pub

Fotografia: Jo Marie Brent
Publicado a: 04/10/2023

The Entertainer em carne e osso.

Rossana: “O meu trabalho é fornecer alívio momentâneo às pessoas”

Fotografia: Jo Marie Brent
Publicado a: 04/10/2023

Em 2019, com o single “Melrose”, Inês Barroso apresentou ao mundo o seu alter-ego: Rossana

Desde aí, a presença da artista na música portuguesa tem sido praticamente constante, com lançamentos de vários feitios a embelezarem um universo onde tanto cabem melodias da canção tradicional portuguesa, experiências de eletrónica, e muito jazz, funk e soul. 

A dividir o seu tempo entre Londres e Portugal, Rossana lançou em julho passado o seu longa-duração de estreia, The Entertainer (edição BAIT Records), um disco conceptual onde explora a relação do artista com a sua criação e como esta se consegue relacionar com o espectador. Pelo meio, os arranjos são arrojados, a veia composicional usada como carta de apresentação, a voz belíssima de Inês a capturar-nos a imaginação como se estivéssemos no interior de um club num film noir. Se a ambiência parece a ideal, é porque provavelmente o é.

Após uma série de datas pelo Reino Unido, a artista regressa a Lisboa esta quinta-feira, 5 de outubro, para apresentar The Entertainer, lado-a-lado com a sua banda, e acompanhada pelos Mordo Mia, banda lisboeta que este ano se estreou com o mui-curioso Sente-se Primeiro. Antes disso, o Rimas e Batidas foi dividir uma tosta com Inês para falar sobre o seu percurso até ao momento, saber mais sobre a criação de The Entertainer, e refletir sobre como é navegar uma cena musical tão diversa como a londrina.



Desde 2019 que tens lançado uma série de coisas sob o nome de Rossana, com cada lançamento teu a incorporar sonoridades e experimentações diferentes. No Ao Deus Dará e na “Lobo Rouco [com Ana Lua Caiano], exploraste melodias da canção tradicional portuguesa, num single como a “G E T F A M I L I A R” exploraste trip hop e eletrónica, no Rossana’s Little Box of Feelings The Entertainer, soul, funk, pós-punk… Enfim, muita coisa. Como todos estes mundos coexistem no universo da Rossana?

Acho que o processo vai por ordem de lançamento e por isso tem alguma lógica, apesar de quem olha para o perfil pode parecer um bocadinho eclético demais e não é, de todo. O primeiro EP, por exemplo, [Rossana’s Little Box of Feelings] é resultado direto de ter ido para Londres, ou seja, de ser influenciada apor aquilo que estava a viver e a ver, e tudo a ser falado em inglês. E esse primeiro EP é uma coisa muito pessoal, é quase um desabafo. Por exemplo, a “Melrose”, há pessoas que a vêem como uma canção de amor, mas não é bem. É uma canção reminiscente ao sentimento do amor, e de sentires falta de alguém, e depois todas as outras que se seguiram são canções que eu vivi ou histórias de outros que achei que podiam ser retratadas em música, ou então mesmo só coisas que eu senti ou que sentia presentemente. Depois, saltei diretamente disso, veio a pandemia, e com a pandemia vim fazer um pequeno retiro para Portugal. Aí, comecei uma conversa com uma professora minha de infância, que me ensinou muito, e lembrei-me de lhe pedir uma ou duas músicas que cantávamos no coro e comecei a reparar que havia um fio condutor em que estava cada vez mais interessada em explorar a parte tradicional. E já que tinha acabado de fazer um EP em inglês, pensei, “porque não experimentar o português?” E ele [Ao Deus Dará] demorou muito tempo a sair porque eu ia lançar assim um bocadinho às três pancadas, como eu costumo ser, mas depois um amigo meu apresentou-me a uma malta de Santa Maria da Feira e disse para trabalhar com eles, e acabei a fazer uma residência com eles. Foi aí que comecei a pegar no adufe e a perceber que havia muita coisa a fazer com o tradicional ou, pelo menos, ter um projeto em que as pessoas também pudessem ver essa vertente e que eu pudesse também levar para Londres. Eu fiquei muito apreensiva quando levei o projeto para Londres, e quando o apresentamos lá, a reação foi exatamente o contrário do que eu esperava: as pessoas ficaram muito interessadas. Portanto, essa fase correu muito bem. Agora, músicas como a “G E T F A M I L I A R” ou a “Gandaia” [incluída na compilação da BAIT Records, Desconfinamento], mais eletrónicas… Eu gosto muito de música eletrónica e quando me dou à produção, gosto de experimentar esse tipo de coisas. Acho que também merecem ser lançadas, mesmo que não tenham assim grande propósito e apareçam assim um bocado à toa no feed das pessoas. Gosto muito desse tipo de playing around. E o The Entertainer é o culminar de três anos a fazer canções. São canções que já ando a tocar já desde 2021 ou 2020 e acabei por juntá-las todas nesta compilação, que na realidade, representa a razão pela qual comecei a fazer música. Eu estou aqui para dar espetáculo, no sentido de eu estou aqui para dar ar fresco às pessoas quando elas vão [ver-me]. Depois de elas saírem do meu concerto, a vida continua, mas pelo menos durante aquela horinha em que me estão a ver, é este o universo onde elas entram e essa, para mim, é a minha maior função. O meu trabalho é fornecer alívio momentâneo às pessoas, diria eu.

Isso acaba por ser o enredo por trás do The Entertainer. Apesar de ser um disco trabalhado ao longo destes três anos, e ao qual referes como uma compilação, soa-me muito concetual ao explorar essa relação do artista com o público e do que é pretendido ser transmitido com uma dada obra.

Exatamente. Aliás, aí entra um bocado a ideia da marionete, do puppet. Quando reparei que todas estas canções que tinha, ou seja, as nove faixas do álbum, tinham um fio condutor entre elas porque todas elas foram escritas sobre a minha perspetiva da pessoa que é Rossana. Tanto que às vezes, dependendo do dia do concerto, chego a palco e digo que o meu nome é Inês, mas que em palco sou Rossana. A verdade é que a Rossana é um bocado uma personagem e senti que estas músicas podiam ser todas englobadas dentro da mesma linha de que isto é tudo o que vejo no meu universo, isto é o meu ponto de partida, o meu trabalho. É isto que eu quero mostrar. E como eu também não gosto muito de estar sempre a dar a minha cara para dar promoção para tudo, porque não foi esse o tipo de coisa a que eu fui habituada, arranjei este escape que é o puppet, que na verdade sou eu, mas que é uma extensão de mim. É essa extensão de mim que escreve esta quantidade de músicas que se ligam pelo facto de serem parte da minha experiência nos últimos três anos e daquilo que acho que é o meu trabalho e a minha função que ajuda a sociedade. É a única forma com que sei que posso ajudar. Fazer música e criar histórias e universos onde as pessoas possam entrar durante um bocado e tirar as suas conclusões. 

Este The Entertainer é um projeto ambicioso, tanto no cenário que pintas em cada música — é muito noir — mas também a nível das composições. As canções são complexas. Como decorreu a criação deste disco, sendo que foi um processo que durou ao longo dos últimos três anos?

Acho que uma boa maneira de pôr as coisas é que eu quase nem dei por isso. É preciso ter em conta que isto é o meu primeiro álbum, ou seja, houve muitas restrições, não só a nível de experiência a gravar em estúdio, mas também da maneira que as canções foram escritas. As canções não foram escritas com o conceito logo à partida, foram escritas individualmente. A “Regulars”, por exemplo, foi uma história que vi ao vivo, guardei-a, e depois pensei que podíamos tentar incluí-la neste álbum. E obviamente que fui elaborando as canções com a banda. Tanto eu como eles íamos trazendo coisas novas para acrescentar, e tudo acabou por ser um processo algo extenso, mas necessário para conseguir criar dentro de cada música um universo tão específico, como é o caso da “Gentleman’s Club”, em que me desafiei a escrever uma música em três atos. E a gravação do álbum em si foi longa. Decorreu entre fevereiro e dezembro do mesmo ano e foi sendo muito espaçada, porque era à medida que surgia disponibilidade e orçamento, porque é preciso ter em conta que somos independentes. As coisas demoram sempre mais um bocadinho mais quando estamos nessa situação. Mas é um alívio ver este disco cá fora por vários motivos. Achei que era a altura certa para o meter cá fora antes que me desassociasse completamente dele, se isto fizer sentido. Porque também já se passou tanto tempo que–

Achas que existe um elemento de separação entre a Rossana que escreveu as canções e quem és agora? Já não te relacionas tanto com as canções?

Não é o caso, por exemplo, da “The Entertainer”. Essa canção é, e por isso é que é o título e a primeira canção do disco, uma representação do meu trabalho. É das poucas músicas que mesmo que eu toque, toque e toque, ou mesmo que, se calhar, emocionalmente me vá distanciando, nunca me vou distanciar de propósito e não me parece que alguma vez vá mudar a minha perspetiva sobre esta vertente de Rossana. Se daqui a dez anos Rossana estiver a fazer música experimental com synths modulares, a base vai ser esta na mesma. O resto, não é que me tenha completelly detached, não é isso, porque todas elas me dizem muito, mas há músicas que se calhar as vou retrabalhando, e se calhar é porque ao vivo as toco sempre de forma ligeiramente diferente, que é para poder ter sempre uma sensação nova e as pessoas também saberem que o que estão a ouvir naquele momento é novo e único. É uma experiência que levam para casa porque não vão voltar a ouvir aquelas canções daquela forma. Portanto, de certa forma, sim, já me distanciei um bocadinho das canções do álbum, mas é uma distância saudável, como tem de ser com qualquer artista quando lanças uma coisa em que estás a trabalhar há anos. Entretanto, vêm mais coisas, mais mentalidades, mais experiências, e tu começas a montar outras coisas na tua cabeça enquanto ainda estás a terminar estas. Portanto, não é uma separação, é um divórcio amigável que está a ocorrer ao longo do tempo, mas que ainda está muito presente. Ainda vou tocar no Musicbox e estou muito entusiasmada por finalmente tocar a “Irrational Fears”, a “Predator” ou a “Seaside Baby”, que são músicas que toco em Londres e são sempre bem recebidas, mas que ainda não tive a oportunidade de as tocar em Portugal porque nunca me pareciam muito bem no set. É engraçado, da mesma forma que eu tenho um bocado o receio de levar coisas em português para Londres, aqui tenho um bocado de receio de trazer coisas em inglês, porque tenho o medo de que as pessoas não as recebam bem. Mas depois as pessoas acabam por as receber sempre de braços abertos [risos].

Sentes que existiu da tua parte uma gestão de expectativas de como é que as canções podiam ser recebidas? E até da tua parte, de as ouvir completas.

Eu sou muito do momento e é por isso que trabalho com uma equipa muito específica de pessoas, muito reduzida, nomeadamente, o Luís [Pita], que é o meu manager e parceiro na vida pessoal, que tem acima de tudo a função insubstituível, e pela qual não conseguiria trabalhar da maneira que trabalho, em insistir que eu trabalhe mais um bocadinho nas coisas. Porque se fosse por mim, eu faria uma alteração, ouço uma, duas, mas à terceira já estou farta e quero lançar e eu ainda não estou ciente do potencial total da música. É aí que entra o Luís, que entra a banda, as pessoas próximas de mim, que me relembram que as coisas precisam às vezes de mais tempo. Isso é uma grande ajuda porque eu às vezes sou apressada. Mas isto é engraçado, porque eu ao mesmo tempo não tenho pressa nenhuma de chegar a algum sítio, porque sei que estou a fazer o meu caminho. Isto é uma coisa com a qual agora, para os próximos projetos, já estou a aprender a lidar e vou ser muito mais cuidadosa, muito mais demorada. Vou estudar as coisas, saber o que quero exatamente. Mas a nível de gestão de expectativas, para as músicas, houve sem dúvida algumas músicas que, quando ouvi o álbum na totalidade, fiquei a pensar que havia muitas coisas que se calhar faria de forma diferente, mas ao mesmo tempo, honestamente, não lhe tocava outra vez. Era preciso ser lançado na altura que foi. Se ficasse ali mais um bocadinho a remoer, eu nunca mais o ia lançar. Portanto, a gestão de expectativas foi um bocadinho um trabalho entre mim e a minha equipa, nomeadamente entre mim e o Luís, para percebermos o que realmente tinha de ser reajustado e o que já estava feito. Acho que as pessoas conseguem perceber isso. Portanto, a gestão das expectativas perante as pessoas receberem essas músicas também se mede um bocadinho por isso. Se estou um bocadinho incerta e vou para palco com um arranjo em que nem eu própria estou confiante, por mais confiança que mostre em palco, as pessoas vão perceber. O público não é parvo. E eu recuso-me a ir para palco com alguma coisa que… Uma coisa é ir com um arranjo ou outro que quero experimentar em palco. Isso é diferente. Agora ir para palco sabendo que não estou satisfeita com “isto” ou “aquilo”? Vai mudar completamente a expectativa da audiência e, lá está, eu sou entertainer, esse é o meu trabalho. O meu trabalho é providenciar o melhor espetáculo possível, ajustado aos meus padrões. Portanto, para mim, em cada espetáculo, as músicas têm de estar escolhidas a dedo, ensaiadas a dedo, que é para ser sempre o melhor possível e as pessoas, quando ouvirem, ficarem logo recetivas ao resto. 

Aquilo que me estás a descrever… podia dizer teatro, mas lembra-me um circo.

Hum! Eu fiz teatro para aí durante uns cinco anos quando era mais nova. Não foi nada de muito sério, não era nada que eu dissesse que me moldou a nível artístico, mas a partir do momento que comecei a fazer teatro fiquei extrovertida. Não me lembro da minha vida sem música ou sem artes performativas. Portanto, toda essa vertente, a parte teatral da personagem da Rossana, para mim é muito importante. Na minha ótica, quando as pessoas vão ver um espetáculo, as pessoas querem ser animadas. E podem ser animadas com música triste, that’s fine! Mas as pessoas querem ser entretidas e as pessoas estão a pagar dinheiro — ou às vezes não — para te irem ver. Ou seja, se esse é o teu trabalho, tens de ter em mente que tudo o que tens na cabeça tem de ser posto à parte pelas necessidades do público primeiro. Tens de garantir que eles têm uma boa experiência, mesmo que não gostem da música. Não me importo que as pessoas saiam do concerto a dizer que não gostaram muito porque ao menos disseram alguma coisa. O meu maior medo é as pessoas saírem do concerto com uma impressão neutra. Isso é mesmo aquilo–

Podem gostar ou não, mas ficar indiferente é péssimo.

Exatamente. Portanto, podem adorar ou podem detestar. Agora, aquela indiferença? Para mim, é a minha maior insegurança artística, sem dúvida.



Há uma canção tua que adoro, a “Luto ao Pombo“. Como surgiu?

O meu método de escrever é muito frio. Não escrevo por inspiração divina. Eu sento-me e digo que vou escrever e fico a pensar sobre o que gosto, o que se está a passar. Às vezes, alguém diz uma palavra e eu fico “Yo, essa palavra é muito louca” [risos], e roubo a palavra, de onde surge depois uma quantidade de puzzles. É muito giro. Mas a “Luto ao Pombo” surgiu quando eu estava em Évora e vi um pombo morto e quando me sentei… Estás a ver quando ficas assim dez segundos e de repente, pumba, caderno? E sai e sai. E às tantas estava a ver palavras específicas, a ver se fazia tudo junto, e comecei a ver aquilo a formar-se. Depois, fui buscar os meus avós, porque eles conheceram-se no teatro e sempre foram pessoas de cidade, do centro de Lisboa, e eu cresci com o meu avô a contar-me contos de tudo e mais alguma coisa. E lembrei-me que aquilo era um tema em que podia dizer ao meu avô para escrever alguma coisa e mandei-lhe a letra. Ele lá escreveu um poema e foi uma experiência super gira ir lá a casa gravá-los. Eles achavam que estavam num ambiente mega profissional, mas eu só levei a minha interface e um microfonezinho. Foi uma música escrita muito repentinamente e as ideias acabaram por vir só pela direção que escolhi dar-lhe. Podia ter escolhido fazer uma música um bocadinho mais triste e lamentosa, mas achei que não fazia sentido. Então fiz-lhe uma marcha fúnebre. Aquele pombo não morreu em vão! 

Marcha fúnebre do punk.

[Risos] Sim, depois acabou por se tornar algo assim. Inicialmente o baixo, por exemplo, era clean, mas depois comecei a pensar em adicionar distorção para ver como ficava. Depois, quem masterizou esse som foi o Metamito, e ele também ajudou muito com efeitos para conseguir sacar aqueles sons. Não toco essa canção muitas vezes, verdade seja dita, por questões de logística de set, mas é uma das canções pelas quais tenho mais carinho e para mim é das músicas mais intemporais que tenho. Acho que com o passar dos anos, se calhar há algumas músicas que deixam de fazer tanto sentido para mim ou para os outros, mas a “Luto ao Pombo” — it is what it is. É uma música sobre um pombo morto — eu adoro pombos, acho que são seres fantásticos e que são tratados muito injustamente — e é uma homenagem, uma espécie de marcha animal, em honra de criaturas que não são tantas vezes vistas como deviam [risos]. É um bocado silly, mas da silliness vem muito boa criação, acho eu.

Divides o teu tempo entre Londres e Portugal. Como tem corrido essa aventura?

Muito bem. Não tenho queixas sem ser as queixas normais de quem imigra e está fora há muito tempo. Há muitas coisas que se vão desvanecendo, as ligações que tens, as amizades, e é muito complicado até com a família. É complicado até porque, quando voltas, as pessoas vêem que estás diferente, porque é impossível não estares diferente depois de morares fora, seja onde for. No meu caso, houve mesmo uma grande diferença e se calhar houve muita coisa que ficou mal interpretada, e ao longo do tempo fui aprendendo a lidar com isso, com o facto de que quando volto tenho de me aperceber que as coisas andam na minha vida tal como andam para as pessoas que ficam cá. E isso inclui amigos próximos, família, pessoas que não conheço, a minha audiência. Mas, honestamente, não me vejo a viver de outra forma. A minha casa é sem dúvida em Londres e não me vejo a morar cá tão cedo. Mas Portugal é o meu país e não dá para tirar a print portuguesa que há em nós. Portanto, sempre que faço alguma coisa, como fizemos agora a digressão no Reino Unido, quero trazer um bocadinho disso para cá. Mas não tenho assim grandes intenções de criar um nome gigante em Portugal e durante dois anos tocar em tudo e mais alguma coisa até chegar ao Coliseu. Não é esse o goal artístico que vejo para mim. Isto soa assim um bocadinho hippie, mas é um bocado tocar onde posso. Se sei que vou estar num dado sítio, porque não tentar tocar? Se houver mais uma pessoa a ouvir o projeto, é um win-win. Portanto, é muito essa a minha perspetiva. Como te disse há bocado, não tenho pressa de chegar a grandes patamares. Não é disso que estou à procura. Estou à procura de uma crowd que perceba o que estou a dizer, uma crowd que sinta a música que estou a fazer e que me permita, espero eu, no futuro, viver totalmente de fazer música. Nesse aspeto, sou muito relaxada, até relaxada demais. Mas na minha perspetiva é a única maneira de o fazer.

Curioso, quando falei com a HADESSA há umas semanas, ela dizia-me que se desse um concerto por ano e nesse concerto estivessem X pessoas que entendessem a música dela, já valia a pena.

É isso. Por exemplo, esta tour no Reino Unido foi definitivamente um step up para nós. Era algo que tinha de ser feito. Imagina, em Lisboa eu tenho amigos e família, portanto, fazer concertos em Lisboa é diferente porque tens sempre alguma audiência. Em Londres, também comecei spoiled, porque comecei com a malta da universidade e alguns amigos. Então, quando tocava em Portugal ou Londres, tinha sempre audiência, ou seja, habituas-te a uma certa dinâmica. E achávamos que era não só essencial levar o projeto a outros sítios, como também nos pormos na posição de tocar para muitas poucas pessoas. É preciso fazeres isso e é preciso passares por isso porque isto também é um jogo em que tens de jogar as pecinhas todas e ires passando os níveis. E esta tour foi fantástica. Tivemos uma ou duas datas com 60, 70 pessoas, o que já é muito sólido para quem nunca na vida ouviu o nome de Rossana. Então, o objetivo foi cumprido. Fizemos oito datas e, em cada, pelo menos uma ou duas pessoas ficaram vidradas. Eu tive uma conversa incrível com um mano que sofria muito de ansiedade social e que saiu naquela noite porque gostava muito da rapariga que estava a abrir para mim. Nós tivemos uma conversa incrível para aí de duas horas no Instagram, uma conversa muito aberta, sobre ele ter sentido coisas que já não sentia há muito tempo. Isso para mim valeu a tour inteira e foi logo na primeira data. Portanto, tudo o que veio a seguir foi mais que bem recebido.

E como tem sido navegar a cena musical londrina?

[Risos] Em Londres, como é óbvio, é diferente. Não vale a pena dizer que não é. Também há cenas que enquanto em Lisboa há uma ou outra, em Londres tens 50 ou 60. É um bocadinho difícil de perceber como todas elas funcionam, mas nós encontrámos o nosso espaço. Temos um núcleozinho de artistas e de pessoas que estão muito expostas a ouvir este estilo de música, e de pessoas que fomos conhecendo ao longo dos quatro, cinco anos, que tocamos por lá. Acho que enquanto BAIT [Records], a maneira como fazemos os concertos genuinamente, e não é para gabar nem nada disso, faz diferença em Londres. Cá, se calhar, passava como mais um, mas em Londres faz diferença. Porque o atendimento e a maneira como nós queremos dar plataforma a estes artistas é de uma forma diferente do que se faz por lá, é mais semelhante ao que se faz por cá na tuga. Por exemplo, imagina teres duas ou três bandas a ficar surpreendidas e perplexas de termos fornecido comida. É muito importante tomares conta das pessoas que trabalham contigo e isso não se aplica só às pessoas da nossa equipa. É mesmo tomar conta das pessoas que trabalham towards the same goal. Ou seja, estes artistas que vamos buscar, gostando, nós escolhemo-los porque achamos que estão na mesma linha de pensamento que nós. É isso que estamos a tentar fazer em Londres. É criar aos bocadinhos. Vamos fazendo eventos cada vez mais diferentes, onde variamos localizações — por exemplo, em fevereiro fizemos um concerto numa igreja, que foi uma cena completamente diferente — porque é preciso variar. E neste momento em Londres é impossível sair à noite, está tudo muito caro. Portanto, também não abusamos no preço do bilhete. Estamos a encontrar o nosso lugar e estamos no caminho certo, parece-me.

Regressas ao Musicbox, em Lisboa, quase oito meses depois do teu último concerto lá para apresentar este The Entertainer, onde na altura já tocaste canções deste disco. Que se pode esperar desta noite face àquilo que já revelaste antes?

Isto ia ser uma data puramente para a apresentação do álbum, ou seja, as nove músicas na íntegra. Mas sendo eu como sou e da maneira que sou, não conseguia fazer só isso porque já toquei algumas das músicas cá, seja em fevereiro ou noutras datas, e achei que fazia sentido dar assim um cheirinho do próximo álbum que vou lançar. Quero mostrar assim um bocadinho… Vai ser um espetáculo com uma ambiência um bocadinho mais teatral do que o normal, mas também vou revelar um bocadinho do que vem aí, que é muito diferente do The Entertainer. Portanto, diria que vai ser um show confuso, no melhor dos aspetos. Muito diverso.

Falaste aí já do futuro. O que há daqui para a frente?

Já tenho canções suficientes para outro álbum. Aliás, eu queria saltar já do The Entertainer para um conceito que ia ser o segundo álbum, mas agora vai ser o terceiro porque é um conceito que queria muito trabalhar, mas vai demorar um bocadinho mais tempo. Mas reparei, entretanto, que tinha canções suficientes que não lancei, mas que podiam ser todas incorporadas numa temática. Então agora vamos gastar o resto do ano e um bocadinho do início do próximo ano a gravar isto em condições, com mais tempo e paciência. Portanto, temos aí um álbum a sair, que ainda não tem título, mas será mais uma coisa dentro da onda de uma viagem, porque as músicas que escrevi têm ambiências sonoras que consegues associar a sítios. Portanto, canções não faltam. Agora, é uma questão do Luís me meter na cabeça que também tenho de ter paciência para trabalhar nas coisas, com calma, para as coisas serem lançadas devidamente. Porque, se fosse eu, todos os dias lançava uma coisa qualquer e não é exatamente isso que estou a tentar a fazer. Portanto, tenho de ter calma e pôr aqui o travão. É isso.


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos