Em 1993, os britânicos Seefeel adicionaram mais uma página no manual da música feita com guitarras. Quique, a estreia do então quarteto de Londres em longa-duração, percorria o campo grande da eletrónica cerebral da época (Aphex Twin, Autechre, Boards of Canada) com as cadências do trip hop e os excessos do shoegaze, reconfigurando as seis cordas desse instrumento em território livre de exploração. Era a estreia do grupo pela Too Pure, a mesma editora responsável pelo lançamento de obras incontornáveis de Stereolab, Moonshake, entre outros grupos cujo som gravita em torno de uma ideia insular de pensar a pop. Um ano depois, a banda juntar-se-ia aos quadros da Warp com um álbum (Succour) e um par de EPs (Starethrough e Fracture / Tied), e da Rephlex, mais tarde, com o tétrico Ch-Vox, antes de mergulharem num prolongado hiato de quase 15 anos anos, interrompido apenas pelo seu regresso em 2010.
Volvidos 14 anos, os Seefeel continuam a soar iguais a si mesmos, alheios ao renascimento do shoegaze por parte da geração Z e sem nunca ceder ao apelo imediato da nostalgia. Poderá Everything Squared, a mais recente coleção de originais do grupo, mudar este curso? As chances são remotas, e é pouco provável que a banda venha a ter um resgate milagroso no TikTok.
Composto por seis temas, Everything Squared está longe de ser um tratado de ciência rítmica (a ausência de beats é notória mais uma vez). Trata-se, antes, de um mergulho de cabeça no desconhecido, guiado pelo instinto mordaz de um grupo sem bússolas ou coordenadas conceptuais. Embora se reconheçam formas familiares — vozes etéreas, silêncios, dub narcótico —, é possível encontrar nos temas de Everything Squared um renovado sentido de exploração e desejo de experimentar com as fórmulas do passado. O voo rasteiro da inaugural “Sky Hooks”, movido pelo embalo do baixista Shigeru Ishihara (aka Scotch Rolex), é prova disso.
A natureza pacifista de clássicos como “Industrious” mantém-se intacta na voz cristalizada de Sarah Peacock, mas é a matemática aplicada por Mark Clifford que faz a máquina mexer. O rigor maquinal de “Multifolds”, um dos destaques do mini-álbum editado em agosto pela Warp, remonta ao frio isolacionista de Succour; a enxuta “Lose The Minus” destila intencionalmente a música aos seus elementos fundamentais; “Antiskeptic” é electrónica negra atravessada por glitches e tessituras industriais, um som desolado e resistente à memória — nostálgico sem evocar nenhuma era em concreto.
Não é um recomeço, mas pode muito bem plantar as sementes do futuro dos ingleses. Everything Squared nunca sai completamente das brumas, mas o vasto campo de hipóteses do grupo (são mais de 15 as faixas que ficaram de fora do alinhamento) tem tudo para continuar a expandir-se em largura e profundidade. O clarão está reacendido.