pub

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 04/05/2022

Sossegado não é parado.

Silvestre: “Senti que precisava de ganhar mais maturidade e identidade até me atirar para um álbum”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 04/05/2022

João Silvestre já conta com quase uma década de actividade a assinar produções com o seu apelido, tendo assumido como missão o desbravamento das mais infindáveis rotas conhecidas pela música de base electrónica: techno industrial, IDM, house, ambiente, hip hop, reggaeton – são inúmeros os estilos pelos quais já deambulou, ocasionalmente com uma dose de humor à mistura, sem nunca retirar, no entanto, a seriedade do horizonte do seu trabalho. 

Iniciou o seu percurso musical a residir em Londres, tendo a oportunidade de lançar diversos EPs em editoras britânicas, fundou a Padre Himalayalabel que conta não só com registos do seu próprio trabalho como também de artistas de semelhante sentido exploratório — e, três anos após o seu regresso a Portugal, anuncia dois pontos de viragem no seu trajecto artístico: a necessidade de pôr um ponto final na sua vertente performativa, focando-se no seu processo criativo e o lançamento de Sossegado, o seu primeiro álbum.

O Rimas e Batidas conversou com o produtor da Parede, que nos abriu o jogo acerca desta estreia em longa-duração e da forma como se percepciona a si e ao seu selo dentro da indústria musical, priorizando a integridade e a experimentação criativa acima de qualquer ambição profissional.



O teu percurso enquanto Silvestre conta já com oito anos de lançamentos discográficos, desde a edição do teu EP homónimo em 2014. Sentes que houve algum factor que influenciou o longo período temporal que antecipou o lançamento daquele que é, efectivamente, o teu primeiro álbum?

Sim. Em primeiro lugar, os meus EPs têm sempre bué músicas, eu nunca tive um de duas ou três músicas, têm sempre quatro no mínimo; os meus EPs representam muitas vezes uma fase da minha vida e por isso é que têm bastantes músicas, mas, apesar de tudo, acho que é preciso – ou pelo menos, eu senti que era preciso — ganhar mais maturidade e mais identidade até me atirar mesmo para um álbum. E agora, depois de bué EPs lançados, eu senti que já fazia sentido fazer um álbum, porque acho que já tenho uma identidade mais vincada, embora acredite que as pessoas vão sempre mudando ao longo do tempo.

E depois há outro motivo: não lançava álbuns porque lancei EPs por algumas editoras inglesas, e bué vezes eles arriscam mais em EPs do que em álbuns, como é um investimento maior de dinheiro, e é um compromisso maior, sei lá, a nível de promoção. E mesmo para vender, como os discos ficam mais caros, se calhar não é tão fácil vender álbuns… Sempre que propunha um álbum, a editora recusava e acabava por ter de lançar EPs, onde puxava sempre para ser o máximo de músicas possível. Mas desta vez chegou uma altura em que pensei “não vou ficar a vida toda a fazer EPs, que se lixe, mesmo que ninguém queira editar edito eu pela minha editora”. E é também por isso que ’tá na Padre Himalaya. E para além de serem várias músicas, acho que há uma ligação entre elas, porque às vezes não é só fazer 10 músicas e pronto — tem de haver uma ligação, não é?

Após teres desenvolvido grande parte da tua carreira musical em Londres, regressaste a Lisboa poucos meses antes do início deste período pandémico que apenas agora aparenta estar a cessar — pelo menos, em Portugal. Esta transição dupla (e quase coincidente) poderá ter afectado o trabalho que tens concebido desde então, incluindo Sossegado?

Sim, eu acho que qualquer fase da tua vida vai influenciar a tua criação, mesmo, sei lá, no subconsciente… Mas, pá, sem dúvida que esta tem sido uma fase, de um modo geral, mais introspectiva, mais de auto-conhecimento, porque acho que, pelo menos para algumas pessoas, a pandemia forçou um bocado a olhar para dentro, porque passámos mais tempo sozinhos, e, se calhar, acabaste por ter de lidar com alguns problemas ou maus vícios ou más rotinas que tinhas e que não te apercebias; acho que isso também se reflecte [em Sossegado], porque eu normalmente utilizo um bocado de humor em algumas das minhas músicas, mas este álbum ’tá assim um bocadinho mais para dentro, mais dark talvez. 

Mas, na verdade, eu não acho que tenha produzido nem mais nem menos com a pandemia, acho que mantive o mesmo ritmo — estou sempre a fazer beats. Para mim depende, às vezes estou bué emocional e é uma coisa que me ajuda e é uma terapia, sem dúvida — mas é uma terapia sempre, tanto para os dias que ‘tão a correr mal como para os dias normais ou dias que ‘tão a correr bem, isto no sentido em que eu curto sempre e, para ser honesto, não há uma cena muito esotérica ou whatever quando estou a fazer música, porque faço computer music, quase não uso hardware, e produzo com o Ableton há bué anos, então acaba por ser como se fosse jogar Playstation. Em vez de ir jogar Playstation, eu vou fazer um beat [risos].



É engraçado fazeres essa referência, porque vem quase de encontro com a minha próxima pergunta: defines este álbum como tendo sido influenciado por “breaks, electro, UK drill e sons de jogos arcade.” De que modo é que esta última influência se manifesta em Sossegado, não sendo tão evidente como os géneros musicais que mencionas?

Há uma música no álbum, que se chama “Rotina”, onde eu tenho um VST em que, basicamente, os presets são mesmo de sons de videojogos antigos, e acho que se as pessoas ouvirem uma segunda vez se calhar vão perceber isso. Então, essa música compus só com esse VST. E depois também há uma música que é o “Livre”, que é a última, e aí, se calhar é mais subtil, mas há um pad que entra lá para o meio que é completamente jogos antigos, para quem gosta – mas não é nenhum jogo em específico. Eu gostava de jogos assim, havia um que eram umas olimpíadas mas da pré-história, um jogo bué antigo, no computador, agora não me lembro do nome… Mas, ya, eu sempre tive gosto por soundtracks de jogos, acho que há aí soundtracks muita boas, algumas que me influenciaram bué.

Referiste na tua página de Instagram, através de um post publicado a 22 de Fevereiro deste ano, que não irias voltar a actuar ao vivo enquanto produtor ou DJ, apenas concentrando os teus esforços musicais a nível criativo. A que se deve esta decisão?

Pá, eu tenho um trabalho das 9 às 6 há muitos anos e, portanto, a música nunca foi uma fonte de rendimento — claro que já houve gigs que pagaram fixe, mas nunca foi uma fonte de rendimento, e eu no geral sempre gostei que fosse assim, porque houve uma vez que tentei um bocado viver só a fazer música e a trabalhar no sector e a instabilidade de não saberes quando é que vais ter gigs e etc., como acho que quem ’tá no meio percebe, nem toda a gente lida bem com isso, eu não lidava bem com essa instabilidade, e ‘tava a tirar o prazer de tocar. Então, esta decisão foi um bocado uma coisa gradual: primeiro, eu decidi, “ok, não quero mesmo viver disto”; depois decidi ter poucos gigs e, se as pessoas forem ver ao detalhe, há anos em que toco três ou quatro vezes, não mais do que isso, então, já ‘tava um bocado a acontecer; depois passei a não dar gigs como DJ e só a dar concertos, e tinha de haver um propósito para tal – por exemplo, se houvesse um EP, ok, eu apresentava o EP, e lá marcava umas datas, mas tinha de haver um propósito; e, pronto, agora decidi mesmo parar, porque é muito difícil conseguir… epá, na verdade são várias coisas [risos]: é bué difícil para mim. Depois eu também tenho estado a focar-me noutras áreas dentro da música – e já agora, aproveito para mencionar o seguinte: eu estou a organizar as Festas Piloto com mais dois amigos meus, o Bruno Neves e o Miguel Berger, e, basicamente, o nosso objectivo passa por fazer festas fora de Lisboa (nós vivemos todos entre Paço de Arcos e Carcavelos) e fazê-las em sítios que não sejam clubs ou associações culturais e transformá-los em mini-clubs — e também já realizei um documentário com um amigo meu e agora estou a realizar outro documentário… 

Ou seja, com isto tudo, mais a minha editora, tive de optar por parar de tocar, porque, na verdade, eu acho que, de todas as actividades, acabava por ser a que me dava menos prazer: causava-me bué ansiedade independentemente de tocar em sítios com muita ou pouca gente, depois requer tempo para fazeres uma boa performance e, sinceramente, não estava a ser bom para a minha saúde mental, porque acabava por partir-me todo depois dos concertos e depois mudava um bocado os horários. E portanto, ya, decidi parar de tocar. Pá, aquele post deixou-me um bocado naquela, porque achava que ia ser libertador, mas acho que me meteu um bocadinho mais pressão, porque a cena de dizer “nunca mais vou fazer uma coisa” é assim um bocado fatalista… Talvez um dia volte, se fizer sentido, mas por agora não tenho assim nada marcado, e havia umas datas que ia ter no Verão e desmarquei, e tem-me sabido mesmo bem… Desculpa lá, estou-me a alongar bué na resposta, mas lembro-me que às vezes achava que era do tipo “ah, mas quando eu tocar num spot que eu curta bué, ou com as condições x e y, eu aí vou desfrutar mais”, e quando isso acontecia, era bué fixe, mas depois ficava sempre um vazio e não era assim tão fixe como eu ‘tava à espera. E houve uma vez em que eu tava na Praia das Avencas com um amigo meu – eu vou para lá há anos nadar e ver peixes, é uma rotina que eu tenho –, e ‘tava a comentar com ele, “foda-se, sou mais feliz a fazer estas pequenas coisas do que a tocar”. E aí acho que foi tipo um momento de revelação lá na praia [risos], e pensei “acho que sou mais feliz a fazer outras merdas, tenho de experimentar viver esse modo de vida para depois ver se me faz falta os gigs ou não”. E não me têm feito falta.

A Padre Himalaya faz transparecer a mesma abordagem ecléctica do teu trabalho enquanto músico: se por um lado encontramos nomes como Renato, East Man ou Novo Major (que partilham a mesma sede de exploração dentro dos mais variados caminhos da música electrónica), por outro lado também podemos destacar o improvável lançamento de um EP do percussionista iraniano Mohammad Reza Mortazavi, em 2018. Poderemos esperar por mais surpresas desta label em breve?

Neste momento, o meu manifesto na editora tem sido focado mais nos DJs: tenho editado mixes em cassete, e o meu objectivo é lançar uma por ano. Eu gosto de lançar poucas mixes, porque às vezes há pessoal ou há plataformas que, a meu ver, lançam demasiadas mixes e acho que perde um bocado a essência, e é um bocado uma forma de eu também pôr em formato físico DJs que eu considere mesmo artistas e que tenham bué identidade na cena que fazem. Há muitos DJs que, embora não tenha mal nenhum, eu ache que sejam tipo artesãos, não são mesmo artistas, é tipo pau para toda a obra… E percebo, às vezes é um meio de sobrevivência e tem de ser, mas tocam um bocado de tudo, e para agradar, e adaptam-se muito, e acho que se adaptam demasiado… A minha ideia era editar mixes de DJs que tenham bastante identidade, porque acho que merece ficar um registo, então tenho-me estado a focar mais nessa área. 

A nível de géneros, estou aí a ver uma coisa mais para vinil, que é outro artista que estou a pensar editar, mas, ya, não há muito essa barreira de géneros; tem de haver sempre uma coisa em comum, que é tipo uma ideia de rave ou um groove de dança. E eu acho que, com aquele EP do Mohammad, podes bué entrar em transe a ouvir aquele tipo de música e acho que pode funcionar bué bem em certos ambientes numa situação de rave ou numa festa ou whatever… Tipo, ok, não é computer music, mas se calhar é o EP mais raver que eu lancei [risos].


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos