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Fotografia: Adriano Ferreira Borges / Semibreve
Publicado a: 29/10/2023

Música para combater tempos sombrios.

Semibreve’23 — Dia 3: o erro, mecanismo para uma construção

Fotografia: Adriano Ferreira Borges / Semibreve
Publicado a: 29/10/2023

Museu Nogueira da Silva. O lugar mais improvável para se começar o texto do terceiro dia do Semibreve. Da imprevisibilidade e incerteza de que se falou ao longo das duas conversas que aí tiveram lugar. A primeira, com Maya Shenfeld + Pedro Maia, para nos socorrermos da noção de erro abordada por Pedro Maia. A segunda que teve lugar ontem, “Re-Imagine Europe“, para discorrer sobre as questões do financiamento cultural, nomeadamente as dos festivais de música e transdisciplinares, quando a ascensão da extrema direita é uma realidade impossível de esconder. Quão sombrios são estes “novos” tempos na maioria dos países da União Europeia.

Referia, Pedro Maia, que o erro é elemento essencial na transformação das imagens que tem desenvolvido para diferentes projectos. Uma estrutura previamente definida, mas com margens suficientemente amplas para incorporar o erro e, a ele associado, o imprevisto. Quando tal sucede, o erro é molécula activa do processo, podendo conferir ou não uma nova direcção. Vem a propósito esta nota retirada da conversa da passada sexta-feira, para pontuar o momento do concerto de Emeralds. A banda de John Elliott, Mark McGuire e Steve Hauschildt, fundada em 2006, dispensa qualquer tipo de apresentação. Pela discografia, pelos concertos, mas sobretudo pelo legado que foi servindo de inspiração, ao longos destes largos anos, para os mais variados projectos dentro da electrónica ambiente. Sensivelmente a meio do concerto dá-se uma pequena falha na apresentação das imagens que servem de cenário para a criação da atmosfera sonora que lhes é tão característica. A tendência para ampliarmos mancha. Momento curto, mas que para alguns dos espectadores foi marcante para uma não total fruição do concerto. Não partilhamos totalmente desta visão, mas recordamos o quanto estruturas fixas podem ser contrárias a uma tão desejada, quanto impossível de alcançar, noção de perfeição. Anacronismo. Conceito que vai sendo mais ou menos repetido ao longo da noite. Conhecedores da “legião de fãs” que os Emeralds congregam, será exercício arriscado timbrar de fora de órbita o seu recente regresso. Talvez o título do álbum de 2020 nos aclare — Just to Feel Anything. O sentir qualquer coisa é precisamente o contrário de uma vivacidade de outrora. Talvez mais próximo de encontro furtuito com um antigo colega de faculdade que já não se vê há anos e cuja conversa congrega mais interjeições que vontade de estar no momento. Somente sentir qualquer coisa é sempre curto. As guitarras de Mark McGuire, em “intervenções” mais ou menos prolongadas estão lá. As electrónicas planantes de John Elliott e Steve Hauschildt encarregam-se de nos fazer retroceder no tempo. As imagens de um navio na linha do horizonte, as flores e as gotas de chuva conferem a toada ambient. Somente sentir qualquer coisa será sempre o menos.

Antes, igualmente no Theatro Circo, Tujiko Noriko + Joji Koyama, com um terceiro elemento de tenra idade a auxiliar. As projecções a preto e branco de Joji Koyama, tanto nos convocam para realidades urbanas mais ou menos conhecidas e/ou imaginadas, como para uma leveza e descoberta cósmica. Certamente não haverá grande novidade na temática, mas é na conjugação com as vocalizações sussurradas de Tujiko Noriki que a apresentação ganha uma dimensão sublime. A fragilidade humana. Aspecto mais ou menos comum à maior parte dos projectos apresentados na edição deste ano do festival. A estrutura em canções, as pausas mais ou menos prolongadas entre cada uma delas reforça esta ideia de desvanecimento. O título do muito aclamado álbum Crépuscule I & II torna-nos cúmplices deles, porque nos torna mais humanos. Um fim, entendido nas suas diferentes concepções — um final, um novo começo. Corpo estranho, mas imensamente belo. Estranho porque não linear, desconfortável por vezes. Belo precisamente por isso, um incómodo necessário que abre margem para um mais profundo conhecimento da obra de Noriko e Koyama.



À tarde, sob a estrutura arquitetonicamente frágil em betão e madeira da Capela Imaculada do Seminário Menor, o concerto de Anja Lauvdal. Um percurso que se trilhou, no seu início, no jazz para, agora, abraçar o piano e teclados. A debilidade aparente confere a força de cada detalhe. As camadas sonoras que vão sendo lançadas e que se entrecruzam ao longo de um percurso natural e fluído. From a Story Now Lost é audição que ajuda no discorrer do tempo. É refúgio em tarde diluviana como a de ontem.

Regresso à conversa “Re-Imagine Europe“. Entre alguns dos temas abordados — a acessibilidade aos festivais, a abertura vs. coerência na programação, a criação de determinadas atmosferas — não se poderá deixar de destacar o problema premente quanto grave da ascensão dos partidos de extrema direita e da direita conservadora, na grande maioria dos países da União Europeia. As questões de financiamento público, que será bem menor nos próximos anos, pela escassez de recursos financeiros, mas sobretudo por uma visão retrógrada de sociedade que os ideias políticos defendidos por estes partidos, preconizam é um problema que se deve enfrentar, já. Sem escamoteios. Por isto, se vê a importância de festivais como o Semibreve.


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