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Texto: ReB Team
Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 16/07/2022

Não foi só Tangana...

SBSR’22 – Dia 2: entre essa força da natureza que é Nathy Peluso e o rap português de autor (ou o seu genérico irmão americano)

Texto: ReB Team
Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 16/07/2022

[CLASSE CRUA] 

Num horário nobre de final de tarde, quando o recinto do Super Bock Super Rock começava já a preencher-se, os Classe Crua começaram a actuar no palco LG by Rádio SBSR.FM. Este é o projecto que junta as rimas de Beware Jack aos instrumentais de Sam The Kid, que teve o seu ponto de partida com “Engana”, em 2016, e que culminou três anos depois no álbum homónimo.

Uma consequência positiva da pandemia é que, desta forma, o projecto pôde ter uma maior longevidade ao vivo — sabemos como, muitas vezes, é difícil manter um disco conceptual e colaborativo na estrada. Apesar de o nome de Sam The Kid ser fulcral para haver espaço num dos maiores festivais portugueses, não deixa de ser um furo, por se tratar de um projeto mais underground e alternativo — de recorte clássico — a ter visibilidade num circuito mainstream.

Ao vivo, Beware Jack e Sam The Kid apresentam-se com DJ Maddruga e AMAURA como back vocal. A formação é sólida e resulta bem. Além de autor de rimas prodigiosas, Beware Jack sempre foi um grande performer. Sam The Kid vai fazendo as dobras e igualmente puxando pelo público, sem roubar o protagonismo ao parceiro. AMAURA traz a voz sedosa que adorna as canções recheadas de groove, enquanto Maddruga vai soltando os beats e deixando os seus cortes aguçados nalguns momentos. Pelo meio houve ainda uma participação especial de Blasph, que veio interpretar “Ondulação”, com produção de STK — eles que estão também a trabalhar num projecto a meias. Pena que, no Super Bock Super Rock, o público parecesse estar ainda a despertar para uma noite inteira de festival.

– Ricardo Farinha



[NATHY PELUSO]

O Super Bock Super Rock ainda não acabou, mas este concerto entra, sem grandes dúvidas, para o top três desta edição. Já se adivinhava a comoção que iria ter pela imensa concentração de pessoas em frente ao palco, com muitos leques — também como antecipação de Tangana — e cânticos que ecoavam “Nathy! Nathy! Nathy!” da forma mais entusiástica possível, mas cremos que, mesmo assim, ficámos todos agradavelmente surpreendidos.

Antes da mesma aparecer, ouviam-se conversas entre fãs ou meros curiosos que, com convicção, afirmavam: “Ela é tipo C. Tangana, mas mais virada para o rap e no feminino”… somos da opinião que só essa definição é pouco para a descrever.

Desde o primeiro segundo em que pisou o palco, estilo catwoman a fazer aparição no Matrix – com um fato todo preto, cabelo curto e óculos amarelos –, que deu para entender que este não ia ser um concerto como os outros. A sua presença, ainda antes de cantar, enchia a sala com uma imponência e respeito que não se vêem todos os dias — e algo tão simples como o surgimento da sua silhueta chegou para causar uma euforia que aqueceu de imediato o palco principal. 

Bem mais cedo do que estávamos à espera, fomos presenteados com “Sana Sana”, um dos seus maiores hits, entregue com uma energia que foi retribuída a alto e bom som. Se dúvidas ainda restassem, foi possível ver nesta música, com toda a clareza, que Nathy Peluso é uma performer nata: desde a sua figura sensual aos movimentos de dança e teatralidade, a artista nunca perdeu o ritmo, nem por um segundo, apresentando temas mais slow como “Buenos Aires”, que arrancou um coro da plateia, a “Puro Veneno”, celebrizado no A COLORS SHOW, que pôs toda a gente a dançar. 

Se nós ficámos impressionados com ela, o sentimento foi devolvido, entoando as palavras “¡En Portugal, la gente sabe lo que es hacer la fiesta!”, prosseguindo com momentos indiscritíveis de arraso, em que apresentou “Ateo”, (sem) Tangana, “Mafiosa”, “Delito” e uma óptima interpretação da sua música partilhada com Bizarrap,  “Bzrp Music Sessions, Vol.36”, antecedida por um mix de grandes clássicos de hip hop de nomes como Snoop Dog e Missy Elliot. Neste tema, Peluso transformou-se por completo numa rapper OG e, com visuais à altura, debitou sem falhar toda a letra para uma GoPro invadida por um filtro verde, estilo CCTV… parecia uma produção de altíssima qualidade de um videoclipe.

Houve ainda espaço para um momento tirado directamente de Fight Club, onde a artista saltou à corda, fez flexões e atirou-se a um acto de pugilismo ao som do rebuscado e poderoso tema “Corashe” (2017).

Sempre que pensávamos que ia parar… não parava, usando novos adereços de palco, novas coreografias, cenários e luzes, fazendo-nos invejar qualquer que seja a rotina de exercício desta cantora. Numa palavra, Nathy Peluso é garra; em mais do que uma: um vulcão de mulher empoderada, que fala de amor e desgosto como quem está pronta para pegar fogo ao carro do ex e arruinar-lhe a vida. E bem.

Este espectáculo foi uma aula de aeróbica, de boxing, um discurso motivacional e, sobretudo, o que a artista mais queria: uma excelente memória para guardar no coração durante anos e anos. Com luzes dos telemóveis ao alto, o concerto terminou com a íntima faixa “Vivir así es morir de amor”, obtendo, uma última vez, um mar de vozes que ecoaram de volta, plausivelmente já desejosos pela próxima vez com a cantora em Portugal; que seja para breve.

– Beatriz Freitas



[BENJI PRICE] 

Depois de Classe Crua ter apostado no formato tradicional de rap ao vivo, benji price apresentou-se com banda no mesmo palco. João Ferreira é, sem sombra de dúvida, um dos artistas que mais marcaram o hip hop e a música contemporânea portuguesa nos últimos cinco anos. 

Em palco, apresentou os temas do seu primeiro disco a solo, o multifacetado ígneo, mas também a sua parte de algumas das faixas do álbum marcante que lançou em 2020 com o companheiro ProfJam, System. Com noções musicais muito acima da média no que diz respeito ao rap português, benji price e a sua talentosa banda adaptaram de forma exemplar os beats de cariz mais digital para arranjos acústicos. Claro que perdem alguma força dos graves, mas ganham musicalidade e corpo de outra forma — e este equilíbrio raramente é tão bem orquestrado como na performance a que assistimos esta sexta-feira.

Além de ser um excelente produtor, a escrita de benji price é, como sabemos, uma das suas grandes qualidades. Desde que se apresentou com algumas faixas soltas na saudosa Think Music que João Ferreira provou a sua originalidade e talento na hora de cuspir para o microfone. Ainda que por vezes seja difícil replicar os flows bastante palavrosos — tal é a velocidade atingida em disco –, benji price conseguiu sempre sair por cima e mostrar que também pode ser um animal de microfone ao vivo, mantendo sempre o seu registo tranquilo. Felizmente, não dispensou a presença de convidados como 9 Miller, Mike El Nite e xtinto, que vieram interpretar os versos que imortalizaram em ígneo. Mais uma vitória de benji price no campo da música.

– Ricardo Farinha



[CAPICUA]

Pela correria entre palcos e overlapping de concertos, apanhámos Capicua in media res, a contar todos os seus contos para uma sala cheia de fãs devotos, que cantavam “Gaudí” a plenos pulmões (e que nem ninfas do Tejo). Ainda dentro do tema, no palco podia ver-se uma pérola gigante, literal, e outras, figurativas, como é o caso de Johnny Virtus, membro da sua banda, que também é constituída por nomes como Inês Malheiro e Joana Raquel nas vozes de apoio. Esta equipa de luxo acompanhou a cantora ao longo de alguns dos temas preferidos dos fãs, como é o caso de “Fumo Denso”, que desta vez levou com um twist: dando um shoutout a Sara Tavares, apresentou a música com um ritmo mais afro, que puxou qualquer pessoa para dançar, contribuindo para a boa atmosfera sentida naquele palco secundário. 

Seguiu-se aquele que destacamos como um dos momentos mais altos daquilo que vimos: Capicua declamou, a capella, a sua bonita faixa “Alfazema”, que tem sempre um cunho extremamente motivacional e empoderador para quem a escuta realmente: “Contradições nascem com tradições opressivas/ Como lições para sermos fracas e reprimidas/ Sem auto-estima postas de lado como um talher/Não foi p’ra isso que nasci uma mulher”. Palavras de levarem às lágrimas, pela verdade que carregam.

Continuando numa linha feminista, e que sorte temos de testemunhar isso nestes espetáculos, a rapper apresentou o tema “Maria Capaz” e ainda, noutro momento surpreendente, a sua canção “Egotrípico”, que rimou inicialmente sobre o instrumental de “Humble”, tema de Kendrick Lamar.

Questionando-se “onde estão as mulheres livres?” e recebendo, felizmente, um eco de vozes no feminino, Ana Fernandes apresentou ainda “Mão Pesada” e preparou as marés para a aparição de uma sereia muito especial: Lena D’Água, com uma coroa de flores na cabeça e atitude de esfinge, que cantou a melódica faixa “Último Mergulho” numa faixa dedicada “a todas as sereias presentes aqui hoje”.

Capicua não quis terminar sem antes dar uma palavra de apreciação e força a todos os “guerreiros da cultura, pois foram anos difíceis para eles”, aproximando-se assim da recta final do concerto, que pretendia também celebrar os 10 anos do seu primeiro álbum, homónimo, editado em 2012. 

A “guerrilha cor-de-rosa” esteve, de facto, presente e fez-se ouvir, em alto e bom som, relembrando-nos do refrescante que é ouvir rap no feminino que agita as águas, mas que também as navega de vento em popa, destemido, decidido e fresco.

– Beatriz Freitas



[DABABY]

Depois de um espectáculo verdadeiramente estonteante de C. Tangana, era a vez de DaBaby — que, de alguma forma, acabava por partilhar com o espanhol o estatuto de cabeça de cartaz — subir ao palco da Altice Arena. Isso acabou por demorar 45 minutos a acontecer. A fórmula não é nova nem nos surpreendeu particularmente. À meia-noite, hora marcada, o DJ do rapper americano começou a lançar singles de trap num set morno — primeiro, sem qualquer aviso à navegação; depois, a puxar activamente pelo público, para que a plateia estivesse quente o suficiente para receber o autor de BLAME IT ON BABY.

DaBaby apareceu, então, em palco para aquilo que temíamos: uma actuação genérica, sem alma nem cuidado, baseada no apelo constante aos moshpits, com recurso quase criminalmente excessivo ao uso de máquinas de fumo e efeitos de pirotecnia. Nada contra a energia em ebulição sentida no meio de uma multidão envolvida por música visceral. Mas quando toda a performance do artista é focada nisso, não resta mais nada.

Bem perto do público, Jonathan Kirk foi tocando os seus hits, um atrás do outro, perdidos entre os apelos ininterruptos do DJ, os ad-libs desnecessários, o ruído desastroso e imperceptível em que os versos eram entregues. Ficou ainda demonstrado que o rapper não terá sido essencial para vender bilhetes para o Super Bock Super Rock deste ano — à meia-noite, a Altice Arena estava com um público bastante reduzido. A plateia foi enchendo progressivamente, mas, quando DaBaby entrou em cena, foi-se esvaziando aos poucos — com excepção para as filas da frente que, suspeitamos, vibrariam tanto ou mais com qualquer outro rapper do género de DaBaby.

Haver uma aposta nos grandes nomes do hip hop, que durante tanto tempo não tinham expressão nos cartazes dos festivais de música portugueses, é obviamente muito importante. Sempre o defendemos veementemente nesta casa e foi uma conquista. Mas convém que não se ponha no mesmo saco Kendrick Lamar, Travis Scott, A$AP Rocky, Future ou DaBaby. Jogam em ligas completamente diferentes e o critério não pode ser apenas os números.

– Ricardo Farinha


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