[TEXTO] Rui Correia
Por estes dias, qualquer matéria lançada nos murais das redes sociais só é merecedora de atenção se tiver uma menção a Kanye West (bem, Childish Gambino também serve). Não me resta, portanto, alternativa: devo dirigir esta crítica a Deus, ou seja Yeezy, na esperança de que possa ser mencionado na rede social de Deus, ou seja o Twitter (o que não irá acontecer). Uma carta aberta para Deus a.k.a. Kanye West (repeti conscientemente a palavra “Deus” e as palavras “Kanye” e “West” porque estamos em 2018 e repetir palavras parece ser fórmula para transformar vontade em verdade). Oxalá me possa dirigir a Kanye West na 2ª pessoa do singular. Aqui vai:
Caro Kanye West,
Provavelmente, não irás ler esta mensagem, mas julgo que deverias acolher, ou seja partilhar no teu Twitter, o álbum CARE FOR ME do Saba, um dos filhos pródigos da tua cidade querida: Chicago. Um dia, ele poderá representar tudo aquilo que tu (ainda) representas. Falo da confiança em acreditar no mérito pessoal e profissional. Ser-se criativamente independente, ser-se o melhor que é possível com as capacidades que se tem. E o Saba é isso. Musicalmente falando, é mestre de si próprio, tal como tu: comanda a escrita e a produção na companhia de uma restrita equipa — daedaePIVOT e Daoud na concepção sonora; Chance the Rapper, Kaina e theMIND nas participações vocais — para se expressar de uma forma exponencialmente emocional. Não é para menos. Como bem saberás, a perda de alguém próximo leva-nos ao lamento, ao luto, um processo pelo qual Saba passou no último ano com a morte do primo e amigo próximo Walter Long, Jr. a.k.a. John Walt. Mas de lá, tal como te aconteceu, saiu uma peça de música revivalista como o 808’s & Heartbreaks. Já lá vão 10 anos, mas não se esquece. Ainda mais ouvindo este CARE FOR ME. Mais que um momento de mudança, é um momento de crescimento: Saba recorre ao seu íntimo para se expressar ao exterior com um extenso vocabulário da vida. Uma vida curta de 23 primaveras contadas, com histórias sem moralismos, entre anjos e demónios, como em “LIFE” — fiquei a pensar em My Dark Twisted Fantasy — entre movimentações jazz e soul, os flows demonstrados em “GREY”, por exemplo, fazem-me recordar um álbum, o Section .80 de Kendrick Lamar. Não, não me queria desviar de falar em ti, Kanye West, mas havemos de concordar que vivemos num planeta hiphopiano habitado por vários deuses. Mas contentar-me-ia em concordarmos em discordar deste assunto (juro que entendo, se tiveres de ser o único).
Estes 10 temas de CARE FOR ME são de uma consistência inabalável. Facto que acompanha muitos dos trabalhos da nova geração de artistas de Chicago: Noname, Chance The Rapper ou Vic Mensa, só para nomear alguns. Alguns desses abraçados já por ti, Yeezy. Só te ficaria bem dar a mão a mais um artista local. Local a querer ser global. Algo que os ensinaste a todos. A minha carta de motivação não acaba aqui, Ye. Estamos perante um caso muito sério no preenchido universo musical norte-americano. Nem te peço para ouvires o álbum todo (sei-te ocupado — um “free thinker” está permanente ocupado a correr atrás dos seus próprios pensamentos…), mas se não ficares convencido logo no arranque com “BUSY /SIRENS”, nunca mais escreverei sobre música. Dá-me um sinal da tua aprovação, Kanye.
Atentamente,
Rui Correia