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Fotografia: Adriano Ferreira Borges/Semibreve
Publicado a: 30/10/2021

O ouro está na união.

Semibreve’21 – Dia 2: explorar contrastes para abraçar as diferenças

Fotografia: Adriano Ferreira Borges/Semibreve
Publicado a: 30/10/2021

O segundo dia de Semibreve foi marcado por contrastes. O cruzamento entre mentes distintas foi o grande mote de uma noite que acolheu as primeiras duas de sete colaborações encomendadas pelo festival para a edição de 2021, desafiando artistas de diferentes gerações e geografias a traçar pontos de confluência em contexto de residência. O primeiro momento da noite foi desenhado pela americana Zeena Parkins, 65, e pelo português André Gonçalves, 42, que apresentaram, em estreia mundial, um espectáculo que colocou harpa e sintetizadores modulares em diálogo profícuo. 

Parkins, pioneira na abordagem contemporânea à harpa, tem vindo a subverter os limites físicos e sónicos do instrumento através de um provocador corpo de trabalho em nome próprio, mas é no seu vasto currículo de colaborações que se encontra a verdadeira natureza da compositora e improvisadora de Detroit, cujos caminhos se cruzaram com notáveis da música mais aventureira como Fred Frith, Ikue More, Pauline Oliveros ou Björk, que a convidou a integrar o ensemble da Vespertine World Tour em 2001. 

Gonçalves, fundador da marca de sintetizadores modulares ADDAC System, passou por festivais e galerias um pouco por todo o mundo e tem vindo, também ele, a desenvolver um admirável portefólio de parcerias com artistas tão reconhecidos como Tim Hecker, Keith Fullerton Whitman, Phill Niblock ou, mais recentemente, Suso Saiz, com quem dividiu palco na edição deste ano dos Jardins Efémeros. 

Talvez por isso a proposta feita pelo Semibreve, que teve lugar no Theatro Circo, faça perfeito sentido. Dois artistas distintos unidos por um ponto em comum: um forte espírito colaborativo e de colectividade, e o desejo de estar continuamente a expandir horizontes. 

A disposição apresentada no palco do grande auditório é aparatosa e multicolor, com a harpa de grandes dimensões e os imensos cabos dos modulares em destaque, entre outros elementos mais discretos como caixas de som e uns curiosos mantos refletores, utilizados para efeitos de texturas. Foi assim que inaugurou o espetáculo, num registo táctil e multi-sensorial, quase-ASMR, focado nos vários pormenores que circundam as principais matérias acústicas da performance. Através de técnicas pouco ortodoxas, como a implementação de microfones de contacto, Parkins consegue escapar ao registo clássico do seu instrumento de eleição, a harpa, que explora de forma física e total, percorrendo todos os seus contornos, das cordas e respetivas qualidades timbrais à própria estrutura e corpo do instrumento. 

Gonçalves, embrenhado entre uma panóplia de cabos coloridos, escuta atentamente cada uma das acções da artista. Reagindo espontaneamente com atmosferas, texturas e gravações variadas, o músico transforma os ímpetos mais radicais da americana, que habita o espaço de forma libertária e teatral, em autênticos exercícios de design sonoro, entrelaçando a instrumentação acústica de maneira tensa e conflituosa com o digital. 

A comunhão entre a britânica Nik Void — metade dos Factory Floor e um terço dos Carter Tutti Void, que divide com os pioneiros Chris Carter e Cosi Fanni Tutti — e a sueca Klara Lewis, filha de Graham Lewis, dos art-rockers Wire, colocava, à priori, os ritmos maquinais do techno em contacto com os impulsos mais abstractos da deriva ambiental. O resultado, avistado em palco no segundo e último momento da noite, foi tudo menos o esperado, elevando em muito a fasquia para os próximos dias. 

Apoiadas pelas projeções em tempo real do cineasta português Pedro Maia, a dupla projectou um universo eclético de estilos e sonoridades, percorrendo uma multiplicidade de géneros em muito pouco tempo: dos ruído concretos às extremidades cortantes das texturas pós-industriais, passando por arpejos bojudos, batidas motorik, derivas hipnagógicas e os mais avançados processamentos de voz, tudo isto untado num surpreendente mashup de abordagens sem forma. Um registo digno de gravação — e repetição —, superior ao corpo de trabalho de ambas as artistas a solo e que esperamos poder escutar futuramente num lançamento oficial. 

O festival prossegue este sábado, entre conversas, instalações e workshops, com a performance multicanal da artista britânica Flora Win Wong, na Capela Imaculada do Seminário Menor, os concertos de Laurel Halo com Oliver Coates, Rafael Toral e uma nova iniciativa focada em editoras e colectivos artísticos nacionais.

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