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Fotografia: Manuel Abelho
Vídeo: Manuel Abelho
Publicado a: 10/09/2020

Há muitas razões para o rapper estar "Bem-Disposto"...

Rony Fuego: “A mistura sempre fez parte da minha vida, sempre me senti atraído por isso”

Fotografia: Manuel Abelho
Vídeo: Manuel Abelho
Publicado a: 10/09/2020

Costuma-se dizer que nos primeiros tempos do hip hop tuga havia uma grande diversidade e identidade em cada rapper, e talvez isso até possa ser verdade, mas no que toca à parte instrumental e sonora nunca houve tanta abertura para experimentar e explorar como agora. Rony Fuego é mais um precursor dessa mistura, numa era em que já não é estranho cruzar cadências afro com rimas — algo que há 10 anos seria certamente visto com olhos muito diferentes.

Com muito esforço e suor, de forma self-made, mixtape atrás de mixtape, single atrás de single, tornou-se um nome mais popular, conquistou algum público e lançou temas que se tornaram sucessos digitais. Recentemente assinou com a Universal Music e está a preparar o primeiro álbum de originais — o mais recente single, “Bem-Disposto”, saiu para as ruas esta quinta-feira, 10 de Setembro.

Pretexto mais do que suficiente para uma entrevista do Rimas e Batidas com Rony Fuego, sobre os seus primeiros passos e contexto, acerca da sua visão artística e aquilo que pode desvendar sobre o esperado disco.



Como é que começaste a fazer música e porquê? Como é que surgiu essa vontade?

Comecei a fazer música em Angola. Era uma cena mais na diversão, com os meus amigos, fazer uns improvisos depois das aulas, não passava disso. E depois quando vim para Portugal, devido a algumas circunstâncias da vida fui para um colégio educativo e foi lá que comecei a fazer a cena mais a sério. Comecei a considerar a música como uma parte de mim. Fazia muito sentido porque era um momento em que conseguia falar comigo mesmo, eram os meus desabafos, e foi com a música que me consegui expressar e conhecer mais pessoas e passar a minha mensagem, a minha verdade.

Que idade é que tinhas quando começaste a fazer música com os teus amigos em Angola?

Tinha para aí uns 14 ou 15 anos. Sempre tive a música ao pé de mim, um gajo é que não percebia. A minha mãe ouvia bué semba, músicas angolanas, o meu tio ouvia 50 Cent e Tupac, eu curtia só que não entendia, era bué inocente. Os meus tios também ouviam música congolesa, coupé décalé, e aquilo também acho que me ajudou em termos de melodias e ritmos. Foi importante ter essa mistura de sons na minha família.

Mas o que é que te puxou mais para o rap? Foi o teu tio que ouvia 50 Cent e Tupac?

Para ser sincero, foram mais os meus amigos. Porque o meu tio ouvia mas não punha em prática. Agora, os meus amigos punham mesmo em prática. Saíam da escola, começavam a beefar-se, tipo RRPL, a estigar-se [risos]. Na altura até criámos um grupo que eram os NBF, New Boys Forever.

Chegaram a fazer músicas?

Sim, mas não as lançámos. Quando vim para Portugal os produtores demoravam bué para mandar as cenas, e só aí é que me mandaram um som e depois publiquei no YouTube, por acaso não sei se ainda está disponível. Se não estiverem lá é porque estão guardados, quem quiser ouvir pode dar a dica e um gajo mostra.

Mas quando vieste para Portugal deixaste de fazer música com esses teus amigos?

Sim, quando cheguei a Portugal, nos primeiros meses, já nem estava a pensar em fazer música porque estavam a acontecer várias cenas na minha vida, eu estava a lidar com coisas diferentes, tinha que me adaptar e graças a Deus consegui. Depois voltei a fazer música e senti que me encontrei, é mesmo isto que quero fazer e sinto-me bem como o estou a fazer. Estou aqui até hoje e é para continuar.

Ainda em Angola, quem eram os nomes que mais ouvias na altura?

Ouvia também bué kuduro, mas era o Kid MC, o MCK, o Extremo Signo, Bruno M, Elenco de Luxo, rappers lá da banda. Os Elenco de Luxo influenciaram-me mesmo bué, eram jovens, tinham dicas dope, duplos sentidos, versos malucos. E depois também o NGA e os Força Suprema. Fizeram parte da minha vida, grande respect. Para mim o NGA foi um professor de rap e vida, que nunca conheci, mas foi através das músicas. Quando eu morava em Angola com o meu primo, ele no PC dele tinha todas as mixtapes do NGA. E eu ia ouvindo. Não ouvia tanto rap americano, porque na altura nem entendia muito bem o inglês, era mais o Lil Wayne, o Busta Rhymes, mas não estava sempre a ouvir.

Que sonoridade é que tinham os NBF?

Era mesmo rap, avacalho [risos]. Tínhamos um bocadinho de tudo. Era mais trap, mas também fazíamos boom bap, alguns afros… porque sempre fiz afros. Quando cheguei a Portugal comecei a lançar bué mixtapes e todas tinham um afro ou uma kizomba, sempre houve uma mistura nas minhas cenas, uma cachupa de letra, uma diversidade, sempre fui atraído por isso.



Apesar de a tua vida ter mudado quando vieste para Portugal, a tua música não mudou por causa disso?

Não, não mudou. Continuei o mesmo, só que fiquei mais maduro, tive que aprender a lidar com várias situações na vida que me foram aparecendo e fizeram-me crescer muito, foi importante.

Quando chegaste cá, começaste logo a fazer música sozinho, ou já trabalhavas com alguém?

Comecei a fazer música sozinho, e depois conheci um amigo, o Dallas, fizemos um grupo que eram os Soulja Gang, lançámos muitos sons. Isso foi para aí durante dois anos, participámos em vários eventos, na Oficina Portátil das Artes, eu devia ter uns 16 ou 17 anos. Depois as coisas também não correram bem, cada um foi para o seu lado, e depois ainda criei outro grupo, eu e mais dois amigos, éramos os Black Gold. Lançámos algumas cenas…

E sempre com essa mistura de sons?

Sempre, sempre. A mistura sempre esteve em qualquer circunstância da minha vida. Quando eu fui para o colégio, foi o momento em que comecei a lidar com muita gente, várias pessoas diferentes, aprendi a conhecer outras culturas, brasileiros, guineenses, cabo-verdianos, de tudo um pouco, e fui-me dando com muita gente e isso foi fixe. Quando estava com os Black Gold, fomos fazendo cenas, mas senti que queria mesmo fazer a minha cena e não estar num grupo. Curto mesmo de meter a minha ideia em prática, e quando vejo que as minhas ideias não estão a ser postas em prática e há alguma dificuldade ou alguma burocracia um gajo começa a desanimar. Então decidi seguir a minha carreira a solo e foi só lançar e lançar. Gravo um som hoje, amanhã gravo o videoclipe e lançava. Nem pensava mais se o people ia curtir ou não, era só lançar o que sentia. Se não sentisse, ficava no baú e logo se via.

Esse momento em que te decidiste lançar a solo, depois da experiência de trabalhares com vários grupos, já foi mais recentemente?

Sim, foi mais recentemente. Foi quando comecei o meu curso de Audiovisuais, em 2017 ou 2018. Decidi mesmo seguir a minha carreira a solo.

Foste estudar Audiovisuais por causa da música?

Sim, chegou a uma altura em que já não queria estudar, mas depois quando fui pesquisar os cursos foi o que me interessou mais, tinha mais a ver comigo e fui realizando os meus próprios videoclipes, o curso deu-me umas dicas fixes e fui fazendo sons sem pensar muito. E quando cheguei cá a Portugal comecei a ver o mercado de cá, a perceber como é que as cenas funcionavam…

Já acompanhavas, seguias os artistas?

Acompanhava mais ou menos, só alguns artistas. Valete, Sam The Kid, alguns dos mais conhecidos. O underground não conhecia assim tanto. Quando cheguei cá percebi que é lixado os produtores terem um tempinho para ti, estarem mesmo focados a gravar as tuas cenas — e mesmo pagando a sessão de estúdio — e o que é que fui fazendo? Fui montando o meu estúdio. Comprei o meu microfone, comprei uma câmara, depois tive umas backs no colégio onde eu estava, havia lá um educador que tinha conhecimentos de música, ofereceu-me uma placa de som e foi a partir daí que comecei mesmo a fazer acontecer. Por isso, a maioria dos sons que fiz foram gravados, montados e editados por mim, com o videoclipe feito por mim.

Criar aqui é muito diferente do que fazer rap em Angola?

É idêntico, o que muda são as condições de trabalho. Em Angola é muito mais difícil lançares um som e cair logo nos ouvidos certos. Aqui há essa probabilidade. Lá, conheço rappers que estão working hard, a bulir bué, mas não têm aquele reconhecimento, e isso até traz alguma tristeza. Mas aqui também há artistas que trabalham bué mas que não têm o reconhecimento que merecem. 



E sentiste que, como há muitos artistas a fazerem rap, é difícil furares e diferenciares-te?

Senti. Lancei quatro mixtapes que estão disponíveis no SoundCloud e sentia que ninguém estava a ouvir. Um gajo está a trabalhar bué e ninguém está a ouvir? Na altura fiquei um bocado em baixo. Depois chegou uma altura, mais em 2017, em que pensei que ia fazer a mesma cena, mesmo que oiçam ou não oiçam. É fazer acontecer e pronto.

E qual é que foi o momento em que percebeste, em que achaste que estava a correr bem, como querias?

Foi com o “#Noscunos”, o “Oh Mariana”, o “Isqueiro”, foi nessa fase em que senti que estava a ser ouvido. Não era muito, mas já havia pessoas a ouvir.

E aconteceu de forma natural e orgânica.

Sim, bué natural. Eu antes sentia que me esforçava bué e as coisas acabavam por não ser naturais. Uma coisa é esforçares-te no trabalho e outra é deixares as cenas fluírem. Quando já sentes que sabes fazer, é deixares as cenas fluírem. Chegou a uma altura em que sentia que já conseguia escrever uma música num dia, numa sessão, então tranquilo. Fazer acontecer e pronto. Deixei de pensar que, ai se eu lançar isto aquele gajo não vai curtir, aquele gajo vai criticar assim, comecei a cagar nesses tipos de opiniões. E as opiniões às vezes rebaixam bué um artista. Mas graças a Deus um gajo está agora num mood em que só mesmo aquelas opiniões importantes é que um gajo ouve e leva a sério. 

Já falaste da mistura, e das sonoridades afro que se têm tornado uma tendência no rap em Portugal, mas foi coincidência apareceres com essas sonoridades agora porque até já fazia parte de ti.

Ya, já faz mesmo parte de mim há bué. Quando eu estava a lançar as minhas primeiras mixtapes, havia sons em que eu ficava: isto tem mesmo de ser rap, boom bap shit. E depois chegou a uma altura em que pensava que não estava a ser natural, que não estava a ser o que um gajo quer realmente, chegava a essa conclusão. Eu fazia cenas porque supostamente outras pessoas diziam que era o certo, não fazia mesmo por mim. Mas depois ya, a mistura sempre fez parte da minha vida, sempre lidei com pessoas de outros países, um gajo respeita toda a gente e o colégio ajudou-me bué nisso. 

Enquanto angolano e adepto da mistura, vês com orgulho a questão de veres o rap em Portugal a ser feito com batidas afro?

Já foi menos aceite, mas tem a ver com gerações e a maneira como a pessoa pensa. Porque o rap é dos Estados Unidos, por isso também não podemos dizer que não podes fazer isso ou que não podes fazer aquilo. Mano, faz o que sentes e o resto que se foda. É mesmo isto. E o meu rap é bué autobiográfico, escrevo sempre sobre a minha vida, um gajo está a fazer afro a falar de chills, mas também vais ouvir o “Rico” e tens a minha vida exposta. O segredo é fazeres o que sentes e não seguires bocas podres.

Como é que costumas criar? Escreves rimas especificamente para os beats?

Crio primeiro uma melodia, faço um refrão e depois vou escrevendo um verso, que é o que dá mais trabalho.

Normalmente já sabes o tema que queres abordar?

Vai acontecendo, porque é bué lixado quando metes um tema na tua cabeça… fazer isso é fixe, é bom, mas não soa tão natural, porque já sabes que estás a forçar, a programar uma coisa. Mas não critico, são métodos de trabalhos e eu trabalho à minha maneira.



E estás a preparar um disco agora. 

É um álbum que vai sair no primeiro trimestre do próximo ano, ainda está a ser temperado.

Por ser um álbum, que é algo mais sério, e assinaste por uma editora grande, há-de ser um disco mais elaborado por causa do teu amadurecimento? Apesar de não pensares à partida nos temas que queres abordar, estás a pensar mais no disco? Ou é muito natural à mesma?

É isso, um gajo é natural, é fazeres o que sentes. Tenho sons a falar da minha vida, a falar das pessoas que me rodeiam, da minha família, de txilos, é a falar de mim, estás a ver? Porque gosto de estar com os meus amigos, gosto de txilar, é o meu quotidiano, é a minha vida e a minha mãe principalmente, que é uma das pessoas que mais me inspiram a fazer música e apoia-me. Se bem que às vezes penso que ela não percebe tanto… mas incentiva-me, isso já é muito bom [risos]. Um gajo escreve o que um gajo vive e sente e tudo o que está no álbum são cenas sentidas.

Estás a fazer coisas diferentes neste álbum em relação aos teus outros trabalhos?

Sim, posso dizer que sim, tenho cenas em que arrisquei mais. Sonoridades: tenho drills, tenho um beat mega diferente que é tipo grime com mais qualquer coisa… É cachupa de letras [risos].

E já desvendaste que vais ter beats do PEDRO, do Charlie Beats, do VM Beatz. A mistura também se reflecte aí.

Sim, eu sempre trabalhei com o meu mano Deejay Show, e continuo a trabalhar, o “Dado” foi produzido por ele, antes de tudo ele é meu amigo. O álbum tem para aí uns três ou quatro sons produzidos por ele. Depois tenho o VM, que já conheço há bué mas ainda não tínhamos feito uma cena mesmo. E tenho o Charlie e o PEDRO também.

Há mais nomes ou por enquanto não queres revelar?

É melhor não, ficamos assim [risos]. 

E como se deu esta colaboração com o DreNaz para o “Dado“? Já o conheces há bastante tempo? Foi recente?

Não, não foi recente, já temos este som há bué tempo. Eu e o DreNaz tivemos numa produtora, a BdG Records, nunca tínhamos lançado nada mas já tínhamos uns dois ou três sons feitos. Este era um deles. Estavam parados, até já tínhamos um primeiro videoclipe do “Dado”, mas não estava aquela cena, não estava fixe, por isso agora está a ter uma segunda vida. Guardámos o som para depois lançarmos como deve ser, com mais qualidade. Eu e o DreNaz já nos conhecemos para aí há dois anos. Conheci-o através do Deejay Show e as cenas foram fluindo, fomos chillando, estivemos em videoclipes, estivemos juntos na Holanda e estávamos à espera da altura certa. Às vezes as coisas correm mal quando as pessoas estão bué precipitadas porque tem de ser, tem de ser. E ainda temos outro, que é um banger [risos]. Está guardado para o álbum também. Vai haver uma segunda parte do “Dado”, podemos assim dizer.

Assinaste recentemente com a Universal. É algo importante para ti? Era algo que já procuravas?

Sim, foi um passo muito importante. Vou ser sincero, não procurava, mas sentia que precisava. Notou-se logo, com o primeiro lançamento do “Dado”, que a minha música não caía nos ouvidos certos. As pessoas ouviam e depois cagavam, não conseguia atingir o público-alvo… conseguia de alguma forma, mas não tão directamente. Com a Universal já há organização, uma qualidade de produção muito mais elevada do que quando era independente, é diferente. E a Universal está a completar bué no que trata à produção audiovisual, organização de projectos, masterização, ideias, essas coisas todas. É uma coisa a que um gajo não dava muita importância, mas com o tempo vejo que cada vez mais é importante.


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