Há dias em que só apetece escavar um buraco bem fundo para abrigarmos os nossos corpos por entre as camadas mais frias de terra e fugir ao calor sentido à superfície. Mas aquilo que gostamos mesmo, mesmo de fazer é ir mais a fundo por entre as malhas digitais para procurar os melhores discos editados a cada semana — faça chuva ou faça sol. Da expedição de hoje surgem 6 relíquias sob a forma de álbuns, que nos levam a vaguear pelos terrenos do hip hop, da electrónica, do jazz ou da música experimental.
Numa sexta-feira carregadinha de música nova, atentem também as menções que deixamos a outros trabalhos de relevo: wugori (Malhas), sosmuca (Projeto Stanley), Alberto Continentino (Cabeça a Mil e o Corpo Lento), Don L (CARO Vapor II – qual a forma de pagamento?), ANKHLEJOHN & August Fanon (LIVE! At The Disco), Bas & The Hics (Melanchronica), Everything Is Recorded (Solstice Equinox), Sam Austins (The woods, vol. 1), Che Noir (The Color Chocolate 2), Dabbla & Ghosttown (BLOTS), Unknown Mortal Orchestra (CURSE), Karol G (Tropicoqueta), FEEL (Beaux projets, belles souffrances, pt. 2), Maxo (Mars Is Electric), Nightmares On Wax (Still Smokin.III.), Dave East & Young Chris (Fine Dining), Seven Davis Jr. (Don’t Crash Out Challenge), Aitch (4), K-Trap (When The Dust Settles), kwn (with all due respect), Olamide (Olamidé), Facta (Gulp), Napoleon Da Legend & Clypto (Pen Game 2), Isaiah Hull (POCOMANIA), midwxst (archangel), Carl Craig (Desire: The Carl Craig Story), Matthew Shipp (The Cosmic Piano), Félicia Atkinson (Promenades), GoGo Penguin (Necessary Fictions), UNIVERSITY (McCartney, It’ll Be OK), Matmos (Metallic Life Review), HAIM (I quit), Cocojoey (Stars), Nick Grant (I Took It Personal), EsDeeKid (Rebel), Biosphere (The Way of Time), Pluto (Both Ways), Tropical Fuck Storm (Fairyland Codex), Joshua Redman (Words Fall Short), Nikki Nair (Violence Is the Answer), Mark Van Hoen (The Eternal Present) e Vários Artistas (Gilles Peterson presents International Anthem).
[Loyle Carner] hopefully !
Rimas introspectivas e polidas aos mais ínfimo detalhe sobre cenários de hip hop armosféricos, umas vezes mais oníricos e espaçosos, noutras com um groove mais vincado que nos embala numa dança com o éter. Em hopefully !, quase que conseguimos ver Loyle Carner a sussurrar estas 11 canções aos ouvidos do seu filho antes de adormecer, ele que é a grande fonte de inspiração para este novo disco do poeta urbano inglês. Pleno de amadurecimento, Carner chega ao 5º LP da carreira com uma coesão incrível entre todo o material aqui compilado, que inclui entre os seus destaques uma urgente e inédita colaboração com Navy Blue (em “purpose”) ou os toques de Midas dados por gente como Nick Hakim, FloFilz ou Romil Hemnani na produção.
[Yaya Bey] do it afraid
Um ano depois de lançar Ten Fold, Yaya Bey regressa aos discos com do it afraid, o seu sexto longa-duração, o primeiro editado pela drink sum wtr. Neste projecto, a artista nova-iorquina afasta-se do rótulo a que sente que ficou associada — música que reflecte a superação de obstáculos no contexto da experiência afro-americana — para abraçar outra faceta sua e da sua comunidade. Este é um disco de alegria, de humor, de diversão, de amor, de ligações humanas, mesmo que por vezes seja preciso “ir a medo” para experienciar e se comprometer com o lado mais soalheiro da vida. Em termos sonoros, é um disco enraizado no R&B e hip hop norte-americano mas que também vai à soul, a elementos jazzísticos ou mesmo ao folclore dos Barbados, país das Caraíbas onde tem raízes familiares.
[Samara Cyn] backroads
Samara Cyn mantém-se na sua trajectória ascendente com o lançamento do segundo EP, backroads. Depois de se ter estreado no ano passado com The Drive Home e de ter sido apoiada publicamente por nomes reputados do hip hop norte-americano (Nas, Lauryn Hill, Erykah Badu), lança um disco com uma mão cheia de faixas que inclui uma participação de Smino. Auto-confrontada com a necessidade de trazer mais união e empatia ao mundo, quebrando com uma série de ilusões mentais pelo caminho, Samara Cyn quis fazer deste backroads um símbolo de “como parecemos sempre encontrar um caminho à volta do problema em vez de o enfrentarmos”, como se lê na descrição oficial do disco. Cada canção representa isso de uma maneira distinta, seja a confrontar directamente a ignorância do mundo ou a criar “delulus sónicos” que reflectem essa alienação.
[BAMBII] INFINITY CLUB II
Sem pedir licença, BAMBII voltou a fazer o que sabe melhor: música de rave que cruza diferentes influências melódicas e padrões rítmicos que não olham a fronteiras. O segundo volume de INFINITY CLUB veio mais apetrechado e ousado, quer pelo número de faixas, pelas diferentes tonalidades das batidas ou pelo arrojado leque de convidados, que vários intervenientes que têm dado cartas no capítulo da inovação sonora, com £MONZO, Ravyn Lenae, Yaeji ou JELEEL! à cabeça.
[Joana Guerra & Yaw Tembe] Orogénese
A colaboração entre Joana Guerra e Yaw Tembe deu origem a um trabalho de 8 faixas que parecem progressões musicais em câmera lenta. Nascido de um encontro durante o desconfinamento e maturado sem pressa, o disco recusa a ansiedade do presente em favor de uma arqueologia sonora que escava o inaudito: a música que vibra à margem de qualquer medida de tempo. Entre o sopro quente do trompete e os arcos lentos do violoncelo, ouvem-se sussurros que soam a algo ancestral e simultaneamente visionário, bem como percussões dispersas, flautas de madeira, electrónica espectral e algumas gravações de campo, que nos pintam um cenário que faz imaginar o som a nascer de dentro da terra.
[Terrace Martin & Kenyon Dixon] Come As You Are
Com a maior das elegâncias, apenas ao alcance dos mais estudiosos por entre os corredores das escolas do jazz e da soul, o produtor e multi-instrumentista Terrace Martin uniu esforços com o cantor de R&B Kenyon Dixon. Após os primeiros singles, o disco que solidifica a parceria chega-nos hoje e compreende um total de 13 canções, que catapultam o par para a vanguarda da música negra norte-americana num caldeirão de influências que junta suores funk, exuberância soul orquestral, jogadas intrincadas e meticulosas de jazz ou até mesmo R&B com temperaturas abaixo dos zero graus centígrados. Na ficha técnica, os nomes de Rober Glasper e Rapsody dão camadas de mestria extra a este conjunto de temas.