá a propósito de uma conferência da The Wire, que aconteceu no Arnolfini, e tive um dos melhores momentos da minha vida. Adorei o sítio. Mas, na altura, eu não estava ainda consciente da cena jazz que estava a acontecer em Bristol. Na vossa opinião, o que é que diferencia a cena de Bristol com as cenas das outras cidades britânicas?

[Dave Sanders] Eu acho que Bristol, tal como muitas das outras cidades, tal como Londres, tem o seu próprio som. E creio que isso vem da cultura musical da cidade. Diria que consegues ouvir na nossa música — e na música de outras bandas de cá, tal como os Waldo’s Gift ou os Run Logan Run — uma certa camada, profunda, de música de dança. Uma dança mais suja. Não era bem isso que eu queria dizer [risos]. Tipo o drum’n’bass. É um som com muitos graves, pesado, escurecido. Os Ishmael Ensemble são um óptimo exemplo disso. E eu acho que isso não acontece tanto com a música das outras cidades, como Londres ou Leeds. Elas têm os seus próprios elementos que as tornam únicas, também. Mas Bristol tem a história… Existe o legado daquelas bandas, como os Massive Attack ou os Portishead, e de todo o drum’n’bass que surgiu a partir da cidade. Isso enraizou-se também no jazz. E existe um certo elemento psicadélico e estranho na música de Bristol, também. Uma cena meio selvagem, que tu notas especialmente nas guitarras e nos sintetizadores. Acho que isto resume grande parte do som que nós fazemos. Acrescentarias alguma coisa?

[Eli Jitsuto] Creio que disseste tudo.

O vosso press-release aponta nomes tão distintos como Jimi Hendrix, Rip Rig & Panic ou Shabaka Hutchings enquanto influências. Além destes, quem mais diriam que vos tenha ajudado a encontrar as coordenadas do vosso próprio som?

[Eli Jitsuto] Isso é uma boa questão. Nós todos crescemos a ouvir coisas muito diferentes. Pessoalmente, cresci a ouvir música com uma presença mais vincada da voz. Muitas canções de amor e assim. Estruturas de acordes muito simples. Acho que a simplicidade está sempre presente em mim. Quando eu escrevo música, é sempre um processo muito simples e isso faz-me lembrar da música que eu ouvia enquanto crescia. A parte da influência do Hendrix… Eu acho que ele está presente em tanta música que as pessoas compõem e tocam [nos dias de hoje], que ninguém se acaba por aperceber disso. A técnica dele, as vozes que ele utilizava… Todas essas coisas estão enraizadas, especialmente na forma como eu toco. Creio que os nomes que nós pusemos [no press-release], mesmo que nem tenhamos todos concordado dentro da banda, a música dessas pessoas ressoou em nós, quer nós nos apercebamos disso ou não.

[Dave Sanders] Essa é a particularidade de estar inserido num ensemble tão grande como o nosso. Somos sete no total e é uma teia [de influências] muito grande. Há diferentes grupos dentro de nós. Uns são influenciados por coisas que ouviram ao crescer mas também temos os nossos desvios. Há coisas que eu sei que tu [Eli] ouves e que eu também gosto, e vice-versa. O Hendrix é realmente um grande exemplo, pela energia que ele punha naquilo que fazia. Eu nem toco guitarra — sou péssimo a tocar guitarra [risos]. Mas a energia que está naquilo que ele fazia, o impulso e a atitude com que ele toca… Man. A primeira vez que ouvi as cenas do Hendrix fiquei tipo, “oh!” Tu podes fazer outras coisas com o instrumento. Podes tocar aquelas escalas fixes e levar o instrumento ao limite como forma de recriar o som, não de apenas tocar umas notas. Eu amo o Hendrix, man [risos].

No caso do Shabaka, qual é a vossa relação com aquilo que se está a passar em Londres? Além da muito boa música que tem surgido de lá, parece-me que há também uma espécie de esforço colectivo para promover a cidade como uma nova capital mundial do jazz. É, de alguma forma, difícil vocês conseguirem afirmar a vossa própria visão na sombra que Londres está a deixar?

[Dave Sanders] Há algumas coisas relativamente a isso. A primeira é a tal grande sombra que Londres causa sobre tudo o resto. É muito difícil tu te diferenciares disso. Até porque aquilo que está a acontecer em Londres é maravilhoso. É tão empolgante de assistir e, de certa forma, isso também alimenta e dá energia àquelas outras cenas que estão ao seu redor. Mas com isso cria-se um certo centro gravitacional que te puxa para lá, para certos grupos e para um certo tipo de sonoridade ou estilo. Nós e os outros músicos de Bristol estamos mesmo a tentar criar a nossa própria cena aqui. E isso também é verdade para cidades como Glasgow ou Leeds, por exemplo. Há mesmo aquela cena de “o que está a acontecer [em Londres] é incrível mas nós queremos mesmo fazer a nossa própria cena também e ser vistos por isso mesmo.”

[Eli Jitsuto] Em suma, estamos a tentar sair da sombra. Nem deveria de existir uma sombra aqui.



Querem falar-me dos convidados para este álbum? A China Bowls desempenha um papel importante no disco. Como é que vocês se conheceram?

[Eli Jitsuto] Nós tocámos nuns festivais como parte de um colectivo chamado The People’s Front Room. Aquilo é uma tenda que parece um lounge e há uma data de artistas que vão lá tocar. Eu creio que foi aí que a conhecemos. Ou talvez não… O nosso teclista já a conhecia antes. Eles tinham tocado juntos antes. Foi uma dessas coisas. Eu já não me lembro bem. Foi há tantos anos.

[Dave Sanders] Eu acho que eles os dois também se conheceram no The People’s Front Room. Eu entrei na banda relativamente depois destes gajos. A colaboração surgiu por andarmos a tocar juntos, no The People’s Front Room. Ela teve um papel fundamental no processo de composição, a meio das digressões connosco. Entrou no álbum como convidada e tenho um respeito enorme pelo que ela fez no álbum. Foi muito fixe. As outras pessoas que convidámos surgiram mais ou menos da mesma forma. Conhecemo-los de colaborações mais recentes. O Solomon OB é um artista de spoken word maravilhoso e um grande activista aqui na cidade. Tem uma voz muito forte no que toca à mudança por aqui. Fazer o tema com ele foi muito bom mas vê-lo actuar ao vivo…

[Eli Jitsuto] É uma experiência completamente diferente.

[Dave Sanders] É de se contemplar. Depois temos também a STANLÆY, que também é uma colaboração nova para nós. Ela está numa onda mais ligada à folk psicadélica, progressiva. Ela é muito difícil de se deixar amarrar. É daquelas pessoas que faz de tudo — faz filmes, pintura… É uma verdadeira força criativa e uma pessoa muito interessante de se trabalhar com. Por último, o Soss. É um grande amigo nosso. Até fez um videoclipe para nós.

[Eli Jitsuto] O do “Reading”. Foi ele que o fez.

[Dave Sanders] Descobrimos que ele é um rapper incrível e “bora, vem fazer umas cenas connosco.”

[Eli Jitsuto] Já tínhamos feito umas poucas actuações com ele, no The Gallimaufry, que era um espaço onde tocávamos regularmente. Chegámos a ter uma residência lá, antes do COVID-19 ter aparecido. Ele foi lá fazer uns espectáculos connosco e meio que era uma escolha óbvia para marcar presença no álbum, já que temos vindo a colaborar algumas vezes. E é isso.

Vocês têm recebido palavras de apreço por parte de gente como o Jamie Cullum, o Soweto Kinch… Têm amigos em posições privilegiadas, certamente [risos]. O que é que significa para vocês esse tipo de reconhecimento?

[Dave Sanders] É uma espécie de lição nas mais variadas formas. Nós estamos habituados a existir apenas no nosso canto, a fazer música, a tocá-la na rua, juntos. Para mim, pelo menos, ainda é algo de muito surpreendente, quando ouvimos algumas dessas pessoas a apoiar-nos. Quer dizer, a minha mãe apanhou-me de surpresa quando me ligou a dizer que o Jamie Cullum estava a tocar a nossa música. “Estás a passar no programa!” E eu, “o quê?! Isso é muito fixe!” [risos] Acho que agora é uma boa altura para mencionar que este tipo de coisas são possíveis porque os nossos amigos ajudam a divulgar a nossa música e apoiam-nos imenso. A nós e a outra malta daqui de Bristol. Espalham a nossa música e ainda nos permitem fazer mais amigos. Temos muita sorte. Sinto-me um sortudo por ter esse tipo de apoio. E pessoas como tu, também, por estarem interessadas no nosso trabalho. Por isso, obrigado.

Falaram aí em tocar na rua numa determinada altura das vossas carreiras. Com que regularidade é que faziam isso e quão importante foi no desenvolvimento das vossas aptidões?

[Eli Jitsuto] Agora que olho para trás, sinto que tocávamos na rua todos os dias [risos].

[Dave Sanders] Nós fizemos tanto disso…

[Eli Jitsuto] Muitas vezes, mesmo. Até a meio do Inverno, com um frio terrível, mal sentíamos as mãos. Ele até tocava saxofone de luvas [risos]. Mas sim, fez com que interiorizássemos as músicas, porque as tocávamos tantas e tantas vezes. Fortaleceu o grupo no geral. A partir daí foi sempre a subir. Habituámo-nos tanto a tocar uns com os outros. Diria que o entrosamento foi mais rápido do que o normal. Acho que isso foi o que de mais importante colhemos desse processo. E tu sabes que quando o tempo favorece com o sol a brilhar, as pessoas acabam por se juntar ali. Param para ver, comem, bebem, falam contigo. Acho que isso é a melhor parte do trabalho.

Quero ver se vos consigo apanhar ao vivo num destes dias. Sei que até já têm algumas datas em agenda. Vi que vocês iam tocar a um espaço muito especial, que eu acabei por descobrir há uns anos, em viagem — o The Crescent, em York. É uma sala maravilhosa. Quem sabe se num futuro próximo não consigo apanhar-vos. E vou dizer-vos um “olá”, certamente. É só as fronteiras voltarem a estar menos impedidas e que nos permitam viajar livremente uma vez mais.

[Dave Sanders] Claro que sim. Vem!

[Eli Jitsuto] Essa vai ser a primeira vez que vamos tocar em York. Nunca tocámos no The Crescent antes mas estamos muito ansiosos por isso.


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