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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 22/10/2020

Celebrar uma data redonda num cenário imprevisto.

Semibreve: “Sentimos que ocupámos um lugar fundamental no calendário cultural da cidade e do país”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 22/10/2020

À 10ª edição, o Semibreve é obrigado a recolher-se no Mosteiro de Tibães, em Braga, com nomes como Ana da Silva, Laurel Halo, Kara-Lis Coverdale, Jim O’Rourke, Keith Fullerton Whitman, Beatriz Ferreyra ou Gustavo Costa no cartaz. Para além de instalações e residências artísticas, há ainda conversas que vão fomentar o pensamento sobre o período pelo qual passamos enquanto humanidade, incluindo a música e a arte nesse “barulho”.

O festival bracarense começa este sábado, dia 24 de Outubro, e termina no domingo. Com condições completamente diferentes do habitual no horizonte — consultem a programação para as apresentações online aqui –, fomos tentar perceber com Luís Fernandes (director artístico) e Miguel Pedro (co-programador) o presente e futuro do evento.



Quando é que perceberam que seria imperioso reformular a programação que tinham prevista para esta edição do Semibreve?

[Luís Fernandes] Provavelmente a partir de Maio deste ano. Até lá mantivemos a esperança de que as coisas revertessem e pudéssemos efetivamente fazer o festival como o tínhamos idealizado.

O Mosteiro de Tibães quase que oferece uma metáfora para a situação presente, que convida à reclusão e meditação. O Semibreve já no passado tinha ensaiado ligações a este espaço, certo? Que mais nos podes dizer sobre esse lugar?

[Miguel Pedro] O Mosteiro de Tibães é um edifício incrível, carregado de história e de simbolismo, que convida, de forma muito especial, à sua ocupação com eventos artísticos, sejam pictóricos ou performativos. Por isso, desde sempre esteve ligado ao Semibreve que, de forma esporádica, o ocupou, em anteriores edições, para algumas actividades. No entanto, com o advento da pandemia, a ideia de reclusão, de confinamento foi-se transformando num leit motiv para nós pensarmos um Semibreve alternativo, necessariamente diferente quanto à sua relação com o público, mas que se mantêm fiel a sua matriz originária, pois para nós a relação das performances ou instalações com o espaço envolvente sempre foi uma prioridade e o festival também é conhecido por isso.

A programação desta 10ª edição vive de encomendas de obras sonoras que vão estar continuamente disponíveis para escuta em diferentes espaços do mosteiro e que, presumo, sejam igualmente transmitidas em streaming. Como foi pensada a lista de artistas a quem dirigiram as encomendas? E essa escolha já foi, de alguma forma, pensada ela mesma como uma espécie de “comentário” a estes tempos pandémicos?

[LF] Quando previmos que seria impossível acolher espetáculos nas condições normais, pensamos que seria uma excelente oportunidade para encomendar música nova a uma série de artistas que admiramos. A escolha dos artistas não teve esse propósito de comentário aos tempos que vivemos, embora o formato tenha essa preocupação clara. Torna os conteúdos à prova de COVID19. Focamo-nos em artistas que fazem parte da história do festival e em algumas novidades, como é o caso do Jim O’Rourke, Ana da Silva e da Jessica Ekomane. Também tivemos em consideração a propensão para este tipo de desafio pois nem todos os artistas são talhados para tal.

Esta é uma edição simbólica do Semibreve, a 10ª, e há-de, certamente, ter sido pensada em moldes muito diferentes. Esse trabalho que já tinha sido efectuado transitará para 2021? Ou foi descartado inteiramente?

[LF] Contamos transitar alguns dos artistas e projetos especiais que estavam garantidos para 2020 para o próximo ano. Contudo, nesta fase as coisas ainda são muito difusas e torna-se difícil fechar planos.

Justamente, o Semibreve conquistou respeito de artistas, público e imprensa, a nível nacional e internacional. O que acreditam que concorreu para o alcance dessa marca de qualidade?

[MP] Muitas variáveis podem ter contribuído para isso: desde logo, um especial cuidado que tentamos colocar nos artistas que convidamos e que asseguraram a grande coerência artística do festival ao longo dos seus 10 anos. Depois, a relação do festival com os seus parceiros — institucionais, media partners, empresas — que sempre reconheceram que o Semibreve tem umas caraterísticas especiais e diferenciadoras. Também a relação do festival com os espaços da cidade: o Theatro Circo, o Salão Medieval da UM, a capela da Seminário Menor, o Mosteiro de Tibães ou o gnration são locais que, por si só, criam valor na peça artística que é exibida em cada local. Sentimos que o ambiente que se cria em cada edição do Semibreve, entre artistas, jornalistas, convidados, técnicos, etc, faz com que todos tenhamos muita vontade de repetir no ano seguinte. 



Normalmente, eventos desta natureza, ainda por cima dependentes de instituições públicas e, portanto, à mercê de decisores políticos, costumam não ser pensados com grandes horizontes que ultrapassem a barreira da “próxima edição”. Como acontece com o Semibreve? Há uma estratégia mais dilatada? Conseguem imaginar o festival a chegar à sua 20ª edição?

[LF] No fundo continuamos a pensar ano a ano, de acordo com o que é estabelecido pelo acordo com o nosso parceiro principal, o Município de Braga. Contudo acabamos por sentir que ocupámos um lugar fundamental no calendário cultural da cidade e do país, para além de existir um apoio constante e irredutível por parte do Município e também por todas as entidades que nos apoiam. Isso leva-nos a ter segurança e confiança para continuar a olhar um pouco mais à frente.

Os debates vão cobrir questões cruciais tendo em conta o que o mundo está a enfrentar: o físico e o virtual, a lógica performativa ou a lógica editorial num universo pós-pandémico, o som e a ecologia. Esta é uma forma óbvia do Semibreve se colocar também ao serviço de uma comunidade, certo?

[LF] Quisemos partir de algumas das problemáticas que a pandemia veio tornar claras para fomentar a discussão e a reflexão por pessoas que nos são próximas ou cujo trabalho admiramos. Falo naturalmente, desta dicotomia físico-virtual, brutalmente alterada nos tempos que vivemos, mas também das implicações que os novos tempos acarretam, nomeadamente nos domínios performativos, editoriais e ecológicos. Ficamos muito felizes com o painel de convidados que conseguimos para este ponto do programa.

Voltando ao programa: Ana da Silva, Laurel Halo, Merani Schilcher, Kara-Lis Coverdale, Beatriz Ferreyra, entre outras — o peso da criatividade feminina nesta programação é evidente. Resulta de uma marca de princípio explícita do festival?

[LF] Tem sido uma preocupação recorrente do Semibreve, facilmente verificada pela consulta dos nossos programas passados. Enquanto festival temos a responsabilidade de promover programas equilibrados aos mais variados níveis. Estamos cá para fazer a parte que nos compete.

Vários dos nomes a quem encomendaram peças são, digamos assim, repetentes, o que confere a esta edição também uma certa ideia de balanço do percurso feito até aqui. É uma forma válida de olhar para o programa ou houve também questões de pragmatismo na hora de eleger os nomes para as comissões?

[LF] Celebramos 10 edições de Semibreve, algo que, muito honestamente, nos surpreende e nos deixa muito felizes. Não podendo celebrar esta 10ª edição da forma como originalmente idealizamos quisemos remeter este programa alternativo para essa mesma lógica de celebração a partir de artistas que fazem parte da história do festival.

Na programação de nomes com peso histórico — Beatriz Ferreyra, Jim O’Rourke ou Ana da Silva encaixam bem aí — também se pode ler certamente alguma coisa. Podes falar-nos no que, ano após ano, significa a ida até Braga de figuras que foram pioneiras nos seus respectivos campos?

[LF] No fundo, poder convidar artistas deste calibre e apresentá-los na nossa cidade para um público diverso é aquilo que nos leva a querer fazer o festival ano após ano. Uma mistura de deslumbramento, orgulho e responsabilidade é aquilo que sentimos.

Finalmente, já estão a trabalhar na edição de 2021? Podem adiantar-nos alguma coisa sobre o que podemos esperar num Semibreve desejavelmente já pós-pandémico?

[LF] Infelizmente vivemos tempos em que se torna complicadíssimo fazer planos a longo prazo. Sem poder divulgar especificidades, pretendemos manter uma série de projetos especiais que celebrariam a 10ª edição. Esperamos completar a festa em 2021.


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