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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 04/11/2024

Dos pratos aos bastidores.

SlimCutz: “Ser manager sempre foi o papel que, no fundo, quis ter”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 04/11/2024

Começou nos campeonatos de turntablism, ganhou protagonismo e iniciou-se a tocar em festas, tornou-se DJ oficial dos Mind da Gap, isto numa época em que já era um dos fundadores da editora e colectivo Monster Jinx. Hoje, embora permaneça activo como DJ de clubbing ligado ao hip hop, SlimCutz trabalha cada vez mais nos bastidores.

Fundou com Marta Sampaio a agência Pigeon, através da qual faz trabalho de management para músicos como Maudito, João Não, Lil Noon, Mx ou o elenco da Monster Jinx; além de artistas visuais como Laro Lagosta; e residências como o Bar Dançante e a BRAVA.

É também um promotor e programador de eventos com uma ligação estreita ao Maus Hábitos, clube e espaço cultural incontornável da cidade do Porto, onde tem vindo a curar uma série de festas. Com a Havana Beat, quis recuperar os concertos tardios mas também apostar numa série de músicos que, embora tivessem talento e público, não tinham oportunidades suficientes nem espaços para tocar.

A próxima sessão acontece já no sábado, 9 de Novembro, com Lójico, DJ set de Trillseco e do próprio SlimCutz. Foi o pretexto para uma entrevista com o Rimas e Batidas sobre o presente, o futuro e o passado deste artista e agente, que também foi metade de Roger Plexico e um terço dos Monstro Robot, e que tem vindo a moldar a cultura hip hop (e arredores) em Portugal há quase duas décadas.


Havana Beat’24 faz-se ao som dos concertos de Lhast & Chaylan, Azart e Lójico


Como é que idealizaste esta festa e, para quem não a conhece, como é que a distingues de outras que já fizeste e que fazes, seja no Maus Hábitos ou noutros espaços?

O que quis fazer com esta festa teve a ver com uma necessidade que sentia. Havia uma falta… Tu deixaste de ver concertos, principalmente de hip hop, mas também de outras áreas, a partir de uma certa hora. Antigamente, quando saía à noite, lembro-me de ver concertos à uma ou às duas da manhã sem ser aquele formato oficial em que alugas uma sala e vais tocar às 22 horas ou, quando já estás num certo ponto, vais tocar num palco grande, num festival ou numa queima das fitas. Há artistas que, ou fazem uma produção própria, ou já estão em níveis suficientemente grandes para tocar em palcos grandes, mas há um meio que não existe. E eu quis dar espaço a esses artistas com a Havana Beat. Criar um ambiente diferente, os concertos não precisam de ser às 22 horas, começam à 1h30, o pessoal já está mais solto, é um ambiente de club, muito mais intimista… No Maus Hábitos estamos muito mais próximos do público, há uma energia muito característica das festas ali. E o objectivo principal era passá-la para um concerto a essas horas. Com isso estou a trazer uma série de pessoas que já têm ouvintes mas que, exactamente por estarem nesse gap, não tinham concertos. E há pessoas a darem os seus primeiros ou segundos concertos nestas festas.

Em termos musicais, qual é o espectro até onde estás disposto a ir?

O que quero trazer tem sempre mais a ver com novidade. Obviamente que há artistas que já estão mais estabelecidos, mas tendencialmente quero trazer artistas mais novos, com menos visibilidade, pessoal que está a dar os primeiros passos… É claro que não é sempre assim. Já trouxe, por exemplo, o Lhast ou o L-ALI, que são gigantes. Mas mesmo o Lhast, por exemplo, nunca tinha tocado no Porto. Foi tipo o terceiro concerto dele neste sentido. E é a primeira vez de muitos a sentirem a energia que há aqui nas festas. 

Como é que será esta próxima Havana Beat, com o Lójico?

O Lójico é um caso desses. Não sei quantos concertos deu ao certo, mas é um artista com um certo following mas que tem muito poucos concertos dados. É um desses casos em que vai trazer o público dele, porque muitos nunca o viram ao vivo. 

Enquanto promotor de eventos, é algo que te preenche e realiza, colmatares estas lacunas no mercado da tua cidade e num clube com o qual obviamente tens uma ligação grande e há muito tempo?

Claro que sim. Já faço isto há alguns anos e é sempre bom teres oportunidade para manteres o ritmo de pôr as pessoas novas a tocar e poder abrir portas ou dar oportunidade a pessoas que não conseguem tocar; fazer essa ligação entre artistas e o Maus Hábitos. É uma coisa que me preenche. E quando vêm tocar, muitas vezes as pessoas dizem: “Foi um dos melhores concertos que já dei, foi espectacular”. Acontece-me sempre isso e dá mesmo muito gosto ouvir. 

E tem a ver com essa energia que o Maus Hábitos naturalmente proporciona.

Sim, e já faço estrada há muito tempo. Como artista, sei como é que gostaria de ser tratado, sei as falhas que cometiam comigo… Há uma série de coisas por que passei e que tento que as pessoas não tenham de passar quando vêm a uma festa minha.

Em termos gerais, como olhas hoje para a cena nocturna e clubbing do Porto? A cidade vive um bom momento? Nem por isso, sentes que já viveu melhores? Qual é a tua visão?

Acho que está a viver um bom momento. Todos os espectros de música têm pessoal fresco a sair todos os anos, muitos colectivos a aparecer, o pessoal sempre a fazer coisas novas ou a seguir o caminho de outras coisas que já existiam… Está sempre a haver eventos de pessoal mais novo, não é só o pessoal mais velho a fazer as mesmas coisas. Ainda por cima, nestes últimos dois anos apareceu uma nova gama de artistas, de promotores, que está a fazer o Porto mudar um bocadinho outra vez. E vês isso pelas várias festas novas que têm aparecido. A cidade está sempre a reinventar-se e a transformar-se.

E em relação aos espaços, também sentes…

Com os espaços há sempre uma dificuldade. Pelas pressões turísticas, acaba por haver cada vez menos espaços para as pessoas da cidade fazerem coisas. Mas, ao mesmo tempo, isso também faz com que estes novos colectivos sejam criativos e façam festas noutros sítios: em espaços privados, em galerias de arte, em coisas completamente diferentes, o que faz com que surjam coisas novas. 

Indo atrás no teu percurso, como é que te inicias na música? Tem a ver com festas, com tocar ao vivo? Ou isso só aparece bastante tempo depois, quando já estavas a fazer coisas na área da música, enquanto DJ de turntablism?

A parte de fazer eventos veio muito mais tarde. Comecei em miúdo a interessar-me pela parte do scratch e das competições. Participei nos DMC em 2008, em 2009, em 2010, 2011, por aí… Depois, deixou de haver DMC, eu também perdi um bocado o interesse nessa área da competição de DJs…

Nessa fase já tocavas ao vivo, suponho.

Estava a começar. E, no meio disto tudo, também aparece a Monster Jinx. 

Que vem do projecto Monstro Robot.

Sim, forma-se em 2008, eu na altura tinha 17 anos, hoje tenho 34. Conheci o DarkSunn, o Stray, a malta toda que viria a fazer parte da Monster Jinx… Ao mesmo tempo estava a participar nas primeiras competições. Como ganhei as primeiras duas, houve alguma atenção para o meu lado e comecei a tocar. Fui convidado para ser DJ dos Mind da Gap e, a partir daí, estive vários anos a fazer a chamada “estrada”. Ou seja, a fazer os festivais, as queimas das fitas, festas de finalistas, o percurso mais ou menos normal…

E deu-te experiência para aquilo que agora fazes.

Exactamente. Dentro da Jinx, começámos a tentar fazer algumas festas. Fizemos no Café Au Lait, no Passos Manuel, chegámos a fazer no Maus Hábitos, no Plano B… Mas a experiência que tínhamos era que fazíamos uma festa e ela tinha tipo cinco ou sete pessoas… Nunca tinha funcionado. Cheguei a uma fase em que já não queria fazer festas, não funcionava. Tentei fazer uma com o DJ Spot que era a Move The Crowd, com DJs de scratch, mas também correu mal, perdemos dinheiro… E, para aí há uns oito anos, as festas no Maus Hábitos começaram a funcionar e o [programador Luís] Salgado convidou-nos para fazermos uma festa. A minha primeira reacção foi: “Vamos fazer mas não vai [aparecer] ninguém, já sabemos.” Mas a festa correu super bem, quando cheguei a sala estava mesmo composta, como nunca a tinha visto. Passados três meses fizemos outra, depois começámos a fazer com uma regularidade de dois em dois meses. E com os anos que foram passando, eu próprio fui aprendendo e ganhando o gosto a organizar os eventos em si. Hoje faço eventos, sou programador, mas aprendi a fazer tudo com a Purple Hazin e com as coisas do pessoal que trabalhava à minha volta como promotor. Depois quis fazer festas em que trazia DJs de fora, depois começou a ideia dos concertos e foi sempre por aí.

Olhando para trás, porque é que achas que houve essa mudança ao longo dos anos? De as primeiras festas que vocês faziam não funcionarem e, a partir de um certo momento, passarem a estar cheias? Tem a ver com os gostos do público, de haver uma nova vaga de ouvintes ligados ao hip hop? 

Acho que foi uma mudança de ambiente, de qual era a ideia do que era uma festa de hip hop. Ali era uma festa de hip hop muito mais leve. E ao mesmo tempo apareceu uma nova geração, de pessoal fresco que fez as coisas de maneira diferente. Começou-se a criar outra energia. Acho que tem muito a ver com a mudança de gerações. Se fores ver fotos antigas das festas no Plano B, por exemplo, vais ver pessoas que hoje são artistas e fazem parte e que já lá estavam como miúdos. Essa energia jovem, de coisas novas a aparecer, de o pessoal querer ouvir coisas novas, fez um bocado isso acontecer. Tanto que, na altura, nem percebemos bem. Não sei qual foi exactamente o factor, de a festa ter passado de nunca funcionar para passar a funcionar regularmente. E também apareceram novos colectivos, muitas festas novas, e houve atenção para esses projectos todos, mesmo que nós já não fôssemos assim tão novos quanto isso nessa altura. 

Mas faz todo o sentido o que dizes em relação ao pessoal da tua geração e das anteriores associar as festas de hip hop a algo mais pesado, mais old school. Obviamente, as festas da Monster Jinx não têm esse peso. São mais leves e abertas e vocês certamente atraíram muitas pessoas que nem são só do rap, mas que gostam de ir às festas.

Sim, por causa da energia… Esta coisa de sermos positivos, de tentarmos ser fixes para toda a gente, democráticos… Tudo o que se quer numa festa de hoje em dia. 

E começaste a produzir instrumentais em que fase? Quando foram as tuas primeiras experiências?

Hoje em dia já não me considero produtor… Eu trabalhei toda a minha vida com o Taseh. Ele era o meu road manager quando eu andava na estrada, fez as datas todas comigo, somos amigos desde os 14 anos. Ele produzia espectacularmente bem, na altura tínhamos Roger Plexico, um projecto de produção dos dois, mas eu nunca acabei por ser “o” produtor, por assim dizer… Ou seja, não sabia tocar nada. Era mais um produtor de ideias, que foi uma escola para fazer o que faço hoje em dia, de acompanhamento de artistas, a parte de management… Queria mais ser isso do que produtor e na altura estava um bocado a confundir as coisas sobre o que é que queria ser. Imaginemos um DJ Khaled: ele não faz os beats mas sabe mais ou menos o que quer. Era um bocado o que, na altura, eu estava a tentar fazer a tentar direccionar alguém para um certo espectro. Mas, sozinho, nunca fui produtor.

Nunca tiveste essa vontade?

E jeito. Vontade até tinha, mas se calhar não tinha vontade suficiente para o fazer individualmente. Sempre me senti muito bem em estúdio, sempre gostei de estar com músicos, mesmo hoje gosto de estar presente no estúdio com os artistas, sei que posso dar uma dica ou outra fixe, consigo ver o caminho todo, mas produzir em si uma música não é o meu papel. E também percebi que havia muitas pessoas melhores do que eu. Ao mesmo tempo, deu-me escola. Gravei, ajudei a produzir, misturei e masterizei não sei quantas coisas da Monster Jinx. Deu-me a escola toda sobre o que é estar na pele de um músico, o que me ajuda hoje em muitas coisas.

Como é que conheceste o DarkSunn e o Stray e como é que tiveram a ideia de fazerem o projecto Monstro Robot, que deu origem à Monster Jinx?

Eu era amigo do Taseh, ele morava próximo de mim e também era do hip hop. Ele tinha um primo que era conhecido do Stray. Basicamente foi isso [risos]. Ele apresentou-nos e o Stray já estava a conhecer o DarkSunn pela net, já lhe estava a pedir uns beats. E na altura convidaram-me para ser DJ, para fazer esse projecto do Monstro Robot. Gravámos o projecto todo e, quando foi para lançar, fomos à Matarroa e acho que à Loop:Recordings, e foi exactamente naquela altura em que as editoras estavam a ir todas ao charco, não se vendia um único CD, não havia ainda a solução do streaming, não havia nada, estavam as editoras todas a fechar… E toda a gente dizia que, naquela altura, não podiam investir. Porque ainda tínhamos aquela ideia de “vamos fazer um CD”.

Foi naquela fase de grande transição da indústria e do mercado.

Sim, e também estavam a começar a aparecer os lançamentos na net e decidimos que iríamos fazê-lo assim, de forma gratuita. Na altura conseguimos fazer um acordo com o MySpace Portugal, fizemos lá o release do álbum, e precisávamos de um selo e decidimos criar a Monster Jinx para lançar o álbum de Monstro Robot. Era a nossa editora e crew. Depois apareceram o J-K e uma série de artistas… Mas a Monster Jinx surge de uma rejeição do mercado. 

E tornaram-se uns nativos digitais desde o início, embora também tenham editado em vinil e cassete ao longo dos anos, contribuindo para esse culto do formato físico.

Sim, mas mantivemos sempre a coisa de a música ser grátis. Podes comprar o vinil mas também podes ir ao Bandcamp e sacas a música toda.

Certamente, vocês não teriam no início a noção de que a Monster Jinx iria ter tantos anos de vida e um impacto tão grande, trabalhando com tantos artistas. Enquanto um dos principais responsáveis e uma das pessoas que acompanharam tudo desde o início, como é que hoje olhas para este legado?

Olho com muito orgulho, porque é muito gratificante chegares a um almoço de Natal e veres quase 20 pessoas, todos amigos de várias gerações… Temos uma grande energia uns com os outros e, acima da música, o que pretendemos propagar entre nós é exactamente essa energia, amizade e valores. É como teres uma família. És dos mais velhos, vês a família a crescer e quando olhas para a mesa de Natal vês a mesa cheia de pessoal feliz. É um bocado isso que sinto com a Jinx, um instinto meio paternal [risos]. E continuam a aparecer pessoas novas, ainda agora apareceu a Evawave. Ou seja, estamos sempre a tentar refrescar e a trazer pessoas para a família, a tentar propagar a nossa ideologia.

Ao longo destes anos todos, editaram muitos discos, promoveram muitas festas, construíram mesmo um legado, têm deixado muitas marcas. 

Depois de conversar com pessoas que tentaram fazer pequenas editoras ou colectivos, foi exactamente esse espírito familiar e o amor pela música e entre nós que fez a editora continuar estes anos todos. A Monster Jinx é maior do que nós. Isso ajudou sempre a manter a coisa e vai fazer 17 anos. Para o ano já é adulta [risos].

Falando também do teu papel enquanto manager, em que momento é que isso surgiu? Foi só nestes últimos anos?

Eu tive sempre isso na minha cabeça. “Vou fazer primeiro toda a minha carreira de DJ, vou ser músico e fazer 500 coisas, e, depois, quando tiver 40 e tal anos, vou ser manager.” Sempre foi o papel que, no fundo, quis ter. Via-me a fazer algo nesse sentido. Sempre vi muitas pessoas a aparecer, sempre achei que podia ajudar certos artistas. Até que, para aí em 2019, já estava em conversações com a Marta Sampaio, que tinha trabalhado na MediaSounds e tinha alguma experiência nesse sentido, e decidimos juntar-nos até por causa da Monster Jinx, porque queríamos tentar pôr o pessoal da Jinx a tocar. Olhávamos para o mercado e víamos que não havia nenhum agente com que nos identificássemos. Eu próprio, enquanto artista, pensava: “Quem é que eu quero que seja o meu agente?” Não me identificava com ninguém. Então decidimos fazer a agência e, a partir daí, começámos a trabalhar. É fruto de tudo o que fomos aprendendo nos últimos anos. Desde o estúdio à estrada, como é que se faz tudo. Se pensar bem, o meu papel em Roger Plexico era um bocado esse. Ou mesmo em certas coisas da Jinx. Mais do que artista, era um bocado esse papel de management.

Enquanto DJ e músico, há alguma coisa que sintas que te falte concretizar? Que ainda gostasses de fazer? 

Que me falte fazer não… Há coisas que me motivam em certas alturas e que me dão pica para fazer. Enquanto DJ, já não me imagino a querer crescer ou a fazer festivais ou palcos grandes. Mas imagino-me como um DJ mais maduro, em coisas mais pequenas, a continuar sempre como DJ mas sem essa preocupação de fazer disto uma vida. Até porque como DJ, principalmente no hip hop, tu vais crescendo mas o público tem um bocado sempre a mesma idade. Uma das coisas que agora me andam a motivar é que ando a fazer sets com o E.A.R.L., uma coisa pequena em que só tocamos vinil, e é algo que me diverte neste momento enquanto DJ. Passamos disco, funk… É voltar um bocado ao início do que fazíamos quando eu tinha 17 ou 18 anos. E, claro, gostava de fazer eventos maiores. Uma coisa com mais artistas, aproveitar as pessoas todas que conheci… Uns cinco concertos, ou uma coisa mais tipo festival. Sempre imaginei fazer uma coisa ao ar livre, estilo entrada grátis, como era o NOS Em D’Bandada no Porto. Veremos o que acontece.


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