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Fotografia: Adelaide Khaled
Publicado a: 29/11/2022

Pôr a palavra na frente.

Sitah Faya x spock no Tokyo Lisboa: a rima poética que anda ao sabor da maré

Fotografia: Adelaide Khaled
Publicado a: 29/11/2022

Da Amadora ao Cais do Gás a distância é pouca, mas ainda assim foi preciso mais de um ano para Sitah Faya e spock trazerem mais uma vez o seu último álbum à capital; e, apesar de ter sido lançado em 2021, foi só na passada quinta-feira que a dupla conseguiu levar a bom porto um segundo concerto de apresentação de Assim Como Vai no Tokyo Lisboa.

Ainda antes dessa actuação, o Poeta da Cidade foi o homem escolhido pelos artistas para a abertura e, fazendo jus ao nome, trouxe-nos poemas. Sim, poemas, e não as rimas em cima de batidas a que estamos acostumados. A poesia que escutámos tinha ligação íntima com o rap e foram declamados textos que Napoleão Mira usou num dos temas do filho, Sam The Kid. Outros não tinham essa proximidade, como as palavras escritas por Fernando Pessoa ou José Régio, que simplesmente interpretou com o à-vontade de quem os escreve sobre sonoplastia preparada em tempo real por Wake Up Sleep.

A performance terminou com alguns dos seus próprios textos, publicados em Janeiro no livro Ela, Metafisicamente d’outro Mundo, que editou de forma independente. No final de contas, o trabalho do Poeta da Cidade preparou os mais alheios da forma mais do que adequada para o que se seguiria. E num registo de conversa aberta, que só não foi mais participativa pelo intimidante que pode ser discutir poesia em público, os poemas serviram para nos afinar os ouvidos e os cérebros para as rimas carregadas e trabalhadas da rapper que se seguiu.

O espaço foi enchendo e a solenidade da poesia foi contaminada por um ameno clima de festa à medida que os copos voltavam a circular nas imediações do palco. Só assim é que Sitah subiu ao palco para se apresentar a si, à tripulação e ao álbum Assim Como Vai, que ali seria interpretado de fio a pavio a partir daquele momento.

Antes do concerto, Sitah Faya e spock contavam-nos que “a ideia de fazer um álbum conjunto surgiu de forma natural” num panorama em que os produtores “ainda ficam muitas vezes no esquecimento”. Por isso mesmo, “e porque todas as decisões foram tomadas 50/50” entre os dois artistas, Assim Como Vai conta com os dois nomes na capa.

Mas se o protagonismo discográfico pode ser partilhado de forma igual, em cima do palco isso é mais complicado — por vários motivos. Para começar, o duo apresenta-se em trio quando actua ao vivo — DJ Sims, que garantiu um par de créditos no disco, completa a formação; depois, as máquinas que spock controla obrigam-no a ficar estático em palco; para finalizar, Sitah Fayah tem uma postura como poucos. Motivada e confortável para enfrentar alguns dos trava-línguas que inclui nos seus poemas, a rapper sediada na Amadora enche o palco com a sua confiança e fala-nos com clareza, olha-nos nos olhos e canta-nos textos complexos e cheios de intenção com ganchos que nos deixam a pensar e referências a obras que nos tinham sido apresentadas mais cedo por Poeta da Cidade.

A abrir, o tema-título, “uma expressão idiomática de índole náutica que expressa o desejo de aguentar o navio na proa”, aproveitou ainda alguma da seriedade presente na sala para marcar o ritmo de mais uma actuação em que todas as palavras, e não só as interpretadas sobre música, fariam parte da experiência.

O rumo tomado foi o esperado e Brain Da 6eniou$ respondeu à chamada, sendo o primeiro convidado a apresentar-se ao som de “Derrota”. Que nem um verdadeiro lobo do mar, 6eniu$ saltou do bar directamente para o palco, preparado para as intempéries do mar alto com uma gabardina, e fez chover rimas nas filas da frente.

A participação de Erre K foi outro dos pontos fortes do espectáculo, mas todos os olhos estavam postos numa das faixas da segunda metade do álbum. Buda XL e Sir Scratch também embarcaram na viagem que se fez da Amadora até ao Cais do Gás e deram um ar da sua graça em “Nó(s)”, dando-se aí algum protagonismo a punchlines mais tradicionais.

No final, fica a reflexão sobre um estilo de rap diferente não só pela forma, mas também pelo conteúdo que é trazido por Sitah Faya. Algo que não encaixa propriamente naquilo a que estamos acostumados em 2022 e que nos fazia tanta falta, distorcendo-se pelo caminho os limites entre o que é um “rapper” e um “poeta”.


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