A contemplação invade a selecção desta semana, principalmente através dos discos de Pharoah Sanders & Floating Points e Clark, duas viagens que exigem a emancipação do espírito em relação ao corpo. Para lá disso, há um encontro muito esperado entre os Armand Hammer e Alchemist, as histórias de amor de serpentwithfeet, o revivalismo dos STR4TA e a alma cinematográfica de El Michels Affair.
[Armand Hammer & The Alchemist] Haram
Na curiosa soirée dos Armand Hammer com o produtor Alchemist, a iguaria são cabeças decepadas de porco… OK. A música não segue a premissa visual ensanguentada: não clama, é o espaço negativo e luminoso por onde os rappers billy woods e E L U C I D continuam a poetar — um álbum que plana, seguro e ecléctico e sem fronteiras nem seguranças. Earl Sweatshirt e Quelle Chris são dois dos convidados.
[serpentwithfeet] DEACON
Depois de falar sobre corações partidos em registos anteriores, serpentwithfeet encontrou consolo em amar e ser amado por homens negros — e é isso que é reflectido em DEACON, o sucessor de soil (2018), que também se inspirou no r&b de Janet Jackson e Brandy. NAO, cantora britânica, é a única participação registada nos créditos.
[STR4TA] Aspects
O radialista e divulgador Gilles Peterson e o músico Jean-Paul “Bluey” Maunick formam os STR4TA, dupla que canalizou a energia da cena brit-funk do início dos anos 80 neste Aspects. Uma amizade antiga que continua a dar frutos (e dos bons, diga-se…).
[El Michels Affair] Yeti Season
Entre a Índia e a Turquia, Yeti Season é a banda sonora para um filme imaginado por Leon Michels, o “cabecilha” da banda El Michels Affair. Mais do que os lugares anteriormente mencionados, o importante é o sentimento que é transparecido em cada música. Pesado, mas esperançoso.
[Floating Points, Pharoah Sanders & The London Symphony Orchestra] Promises
Promises é uma obra de quietude e movimento. Em cada “Movement” que a compõe, Floating Points e Pharaoh Sanders arquitectam um lamento ou uma ponderação, a agitação sempre exponencial até definhar – não por fraqueza, mas pela clarividência de entender o essencial e afundar o ornato. A soma do conjunto é um disco que parece ter sempre existido. Cada movimento é mínimo, um tablado para a dança livre do respeito mútuo entre um pensador electrónico-musical, um saxofonista de primeiríssima água (e que – spoiler alert – usa mais do que um instrumento), e a London Symphony Orchestra na sua sempre fina forma.
[Clark] Playground In A Lake
Electrónica de lado, laivos de neoclássico para a frente. Confrontado pela iminente catástrofe ambiental que temos nas mãos, Clark imagina o que seria a experiência do último humano na terra neste Playground In A Lake. Aqui, o futuro não é risonho…