Gonçalo Santos tem 23 anos, vem de Sacavém e é licenciado em Marketing e Publicidade. Para o mundo do rap, porém, é Santos, Só. Esse mundo chegou-lhe de uma maneira improvável, mas talvez comum: durante uma aula de TIC, aos 11 anos, descobriu Eminem e apaixonou-se pelas cadências e flows (não que na altura soubesse que tinham este nome). Rapidamente passou para a escrita e para as rimas, ainda que o rap em si, pelo menos de forma mais séria, lhe tenha chegado mais tarde.
Quando questionado sobre o porquê do nome e da sua mudança — inicialmente, assinava apenas como Santos —, revela-nos que marca uma importante transição na sua carreira. É um ponto de mudança, de ganho de maturidade enquanto artista e o início de uma nova forma de olhar e construir a sua obra e legado.
O “Só” que acrescentou ao seu nome vem do advérbio que também pode significar “apenas” ou “somente”. E não tem a ver com solidão — aliás, os leitores poderão perceber pela entrevista abaixo que esta é uma caminhada com mais peregrinos —, trata-se apenas de mais uma camada daquilo que o constrói enquanto artista: a honestidade. Santos é um dos seus nomes próprios e é, também, o nome pelo qual os amigos mais próximos o tratam. Por isso, ao final do dia, depois de concertos no Musicbox, sessões de estúdio com alguns nomes da praça do rap tuga e o reconhecimento dos seus pares, ele continuará a ser a mesma pessoa. É o Santos, Só. E é sobre ele e as suas perspectivas que assentará sempre a pena da sua caneta.
Quando começaste a escrever, quais foram as tuas primeiras influências?
Diria que Eminem e Valete numa fase inicial, o Slow J também, mas já mais à frente. Acho que mencionar o Sam The Kid é inevitável e também existem o J. Cole e o Kendrick Lamar. Numa fase em que já estava mesmo a fazer música, também diria que o X-Tense e o Joyner Lucas foram influência. E há um rapper que tenho mesmo que mencionar! Chama-se Witt Lowry!
E como é que achas que essas influências se refletem na música que tu fazes?
Acho que se reflete por uma característica que todos têm em comum: a rawness, a autenticidade na escrita. Acho que todos eles têm aquela cena consciente. Acho que todos têm aquela cena de perspectiva, de expressão, de escreverem muito sobre o que sentem e o que vêem. Considero que isso também se reflete no meu rap. Tudo o que faço é, no fundo e conceptualmente, uma perspectiva sobre algo. Dando o exemplo dos três singles que já lancei, para mim o “osciLAR” é a uma perspectiva sobre a instabilidade. O “Árvore Pt. 1” é uma perspectiva sobre crescimento pessoal, associando isso de forma metafórica ao crescimento de uma árvore; e o “Nada a Apontar”, o meu single mais recente, é uma perspectiva sobre amor platónico.
Podes falar-nos um pouco sobre a mudança de nome e o seu motivo? Porquê o “Só”?
Eu tenho na biografia do Spotify a definição de “só”, porque o “só” pode vir de “sozinho”, mas, no meu caso, é mesmo no sentido de “apenas” ou “somente”. Tem a ver com singularidade, com o facto de eu ser, de facto, apenas “isto”. E não vem de uma cena redutora, mas sim de uma ideia de simplicidade. A mudança foi algo que fazia sentido. Dantes assinava apenas Santos e decidi acrescentar o “só” como se fosse um upgrade, uma versão mais madura. Eu gosto de ver o “só” como algo que acrescenta um valor descritivo ao meu nome artístico e significa simplicidade e honestidade. Papo reto, sem rodeios, sou só isto.
Em 2024 lançaste o teu primeiro single, “osciLAR”, que criou algum buzz e te trouxe alguma atenção. Como é que viste o lançamento desta faixa e que impacto sentes que teve?
Acho que, para a minha realidade, correu bem. Mas também não sinto que tenha sido assim aquele breakout single que pôs toda a gente a perguntar “quem é este chavalo?” Senti que, se calhar, no meio, sim, trouxe-me alguma atenção. Considero que foi positivo e gratificante, lancei um som e de repente já se falava em poder dar concertos no Musicbox e tal. Já tinha lançado aquela cena no beat do “Mata a Saudade” no meu Instagram, que sinto que para a minha realidade também gerou algum buzz, mas poder ter esse tipo de feedback numa música foi muito especial. Foi o meu single de apresentação, perdi mesmo bué tempo a reescrever o som, foi uma música que desenhei mesmo para ser o meu single de apresentação, é um som que sinto mesmo que me representa e fiquei bué feliz com a receção e feedback que a faixa teve.
Quais consideras ser os momentos mais marcantes da tua carreira até ao momento?
Sem dúvida ter aparecido na revista da Hip-Hop a La Carte, é um momento que tenho que mencionar. Diria também o concerto no Musicbox, que foi o meu primeiro concerto em nome próprio. Correndo o risco de soar demasiado a fã, acho que receber props do Sam [The Kid] também tem que ser dito. Acho que qualquer rapper que leve props do Sam tem que dizer isto. E ainda por cima foi publicamente! Apesar dele se ter esquecido do meu nome [risos]. Pá, e não é bem um momento, mas diria que toda esta jornada, a malta que ’tou a conhecer, os amigos que estou a fazer, também tem sido marcante para a carreira que estou a construir. E ainda te posso enumerar aqui mais um: na altura, a minha mudança de nome veio de uma conversa com o Tiago Policarpo [colaborador habitual nos videoclipes] que me fez mudar um bocado o chip. Acho que essa conversa também é um momento muito marcante para a minha carreira.
Qual a importância, e principalmente nesta fase inicial da carreira, que a tua equipa tem para ti?
A minha equipa, na verdade, tem muitas peças. O Tiago Policarpo é alguém que trabalha comigo estruturalmente e em todos os níveis da visão que estamos a tentar concretizar. Gravou dois dos meus videoclipes e trabalha muita daquela que é a minha linguagem visual. Costumamos brincar a dizer que somos o manager um do outro. Mas também é importante mencionar nomes como o do Henrique Delgado, o meu melhor amigo, que é daquelas pessoas com quem partilho sempre os meus sons e cujo feedback é bastante importante. A minha relação com o Jayess, o meu back vocalist em concerto, também é muito próxima. E temos, claro, o Mike Check. Todos são peças muito importantes. Eu gosto de ter esta estrutura, e na verdade trata-se de uma estrutura, mas eu prefiro ver a cena como uma amizade em que estamos lá uns para os outros e nos ajudamos a crescer mutuamente. É muito importante poderes trabalhar com pessoas que te conhecem, partilham da mesma visão do que tu e entendem o que estás a fazer. Todos os artistas no mundo, aliás, todas as pessoas no mundo vão ter dúvidas, vão bater crânio, e então é importante teres alguém com quem partilhar.
Mencionaste o teu concerto no Musicbox, o teu primeiro concerto em nome próprio e numa sala importante. Como é que te sentiste em palco?
Bué nervoso [risos]. Mas correu bem! Passou depois do primeiro som [risos]. Foi uma sensação bué boa. Tinhas os meus amigos a assistir, tinha ensaiado bué e pude contar com o Jayess a dar aquele apoio no palco. Foi uma adrenalina muito fixe. Estava nervoso, sim, mas foi uma sensação muito boa.
Lançaste recentemente o teu terceiro single, o “Nada a Apontar”. Podes falar-nos um pouco sobre esta faixa?
Acho que todos os singles que lancei até agora têm sido um pouco diferentes uns dos outros, mas também têm coisas em comum. Todos têm aquela smoothness. Mas considero que este é o single que se diferencia mais até ao momento e, aliás, dentro do meu projeto é aquele som que sai assim um bocadinho mais fora da caixa. Vejo este lançamento como algo que acrescenta ao que tenho estado a fazer e a lançar e é uma outra faceta que eu sentia querer mostrar. Este som tem bué factos curiosos, mesmo bués [risos]. Posso adiantar-te aqui alguns engraçados: para começar, este som surge por causa de uma conversa com o Henrique, o meu melhor amigo. Tivemos uma conversa daquelas sobre aquilo da incompatibilidade amorosa, que é um pouco a temática desta música. Assim que acabámos a conversa, disse-lhe logo que o próximo som que ia escrever ia ser sobre aquilo. Pá, nesta altura, eu e o L-ALI já estávamos a falar e eu já estava a trabalhar algumas ideias em beats dele. Depois, no dia em que me despedi do trabalho… Eu acabo de me despedir e de ter a conversa com a minha chefe por volta das 17h, às 17h30 o L-ALI manda-me um beat, às 18h eu chego a casa e passado duas horas mandei-lhe o refrão deste som. Uns dias depois, voltei a pegar na cena e fechei a música. Deve ter sido a faixa que fechei mais rapidamente. Outra particularidade é que eu fiz um segundo verso para este som que acabou por não ficar. Senti que o feeling que tinha quando escrevi a música pela primeira vez, acabado de ter aquela conversa, já não era o sítio em que estava a minha cabeça e então não estava natural. E a última curiosidade que te posso dar, só para fechar, é que este som sampla a JÜRA, portanto, foi logo mais responsabilidade [risos].
O que é que podemos esperar de um projeto de Santos, Só quando for lançado e o que é que gostarias de mostrar e trazer para o público quando isso acontecer?
Quero trazer algo conceptual e que mostre, sempre, a minha perspectiva. Esse é o meu foco. É isso que quero trazer e é isso que podem esperar. Quero que seja um projeto que faça o ouvinte sentir coisas, algo smooth e envolvente. O conceito do projeto é algo ligado à superstição e mesmo os singles que tenho lançado vão fazer mais sentido quando sair a cena completa. Os pontos vão ligar [risos]. Resumidamente, podem esperar vibes, bom rap e um Santos mais maduro.