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Fotografia: Adriano Ferreira Borges/Semibreve
Publicado a: 31/10/2021

Maratonas vanguardistas.

Semibreve’21 – Dia 3: da resiliência ao começo de novos capítulos

Fotografia: Adriano Ferreira Borges/Semibreve
Publicado a: 31/10/2021

Era um dos momentos mais aguardados do festival: Flora Yin-Wong, compositora britânica que atingiu falatório global aquando da compilação de culto mono no aware, que integrou com uma faixa, e posteriormente com o lançamento do seu álbum de estreia, Holy Palm, editado pela inglesa Modern Love, apresentou-se na Capela Imaculada do Seminário Menor, em Braga, para uma performance duracional de três horas em formato multicanal. 

Instalando-se no cruzeiro, situado ao centro da nave, a artista muniu-se de um setup simples, essencialmente electrónico, e de um lindíssimo guzheng, cítara ancestral chinesa gentilmente fornecida pelo festival, para um desafiante registo que testou os limites dos ouvinte. Através de um sistema quadrifónico, Flora convidou-nos a circular pelos vários cantos da sala, que emitiam uma panóplia de sons e gravações de ordem diversa, de ruídos metálicos a sons aquosos, pulsares eletrónicos a esporádicas batidas propulsivas, percussão tradicional chinesa e assombrações hauntológicas, amplificadas pela texturas do grão, da estática e das vozes incorpóreas que pairavam algures pelas modernas paredes de betão da capela. Ao fim de cerca uma hora, Flora deixou o equipamento e circulou pela sala, como um de nós. A composição que foi conjurando ao longo dos 60 minutos continuou, perdurando durante mais duas horas: uma performance-feita-instalação capaz de diluir qualquer tipo de conceitos ou nomenclaturas formais.

Já no Theatro Circo, Rafael Toral foi o primeiro a subir ao palco para apresentar Time Bridges, uma nova peça encomendada pelo festival que inaugurou uma “terceira fase” na notável carreira do artista português. Descrita pela organização como “uma declaração em forma de título”, a obra — apresentada pela primeira vez no Semibreve — assume-se como uma viagem temporal pelo passado, presente e futuro do autor de Wave Field, unindo pontes “entre os seus anos de 1987, 1995, 2006 e 2023”.

Sozinho em palco, depois de um ano recheado em apresentações colectivas com o seu Space Quartet, o músico antecipou com esta performance — entre caixas de sons, sensores foto-sensíveis e outros geradores de ruído electrónicos e analógicos — alguns dos seus próximos passos, alternando entre a sua dimensão mais física, provocada pela graciosidade do gesto em torno de um pequeno theremin, camaleónicos acordes de guitarra, ora impactantes ora lúdicos e pueris, e uma mescla de sons liquefeitos de criaturas marinhas que pareciam saídas das profundezas do oceano e chilreares sintéticos de pássaros que imaginámos serem raros. No fim, um merecido agradecimento à organização, ao público e a todos os que fizeram do Semibreve uma possibilidade, momento exemplar que arrecadou justos aplausos por parte do público.

A noite finalizou-se com um dos momentos mais especiais desta edição: o encontro, pela primeira vez em palco, da cantora, produtora e compositora norte-americana Laurel Halo com o violoncelista britânico Oliver Coates. A dupla, que colaborou pela primeira vez no EP Raw Silk Uncut Wood, em 2018, e que tem vindo a vindo a explorar recentemente os universos das trilhas para cinema, como aconteceu em Possessed, preparou um espectáculo para piano, teclados e violoncelo divido em três momentos/peças. Com destaque para o violoncelo de Coates, amplificado por uma série de efeitos, o duo intersectou os mundos do minimalismo e da vanguarda com apontamentos modernos de shoegaze, drone e do jazz mais leviano, abdicando das estruturas mais populares de canção de Halo, que se quedou à rectaguarda, em segundo plano, bem como do lado mais hedonista e dançável de discos como Chance of Rain, para abraçar uma abordagem mais clássica de composição moderna.

Este domingo, o programa do Semibreve chega ao fim com a estreia absoluta dos noruegueses Supersilent em Portugal, o concerto de Rabih Beaini com as harpistas Angélica Salvi e Eleonor Picas, a performance duracional de Yvette Janine Jackson e Judith Hamann e a conversa entre Rui Miguel Abreu e Flora Yin-Wong.

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