pub

Fotografia: Renato Cruz Santos
Publicado a: 29/03/2021

Música pandémica.

Septeto Interregional: “Este projecto foi uma grande saída da nossa zona de conforto”

Fotografia: Renato Cruz Santos
Publicado a: 29/03/2021

Se há algo que a pandemia nos deu foi distância. Com o confinamento ficámos todos mais isolados, restritos às nossas habitações, sem proximidades para lá daquelas que os ecrãs e o mundo virtual permitem. Um mundo de limitações e constrangimentos que o Musicbox decidiu espelhar artisticamente num processo criativo que finta as dificuldades impostas pela COVID-19.

Se a famosa sala de concertos lisboeta teve a ideia, a Lovers & Lollypops abraçou-a sem receios e respondeu ao convite com um outro convite feito a seis músicos. Ultrapassar todas estas barreiras foi o objetivo proposto a Arianna Casellas (Sereias, Melífluo), Bruno Monteiro (Mr. Gallini, Stone Dead), Rafael Ferreira (Glockenwise, Evols), Rodrigo Carvalho (Solar Corona), Violeta Azevedo (Savage Ohms) e a ZéZé Cordeiro (Equations, José Pinhal Post Mortem Experience). A todos eles somou-se o artista multimédia Serafim Mendes e juntos formaram o Septeto Interregional.

O surpreendente resultado dessa união ficou disponível para ser escutado na passada sexta-feira, motivo mais que suficiente para falarmos com Bruno Monteiro, o baterista e responsável por algumas das vozes e guitarras deste colectivo especial. Nesta conversa percebemos um pouco melhor como foi viver a experiência de compor um álbum totalmente online, sem contacto físico com os outros membros da banda, as dificuldades e os desafios que esse processo cria, mas também as suas surpresas e a sua naturalidade. Afinal de contas pode parecer impossível, mas quando há vontade tudo se faz. 



Este é um projecto pouco usual por juntar tantos elementos com um passado distinto a nível sonoro. Eu gostava de começar, exactamente, pela origem do projeto. Como é que esta aventura começou?

Então, resumidamente, tudo começou com um e-mail da Lovers & Lollypops, a dizer que foram convidados pelo Musicbox a formar um projeto que juntasse seis músicos e um designer para gravarem um disco totalmente à distância e virtualmente. Basicamente, recebemos todos esse e-mail a perguntar se aceitávamos ou não. Prontamente aceitámos e começámos a trabalhar, a enviar ideias de músicas, linhas de baixo, linhas de bateria e por aí fora para um Google Drive. E pronto, tudo começou assim. Foi engraçado porque muitos de nós não se conheciam, ou [conheciam-se] apenas de vista, nunca tínhamos tocado juntos, e depois somos todos de realidades muito distintas. Foi interessante.

Tocaste aí um bocadinho na parte do processo e era uma das curiosidades que tinha sobre o projeto. Lembrei-me dos Superorganism, que são um grupo que no seu início tinha algumas similaridades convosco — eram vários elementos em que todos ou praticamente todos estavam separados geograficamente — e eles referiam que uma das coisas que os ajudava a criar era uma playlist onde cada um colocava músicas com algo que gostariam de levar para os temas deles, como um pitch para os restantes elementos. Vocês usaram alguma táctica do género? Como é que era o vosso processo criativo?

Por acaso, em relação a referências, houve alguns diálogos, mas nada muito intensivo. De vez em quando, quando havia uma ideia, alguém dizia que aquilo fazia lembrar x banda e mandávamos uns links, mas, por acaso, nunca fomos muito por esse caminho. Noutros projetos que tenho, às vezes é tentador ir por esse caminho, mas, neste caso, e se calhar tinha tudo para acontecer, não foi uma prioridade. Começávamos por bases, por exemplo, o Rafael tinha uns acordes de guitarra, gravava e punha no Google Drive, depois, entretanto eu ou a Arianna pensávamos numa voz, ou então o Rodrigo colocava uns sintetizadores… As coisas começavam assim e iam-se criando layers, umas após outras, até gerar o produto final.

Imagino que grande parte deste projecto tenha sido passado no Zoom, a debater as ideias.

Olha, tivemos várias fases. Surgiu tudo naturalmente. Houve alturas em que estávamos a ter ideias e a escrever e não nos reuníamos tanto, e houve alturas em que todas as semanas fazíamos uma ou duas reuniões e as coisas avançavam um pouco. Mais tarde acabámos por ter uma fase em que estávamos um pouco sem ideias e as coisas ora andavam mais ora paravam um pouco. Fomos criando umas deadlines e, como em qualquer projeto, quando chega ali a uma semana antes, as coisas ficam um pouco mais intensas e, nessa altura fazíamos mais reuniões.

Eu pergunto isso porque quando estás numa banda e estás ao vivo a criar com os outros tens aquele controlo e aquele feeling do que os outros vão fazer e já sabes, mais ou menos, os tiques de cada um e o seu processo natural. Neste projeto isso é algo inexistente. Ainda por cima vocês tinham passados distintos…

Sim, é mais complicado nesse sentido. Não tens aquilo de uma banda estar dentro do estúdio e teres a malta a mandar bitaites a dizer “toca mais alto!” ou “toca assim…” É mais demorado porque eu tenho uma ideia, gravo e depois partilho, mas o pessoal, se calhar, só no dia seguinte é que vai dar o feedback, para depois voltar a gravar ou remisturar. Nessa parte é mais complicado, não é tão instantâneo, estás dependente de um grupo no WhatsApp ou algo do género para perceber a resposta das pessoas. Ao mesmo tempo dá espaço para outro tipo de composição, chegámos a falar nisso. Maior parte fez uma coisa que era: recebia as ideias ou a base de uma música, punha a gravar e de repente por cima põem-se a improvisar e vão saindo coisas muito fluídas e muito atmosféricas, que é algo que caracteriza um bocado este disco. Muitas vezes foram esses primeiros takes que ficaram.

Estavas a dizer isso e eu estava aqui a pensar que este processo é um pouco um espaço de criação que fica entre produzir com uma banda e produzir algo a solo, porque, ao mesmo tempo, estás a fazer as coisas sozinho, ao teu gosto e com a tua intuição, mas não estás a produzir algo apenas só para ti. É um pouco distinto e que parece que anda no meio dos dois.

Sim, talvez tenhas razão! Nunca tinha pensado nisso. Uma das coisas que vemos no disco é que, se ouvirmos as tracks separadas de cada um, percebemos logo quem é que tocou o quê. É fácil associar aos projetos a solo ou às bandas de cada um, mas, quando ouves tudo junto, eu acho que é complicado perceber as origens da cada um. Pelo menos para mim! Diz-me tu, eu sou um bocado suspeito.

O que senti ao ouvir o álbum, e penso que isso foi uma agradável surpresa, é que as músicas parecem bastante coesas entre si, apesar das suas diferenças. Dá para sentir uma linguagem vossa durante o disco, que são uma banda formada. Este é um disco que não soa simplesmente a uma compilação de canções, nem a uma banda de garagem a arrancar. Sente-se que é algo já mais concreto e maior. Quando é que sentiram que esta era a vossa linguagem? Que este som e esta abordagem são os Septeto Interregional? Porque imagino que tenham passado por diferentes abordagens.

Acho que foi algo que simplesmente aconteceu. Na verdade, no início, todos tínhamos aquelas demos nas gavetas que nunca tínhamos usado em músicas e juntámos um grupo delas. Aí notavas o estilo distinto de cada um, mas ao poucos acabámos por fazer a primeira música (“Para Que te Sorprendas”), onde cada um fez a sua parte e automaticamente meio que se criou essa identidade. Na segunda e terceira música, a identidade manteve-se e acabámos por perceber que não fazia sentido colocar essas demos do início, porque não possuíam esta identidade. Porque o que fazia sentido era ser tocada por todos ao mesmo tempo, e tudo isso foi bastante natural, nunca foi algo muito pensado.

Eu acho que este é um álbum bastante mais “espiritual” do que “físico”. Falaste das músicas serem atmosféricas e eu penso que se sente isso no disco. Mesmo nas letras, olhando principalmente naquelas que a Arianna canta. Dá uma ideia que ela comunica com um outro plano, a expelir a alma dela, como um acto de partilha. Achas que isso é uma consequência da distância uns dos outros? Um reflexo da pandemia? Afinal de contas, este é um projeto pensado como um espelho da pandemia.

Estás a colocar-me boas questões [risos]. Agora que estou a pensar nisso, eu acho que uma das razões para criar esse sentimento etéreo é que foi quase tudo a partir da primeira ideia. Quando estás em estúdio com os teus colegas de banda a construir uma música, há muito aquela necessidade natural de definir a canção, e aqui não tiveste essa possibilidade. Tinhas uma linha de baixo e ficava já definida ser aquela, e depois o Rodrigo punha um sintetizador por cima e ficava logo definido… Nunca tivemos muito aquela conversa de “vamos repetir”, ou fazer diferente. As conversas que tínhamos eram sobre se aqui ficava melhor algo mais “espiritual” ou mais agressivo… Sempre foram mais nesse tipo de termos do que propriamente na procura de balizas e acho que por isso é que ficou esse ambiente atmosférico, muito aberto.

Este foi um projeto criado muito com a ideia de ser um espelho da pandemia, feito no período da pandemia, com os elementos separados, em confinamento, sendo que até são elementos de diferentes cidades, como a marcar que todo o país sofria disto. Contudo este álbum é bastante orelhudo, apesar de ter os seus momentos melancólicos, soa bastante animado, com esperança, uptempo. Achas que o resultado deste álbum acabou por ser uma consequência do que estávamos a viver e da pandemia, ou mais a procura ou uma resposta à pandemia, como se fosse uma fuga?

Primeiro, todo este projecto começou como uma proposta. Acho que todos nós a vimos como um desafio e que nem houve muito espaço para pensar bem o que queríamos fazer. Estávamos todos curiosos e empolgados para perceber como seria trabalhar uns com os outros, com pessoas que nunca tínhamos trabalhado antes. Ao mesmo tempo, foi uma grande saída da zona de conforto, levou-nos a explorar outras coisas. Falo, por exemplo, dos idiomas, tivemos a Arianna a cantar em espanhol, mas também em português e em inglês. Foi um conjunto de surpresas e desafios e isso influenciou-nos mais que este ambiente pandémico. Acho que foi muito mais o desafio.

O que sentes que aprendeste com este ano e com este projecto?

Aprendi que, se existir vontade, as coisas fazem-se. Acho que até retiraram essa frase do Rafa numa outra entrevista. Tinha tudo para não correr bem e para as coisas não se fazerem, mas houve vontade e aconteceu.

Em termos visuais, vocês trabalharam com o Serafim — o sétimo elemento. Como é que foi trabalhar com ele, trocavam inputs durante a criação?

Isto foi feito através de um grupo no Whatsapp, onde estamos todos sempre a falar. O Serafim começou logo a trabalhar mal surgiram as primeiras ideias, quando mandámos as demos. Ele ia ouvindo tudo e dava a sua opinião. No fundo, ele absorvia tudo, criava e enviava para o grupo e nós dávamos a nossa opinião, alterávamos coisas e trabalhávamos tudo ao mesmo tempo, tanto a parte visual como a musical.

Existe a ideia de prolongar este projecto? Dar concertos? Não limitar a existência dele a este período de pandemia?

A proposta inicial era gravar este disco e depois dar um concerto no Musicbox, o derradeiro concerto. Por isso sempre tivemos em mente tocar ao vivo, e à partida vamos fazê-lo. Talvez até dar mais do que esse concerto.


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos