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Publicado a: 21/07/2015

Roots Manuva no Citadel Festival: deambulações entre Bronx e Kingston

Publicado a: 21/07/2015

[FOTO] Citadel Festival [Reportagem em Londres]

 

Imaginem que estão no Passeio Marítimo de Algés. No NOS Alive, portanto. Recinto grande q.b., tendas de música em cada extremo e muita gente de um lado para o outro, claro. Agora retirem o belo asfalto daquele espaço à beira-Tejo e substituam por um terreno poeirento, estilo Herdade do Cabeço da Flauta, na Aldeia do Meco, há dois pares de anos durante o Super Bock Super Rock. Adicionem-lhe uns bons sopros de vento e acreditem que, a partir daqui, todo o vosso campo de visão é polvilhado com pó, muito pó. Por fim, tripliquem o espaço bruto do festival onde se encontram. Et voilá, acabaram de tirar a pinta ao Citadel Festival, recreio musical anual que se realiza em Victoria Park, Londres, todos os anos.

A palavra “recreio” tem aqui todo um significado expansivo porque o Citadel não é bem um festival. É mais uma gigante festa YOLO. Há quase uma dezena de tendas de música – bem, uma delas é de stand up comedy -, cada uma com um estilo musical diferente: hip hop e jazz de um lado; indie e pop rock do outro; música do mundo noutro; e até uma tenda igualzinha à do Circo Cardinalli, só que no interior é puro bréu, só se vislumbra uma bola de espelhos e enormes amplificadores reluzentes e escuta-se uma mastigada electronic dance music.

Para além da música, há uma Tequilla Town com um DJ a animar umas poucas dezenas de pessoas com dance music de Ibiza, campos de voleibol, carrosséis, barracas para recarregar a bateria do telemóvel, comes e bebes, voluntários a vender o panfleto-programa do dia por 10 euros (a sério?) e, e… O horizonte perde-se. Há muita poeira no ar e tanto som disperso que os sentidos se confundem. O retrato do festival está feito, o relógio bate as 17.30 horas e na tenda Soundcrash ultimam-se pormenores para a entrada de Roots Manuva em palco, na realidade o artista que me trouxe até aqui.


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Roots Manuva é provavelmente o rapper britânico mais conhecido a nível global e uma importante figura na afirmação da música negra de terras de Sua Majestade. Hoje com 43 anos, Rodney Smith, proveniente de Stockwell, sudoeste de Londres, deu-se primeiro a conhecer enquanto membro do trio IQ Procedure, nos idos de 1994, ano em que editaram o 12” Run Tings. Já com o alter-ego Roots Manuva, começou por lançar o EP Next Type of Motion na Sound of Money, mas só com a estreia do longo Brand New Second Hand, via Big Dada em 1998, é que realmente deu nas vistas no Reino Unido, vendendo cerca de 50 mil discos. E eis que a música negra produzida no reino clama o seu trono e quebra as barreiras da invisibilidade através de um hip hop que se casa com os ritmos do reggae – faz sentido porque Stockwell divide fronteiras com Brixton, zona londrina onde se concentra uma forte comunidade jamaicana, pelo que as influências são óbvias.

Avançando a passo largo para o século XXI, Run Come Save Me, de 2001, salta fronteiras e Manuva é então escutado para lá dos muros britânicos. Daí até 2015 contam-se oito discos de estúdio, quatro EPs e incontáveis singles e participações ao lado de artistas como Lotek HiFi e mais recentemente com Four Tet no EP Facety 2:11. Razões que explicam o porquê de Roots Manuva ser um nome de peso no cartaz de qualquer festival de música no Reino Unido, independentemente de estar (como hoje) num palco secundário.

Tenda adentro contabilizo cerca de duas mil pessoas e duas bolas de praia a saltitar de chapada em chapada. A música arranca – com duas back vocalists, um baixo, um baterista e um DJ – e à minha volta há comunhão social, gente a dormir no chão ou até a ler. No Citadel tudo pode acontecer. Reflexões no final apontam para uma sólida performance geral de Roots Manuva, juízo clarividente de que este não é o ambiente apropriado para uma avaliação coerente sobre o espectáculo. Porque Roots Manuva tem um repertório criativo que merece atenção, palavra que merece ser ouvida, oscilações jamaicanas com hip hop que são inebriantes.


 


Again and Again” é reggae fumado a abrir o concerto. Segue-se um dos mais pulsantes raps do alinhamento, “Join The Dots“. “Let The Spirit” é o entrosamento perfeito com Skitz aqui brilhantemente representado pelas back vocalists. “Witness” é um beat mais eléctrico que solta em definitivo os corpos do público – até então estático, sem corresponder aos incentivos de Roots Manuva. “Get The Get“, certamente razão pela qual muitos se deslocaram ao Soundcrash, conquista em definitivo os presentes com o seu beat acelerado e remisturado vezes sem conta. “Jah Warriors“, regresso a Trenchtown, soltura desmedida entre os resistentes – muitos abandonaram o Soundcrash a meio do espectáculo rumo a outras paragens.

Musicalidade transversal a Bronx e Kingston que se cruza atrevidamente por territórios experimentais. Roots Manuva está a acompanhar os tempos – já leram a entrevista do Alex King? – e as suas equilibradas deambulações estilísticas conferem-lhe uma impressão digital distintiva na cena hip hop do Reino Unido em tempos de grime takeover. O Sol ainda raia lá bem no alto e as temperaturas permanecem abafadoras. Sigo para outros terrenos em busca de uma pint.

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