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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 20/05/2023

Um músico do mundo.

Sessa: “Acho que as pessoas podem ter uma conexão profunda com a música sem entender a letra”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 20/05/2023

Talvez Sessa seja um forasteiro. Mas essa é apenas uma suposição baseada na vivência dele nos EUA e na agenda repleta de datas na Europa e em cidades norte-americanas. No dia 22 de maio, ele toca no  B.Leza, em Lisboa, e no dia seguinte faz show no Auditório CCOP, no Porto. Na sequência, o músico brasileiro vai para Madrid, Barcelona, Paris, Bruxelas e Londres.

Antes de pegar o voo para a sua Spring Tour, Sessa conversou com o Rimas e Batidas via Zoom para falar sobre a facilidade que sua música tem para entrar em diferentes países que não têm a língua portuguesa como principal, suas experiências sonoras e o psicodélico Estrela Acesa, o seu segundo álbum — lançado em 2022.

“Cara, eu acho que sou um estudante da música do mundo. É óbvio que tem um viés da música brasileira, de bossa, de samba, muito envolta do violão, que é o meu instrumento principal de composição”, diz ele. “Tem muitos elementos… mas acho também que, nesse segundo disco em especial, tem uma coisa assim de eu estar um pouco mais pesquisando arranjo, querendo trabalhar com cordas. Eu não sou um músico que sabe ler partitura muito bem… não tive esse tipo de educação. Então, meio que queria chegar nessa sonoridade e fui ouvindo, ouvindo, ouvindo”.

Ele atingiu a meta buscando referências em Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Jorge Ben, Chiquinho de Moraes e Arthur Verocai, um artista muito citado nessa troca de ideias.



Sua música circula facilmente no exterior. Tanto é que você já participou de diversos festivais fora do Brasil, volta agora para a Europa, e foi destaque em diversas mídias internacionais. Na sua visão, o seu trabalho é mais reconhecido fora do país?

Acho que sim, eu acabo tocando mais fora. E é um pouco porque, quando era mais novo, eu imigrei para Nova York com os meus pais. Então, acabei passando 10 anos lá, e por mais que já tocasse, acho que amadureci um pouco como músico tocando nos EUA. Isso também me ajudou um pouco a estabelecer relações e circular fora. Mas eu tenho tocado aqui também… desde que saiu esse meu segundo disco, Estrela Acesa, eu toquei menos do que tocava porque tive um filho e aí fiquei em casa. Agora estou voltando a fazer turnês um pouco mais longas. E as únicas datas que eu fiz mais próximas ao lançamento [em 2022] foram em São Paulo, Porto Alegre, Brasília e Florianópolis. Agora, volto a tocar internacionalmente.

Você começou a carreira musical efetivamente nos EUA ou quando voltou para o Brasil?

Eu comecei a tocar aqui com 12-13 anos, fiz até turnê com uma galera. Fui pra Nova York quando estava com 19 anos. Minha família acabou voltando e eu fiquei lá tocando com muitas outras bandas. Fiz também muitas turnês, de coisas mais legais até coisas mais punks, que você vai fazendo muitas datas por vários meses. Sei lá, essas coisas mais de experiência de amadurecer como músico. 

É perceptível que na sua música você também traz várias experiências sonoras de diferentes ambientes, possui também influências do Brasil, como a bossa nova, algumas batucadas, mas não é uma coisa única. De que forma você define o som que faz?

Cara, eu acho que sou um estudante da música do mundo. É óbvio que tem um viés da música brasileira, de bossa, de samba, muito envolta do violão, que é o meu instrumento principal de composição. Tem muitos elementos… mas acho também que, nesse segundo disco em especial, tem uma coisa assim de eu estar um pouco mais pesquisando arranjo, querendo trabalhar com cordas. Eu não sou um músico que sabe ler partitura muito bem… não tive esse tipo de educação. Então, meio que queria chegar nessa sonoridade e fui ouvindo, ouvindo, ouvindo… e também trabalhei com os arranjadores Simon Hanes e Alex Chumak. Aí, acho que a questão das cordas explode essa sonoridade para o mundo, porque se for pensar nessas coisas de jass [jazz] espiritual, tipo Alice Coltrane, Pharoah Sanders, que possuem essa densidade, essa beleza celestial mesmo, você pensa como o [Arthur] Verocai arranjava assim, muito num mundo pós-jass, montando essas vozes e possibilitando dissonâncias desse repertório universal. Acho que a música é uma conversa… e tem uma conversa muito redonda de que a bossa [nova] é jass mais samba. Mas na verdade as coisas são muito mais complexas do que isso. Os músicos brasileiros, anteriores à bossa nova, o Pixinguinha, o Garoto, já estavam muito interessados em expandir o conteúdo harmônico para lugares mais dissonantes, mais provocadores. Estou falando isso por ser uma coisa universal, né!? Meio uma pesquisa humana de pra onde a coisa tá indo. Isso são influências minhas… eu acho que também na parte das letras, da poesia, tem uma coisa muito forte de música brasileira. Eu ouço música em várias línguas, que não são as que entendo: português, inglês. E eu tenho muito prazer ouvindo. Imagino que as pessoas que não entendam português e ouvem minha música também sintam isso, mas tocar em Portugal têm esse nível de troca, que também acontece em outros lugares que eu já toquei: Portugal, Brasil, nos Açores.

Acredita que tenha uma conexão maior com quem fala a mesma língua e entende a mensagem que você quer passar? 

Não sei se é maior ou melhor, sabe!? Acho que as pessoas podem ter uma conexão profunda com a música sem entender a letra, mas é legal como compositor saber que as pessoas estão me entendendo nesse lugar.

Interessante você citar o Verocai. Existe um imaginário que a principal sonoridade brasileira de exportação é a bossa nova. Mas o Arthur Verocai e uma série de artistas brasileiros de diferentes vertentes são celebrados em várias partes do mundo. Você tem essa mesma visão, sendo um artista que viveu alguns anos no exterior?

Cara, tocando música brasileira e sendo meio associado a essas coisas… eu tocava uma época com um guitarrista instrumental em Nova York e a música dele era meio cabeçuda [complexa]. Eu sentia que nos shows você tinha que explicar o que era a música e tocar na mesma hora, e aquilo tinha um efeito. Eu sinto que a bossa nova é um lugar conhecido em alguns lugares fora do Brasil, porque foi um negócio que conquistou seu espaço. O Sinatra interpretou, Sérgio Mendes se estabeleceu lá em Los Angeles e tocava muito… são diversos os exemplos, desde a Carmem Miranda, cujo guitarrista por um tempo foi o Garoto, que tinha interesse em se estabelecer nos EUA, mas morreu jovem. Eu sinto que é um pouco familiar. Uma parte do ouvido entende o que estou fazendo, mas tem uma outra que é a minha particularidade que foge um pouco. Mas no geral, eu sinto que é um momento interessante pra música não em inglês, num lugar que é rico mas a maioria das pessoas não falam outra língua… tem um auto-centrismo muito forte. E pelo menos nesse lugar mais alternativo, eu encontro várias bandas que não são norte-americanas. Já fiz turnê com uma banda turca, com um guitarrista do Níger, do Mali… teve uma vez que fiz uma turnê abrindo shows do Shintaro Sakamoto, e aí era muito louco porque ele faz poucas turnês e os shows eram super concorridos e ele tocava um show inteiro em japonês — não falava nem “hello”. Aí, eu ia e fazia um show 100% em português, e o público era de maioria de americanos. Era uma coisa maluca, mas tinha uma mensagem positiva sobre a possibilidade de conversa. É óbvio que pode ser uma coisa meio rasa, mas, porra, tá todo mundo lá, unidos sem falar a mesma língua. Eu acho que tem uma abertura hoje em dia para se consumir música de outros mundos e isso é um pouco relacionado à cultura de garimpo. Sinto que as produções de rap chegaram no que é o pop, porque as músicas pop são super influenciadas por um estilo de produção que vem desse lugar e no DNA dessa produção está conhecer muito a música. Tipo, é o requisito do produtor, que faz beat. E aí, em algum lugar, acho que esse interesse no Verocai veio daí com Madlib… esse ouvido voltou para as bandas e não necessariamente precisa ser um disco antigo e super raro brasileiro. Mas eu me identifico um pouco com essa raiz na cultura de samples.

A internet também ajudou nessa busca de sons que estavam restritos a um determinado número de pessoas? 

Assim, tem coisas que nem na internet está, mas acho que tem um acesso. Hoje em dia as pessoas vão… sei lá, acabei de comprar uma caixinha bluetooth e você vai indo, tipo pesquisando guitarristas psicodélicos turcos. Aí, você, vai, vai, vai… tem uma coisa legal, mas tem uma coisa que parece que se você não der um tempo o negócio nunca para. Acho que o silêncio e o espaço para decantar um pouco as coisas que você ouve é menos disponível nessa experiência do streaming. É o mesmo debate de gravar digital ou analógico… cada coisa tem seu momento. Às vezes é muito bom poder gravar uma ideia no celular e muitas vezes também é bom você fazer uma pesquisa mais rebuscada, de gravar coisas ao vivo e deixar acidentes e coisas entrarem no seu processo, você está mais limitado, que é uma coisa que o analógico te dá. Existem momentos que é legal colocar um disco, naquela sua caixa legal, sentado no sofá… tipo, você se sente muito abençoado por achar um disco que ninguém conhece. É uma experiência incrível. E, às vezes, é legal também você só poder largar o dedo ali no Spotify e ouvir um disco que saiu ontem, que você não precisa esperar a ser importado para loja perto da sua casa.

O seu segundo disco, Estrela Acesa, foi lançado há quase um ano. Mudaria alguma coisa nele ou acha que continua sendo o álbum que você queria ter feito?

Boa pergunta… eu olho com carinho. É muito gostoso olhar para trás e ver que você fez uma parada do nada. Eu não mudaria nada porque a intensidade do processo é meio essa. Na hora que você fala “é isso”, masteriza e não dá pra mudar mais nada… é intenso e legal fazer porque você tem esse limite duro, acabou, não dá pra voltar atrás. Mas faz um pouco de tempo que eu não ouço, pra ser sincero. Agora vou ter que ouvir porque vamos ensaiar para os shows. Mas eu gosto, fiquei muito feliz com o resultado.

As apresentações na Europa serão baseadas somente nesse álbum ou terá uma mix de diferentes músicas do seu repertório?

Vai ter coisas do primeiro disco, com certeza, e eu vou com uma banda formada por Biel Basile (na bateria), Helena Cruz (no baixo) e a Ina (na voz). Então, é uma banda que funciona para os dois discos. Ao mesmo tempo que tem essa coisa mais clássica e orgânica, que marca um pouco esse segundo disco, tem as vozes e o Biel que também é percussionista… até porque eu vou tocar em cidades que nunca toquei antes. Depois de Portugal, eu vou pra Paris, Londres e outros lugares que eu nunca fui. Por isso, senti que tinha que ter uma banda que falasse com o primeiro disco [Grandeza] também, porque sinto que as pessoas vão querer ouvir isso também.


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