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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/12/2022

Partigianas.

Silvia Tarozzi & Deborah Walker na ZDB: folk de arqueologia e guerrilha

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/12/2022

“Partigiano”. Há palavras que por muito que nos esforcemos é impossível encontrar tradução. Poderemos, sempre, por aproximação. Guerreiro? Não significa que um “partigiano” não o possa ser. Pega em armas, mas não faz a guerra. Resiste, luta. Resistente? Sem dúvida, mas é designação demasiado abrangente. Somos todos resistentes. É talhado no tempo, dos acontecimentos imemoriais. Desde a primeira injustiça. Desde o primeiro combate por uma sociedade igualitária. Pela não exclusão das mulheres, pelo acesso livre à educação, pela igualdade salarial entre todxs.

Ao violino Silvia Tarozzi, no violoncelo Deborah Walker. Ambas a apresentar o seu mais recente trabalho conjunto com o encorajador nome Canti di guerra, di lavoro e d‘amore, editado pela Unseeworlds, casa de músicos de estima tão considerável como Carl Stone, Federico Mompou, Laurie Spiegel e Philip Corner. O violino e o violoncelo como duas fisgas apontadas. Dois objectos que nas mãos das duas músicas se podem transformar na famosa – “this machine kills fascists”. Seguramente não na forma de canção de intervenção como Woody Guthrie e muito menos no punk hardcore “sujinho e agressivinho” de uns Ratos de Porão e/ou Dead Kennedys, mas no que podemos considerar de uma folk de arqueologia e guerrilha. As memórias de ambas definem-se num enquadramento espácio-temporal bem delimitado – a região de Emília-Romanha (Itália) e num período que engloba as duas grandes guerras, com extensões mais que naturais e justificadas aos dias de hoje. Uma folk de arqueologia porque claramente há um labor de pesquisa, as tradições seculares de familiares mais ou menos próximos, nos trabalhos domésticos e agrícolas. Os cânticos como forma de comunhão, de comunidade e resistência. Os cânticos como vontade de dias melhores, mais justo, na esperança que a luta seja o mecanismo que a todxs nos conduza a um quotidiano não só desejado, mas seguramente merecido.

No aquário passeia vagarosamente Amélia, a cadela da casa e que reforça o lado “caseiro” de uma noite fria e chuvosa de Outono. Que reforça e convida a visitarmos as avós de Silvia e Deborah. Dos cânticos em dialecto, da comunidade dos pastores que utilizam os silvos e vocalizações vários para comunicar. A riqueza musical da dupla reside nesta capacidade exímia em – utilizar o violino e o violoncelo com cunho marcadamente experimental, saber misturá-los com os cânticos ancestrais e as reinterpretações contemporâneas que fazem e a tudo isto ser capaz de marcá-lo de uma intemporalidade e assertividade política muito pouco vulgar. Longe de entrar na velha discussão da mortalidade estilística, não me move saber se a folk está morta ou de excelente saúde, mas sem qualquer dúvida que há um caminho novo que se trilha no centro – Norte de Itália. Afastadíssimo da folk choninhas da afinação infinita e da piada de sorriso fácil. Carregado de intencionalidade e de proximidade. São nossas aquelas avós lutadoras, fomos e seremos resistentes e vontade em ser “partigiano”.

Antes, funcionário abriu e fechou o ano na rua da Barroca com o seu universo ambient de camadas bem construídas e melhor pensadas.

Por fim, uma palavra de apreço para quem programa proposta desta natureza, mesmo sendo o que se espera de uma estrutura cultural como a Galeria Zé Dos Bois. A música é e será sempre espaço para questionamento. Haverá o risco da afluência de público não corresponder à beleza da noite. Faz parte. Mas como diria qualquer avó: “devi credere! Devi credere!”


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