Shabazz Palaces, o projecto liderado por Ishmael Butler que ao vivo se desdobra numa banda, está de volta a Portugal para dois concertos. Depois do meteorito azul, vamos poder assistir à aterragem desta nave movida a rap cósmico e experimental, repleto de texturas electrónicas e jazzísticas. Primeiro no B.Leza, em Lisboa, para uma actuação nesta terça-feira, 21 de Maio, com bilhetes a 15€; e depois no gnration, em Braga, para uma performance no dia 22, com ingressos a 12€.
Ao vivo, as músicas tocadas pelos instrumentistas ganham outra alma, com a veia da experimentação a passar do estúdio para o palco como um organismo fluido. O mote da digressão é o disco Exotic Birds of Prey, editado em Março, mas o alinhamento vai passar por muitos outros — incluindo os também recentes Robed in Rareness (2023) e ILLUSIONS AGO (2023), este ao lado de Lavarr the Starr, presumivelmente mais um alter-ego artístico de Ishmael Butler.
Para antecipar os espectáculos, o Rimas e Batidas esteve à conversa com o líder de Shabazz Palaces, que se deu primeiro a conhecer nos anos 90 nos históricos Digable Planets.
Neste mais recente disco, Exotic Birds of Prey, o teu rap tem uma menor presença. Isso foi algo intencional, algo que querias para este projecto?
Sim, mais do que eu próprio, queria ter outras pessoas a desempenhar essa parte. Queria focar-me mais na produção, só para testar algo diferente, e pareceu-me certo, senti-me bem. Não foi uma grande decisão que tomei à partida, foi algo que aconteceu de forma natural e que eu queria experimentar.
E como é que este disco começou a tomar forma? Como é que o processo se iniciou?
Eu faço muita música, construo muitos beats e bases instrumentais. Vou ouvindo e pensando “quem é que soava bem nisto e naquilo?” Tento ir tendo ideias por cima dos beats que fiz ao longo dos anos.
Sentes que o teu processo criativo mudou muito dentro de Shabazz Palaces?
Muda muito, porque estou sempre a aprender algo novo. Seja um novo equipamento, nova música, novas escalas, novos instrumentos, novos estilos… E tento incorporar isso tudo nas minhas próprias ideias, por isso é algo que está sempre a mudar bastante.
Houve algo que te tenha inspirado em particular, para este disco?
Acho que nunca sou inspirado por nada em particular, sou sempre mais inspirado pelas coisas a um nível macro. A política, a cultura, música nova, arte nova, filmes… Até uns poucos segundos de uma canção ou uns poucos segundos de um filme, todas estas coisas que consumo com a minha mente, os meus olhos e ouvidos, entram em mim e depois sai algo, através do filtro da minha própria criatividade. Ou seja, nunca oiço nada que me faça querer fazer algo parecido, por exemplo. Nunca funciona bem assim. Simplesmente sento-me para criar e deixo que as coisas fluam de mim enquanto as tento captar.
E tanto este disco como o Robed in Rareness têm uma componente bastante cósmica e espacial. De que é que gostas mais neste caminho sonoro?
A liberdade, a expansão, a habilidade, o espaço que existe para poder fazer coisas pouco convencionais, coisas estranhas e diferentes. Gosto desse espaço. A música de que gosto vem sempre dessa área um bocado estranha e distinta. Por isso, provavelmente faço música que eu também sinta que seja assim.
E certamente que fazes questão de tomar riscos artísticos. É algo muito natural, muito fluido ou há um processo consciente quando o fazes?
Não penso demasiado nisso durante o processo, mas, sim, ser um artista significa que cresces, que te desafias e que tentas expandir os teus pensamentos e ideias em todos os momentos. Tens de praticar e de aprender, tentar aperfeiçoar os teus instrumentos e tens de variar, mas isso é só para ter uma base. Tens sempre de partir disso para depois ires a sítios que não são normais, que são diferentes, para que possas crescer e aprender mais. É assim que me sinto em relação a isso. Às vezes, fazes canções e simplesmente não gostas delas. Então começas de novo… Ou podes fazer uma canção, não gostar dela, e uns meses depois achas que afinal aquilo tem alguma coisa de bom e consegues terminá-la e fazer ali alguma coisa de novo. É algo que está sempre a evoluir — a música e as nossas vidas. E quando interages com elas, tornam-se quase seres que respiram e têm as suas próprias vidas. Para mim, nunca é um processo cerebral. É sempre algo do coração e do corpo. Nunca penso que tenho de fazer isto ou que tenho de fazer algo de uma determinada maneira. Simplesmente faço-o e depois oiço: talvez isto esteja ok.
A parte de seleccionar os convidados para um álbum como este também é pouco cerebral? É muito por instinto? Porque é um trabalho de curadoria.
Sim, são pessoas que conheci ao longo dos anos. Amigos e pessoas com quem faço música — ou que conheço musicalmente e com quem queria trabalhar — há anos. Mas, para mim, demora algum tempo até poder ter uma relação colaborativa com alguém. Não é só por gostarmos da música um do outro que vamos fazer uma canção juntos. É necessário mais tempo para cultivar uma relação e, só depois, é que podemos ir fazer música juntos. E isso aconteceu com algumas pessoas neste álbum. Conheço-as há uns quantos anos, somos próximos, então podemos fazer música juntos.
E como é que tem sido apresentar este álbum ao vivo, nesta tour?
Quando faço o meu espectáculo, toco temas de todos os álbuns de Shabazz Palaces. Tenho agora uma banda de cinco pessoas, toda a gente toca instrumentos, por isso pegamos nas canções e reimaginamo-las. Se és fã de Shabazz, vais ouvir coisas que reconheces, mas também vais ouvir muitas outras. Se adoras Shabazz, vais ter uma experiência muito dinâmica, com muita musicalidade e instrumentação… É um espectáculo muito dinâmico, para os fãs mas também para aqueles que nunca ouviram antes Shabazz Palaces.
Qual é que dirias que é a ambição para o projecto? Manter o exercício criativo constante de ir explorando coisas novas pelo caminho? Testar novas sonoridades e aquilo que tens a dizer em cada momento?
Sim, mantendo viva essa tradição da experimentação, enquanto incluímos instrumentistas, pessoas que levaram tempo e precisaram de disciplina para aprender instrumentos e apresentar isso como um grupo em frente das pessoas — e hoje, sobretudo na cultura afro-americana, vês menos grupos de pessoas. Agora é só artistas a solo. Estamos a tentar manter o formato de banda vivo, a ideia de grupo viva, e demonstrar as dinâmicas dessa apresentação é algo muito especial.