Quem esteve na edição de 2023 do Festival de Músicas do Mundo em Sines certamente sentirá uma memória a invadir a mente quando lê o nome de Rodrigo Cuevas. Para quem o saudosismo carrega o desejo de mais, nada temam: o artista espanhol trará até ao Misty Fest um novo espetáculo no qual apresentará o seu trabalho mais recente Manual de Romería.
Acarinhado pelo público por fazer parte de uma geração de artistas que aproveitam a tradição e encontram nela os pontos essenciais para mudar o futuro, Cuevas tem-se vindo a revelar uma voz inconfundível em algumas das causas mais importantes. Em conversa com o Rimas e Batidas, o músico contou-nos um pouco sobre como tem sido a experiência deste novo álbum, quais são as suas expectativas e como o amor tem sido sempre uma figura central em todo o seu trabalho.
O segundo dos possíveis três Manuales é uma ode ao tradicionalismo, a alguns dos artistas que Oviedo guarda escondidos dentro da montanha, e a todo este desejo que a natureza e a peregrinação nos fazem sentir quando perfuramos as sonoridades asturianas para encontrar a sua importância no folclorismo ibérico e na sua identidade.
O teu álbum anterior Manuel de Cortejo recebeu vários prémios, de artista revelação em 2022 e também o Prémio Arco-Íris no mesmo ano pelo Ministério de Igualdade. Qual é que foi o teu maior desafio como artista na luta contra a descriminação?
Pois, não sei… A luta que temos contra a discriminação LGBT é muito mais fácil que algumas lutas que há noutros lugares. Ainda que seja uma luta muito importante e que tenhamos muita coisa para fazer, eu acho que estamos num lugar de privilégio. Há outras lutas como o feminismo, a igualdade em geral, como no caso das pessoas LGBT que estão a viver na Rússia neste momento ou na Ucrânia, com todos os temas da guerra e como estas pessoas estão a ser reprimidas, mais o facto de não terem leis que as protegem. Aqui temos que ter mais claro que vivemos uma luta contra a discriminaçao em geral. Não? Vive-se a mesma repressão dentro do colectivo das mulheres, dentro do colectivo trans, do colectivo LGBT — é o mesmo.
Estares ligado mais ao mundo tradicional e rural nunca foi um desafio na tua expressão artística?
Para mim foi sempre muito aberto e natural, acho que nunca foi um desafio — foi sempre parte de mim.
Na “Allá Arribita” dizes que no mundo há duas razões para cantar — pelo amor ou pela liberdade. Se tivesses que escolher uma das duas, qual escolhias?
Ai não, não posso escolher. Porque o amor tem que ser livre e tem que haver liberdade de forma amorosa e carinhosa.
Rodrigo, o que é que as pessoas podem ouvir de novo no Manual de Romería?
Há muitas canções que eu escrevi, a letra e a música — no disco do Manual de Cortejo só havia uma canção que era completamente escrita por mim, as restantes eram uma mistura entre o tradicional e a minha escrita. Aqui no Manual de Romería quase tudo é escrito por mim ou pelo Guillerme, que é uma pessoa que também está envolvida neste álbum.
A escolha repetida do título Manual é uma intencionalidade ou uma inevitabilidade?
Tive muitas dúvidas sobre se manteria ou não Manual no título. Mais do que Romería… Porque escolher Manual vai-me levar a fazer outro Manual (têm que ser três), e isso dá-me um pouco de medo. Mas acho que sim, tinha que ser esta a escolha. Ou seja, não é um manual no sentido em que eu queira que as pessoas façam as coisas como eu digo, mas mais como um manual de tudo o que eu aprendi nas romarias.
A “Matinada (Resaca)” destaca-se sonoramente do resto do álbum, com uma batida muito mais de música de dança e uma letra mais catártica. É uma porta que deixas abertas para um terceiro manual?
Poderia ser, um Manual de Decadência [risos].
Como foi colaborar com o Eduardo Cabra de Calle 13?
Foi muito fácil. Demo-nos muito bem a nível profissional e também a nível pessoal. O Eduardo acolheu-me muito bem no seu estúdio, rodeou-me de muita música, de artistas e pessoas. A verdade é que houve muita química.
Vês este álbum como uma peregrinação que também pode ser social e emocional?
Bem, acho que sim, até porque os discos têm sempre essa componente. No fundo são trânsitos difíceis muitas vezes, no sentido em que o final é difícil de alcançar — como uma peregrinação, um pouco. Mas não pensei dessa forma, pensei como se fosse um trânsito. Uma pessoa que começa um disco não se sente a mesma quando o acaba.
Quem são estas mulheres que surgem pelo meio do álbum a cantar?
São pessoas que cantam e tocam muito bem. Eu queria colocar estes cortes nestas faixas para que as pessoas vissem de onde vem a música tradicional, as referências, e queria que ficassem tal e qual como estas pessoas as cantam. Muitas vezes usamos as gravações de campo sem a autorização dessas pessoas, sem que elas saibam o que vai ser feito, e eu não queria que fosse assim. Queria que as gravações ficassem exatamente tal e qual como estes artistas as cantaram e que eles soubessem isso.
Esta partilha de line-up com Bandua tem sido regular. Encontras similaridades no vosso trabalho artístico, sendo que o teu é cantado em espanhol e o dele em português?
Sim, acredito que sim. Há semelhanças — nós trabalhamos com a música eletrónica e com a música tradicional, além de todo o tema LGBT. Há muitos pontos em comum.
O que é que as pessoas podem esperar dos teus próximos concertos no Misty Fest?
Um concerto muito divertido. Eu peço às pessoas que sejam conscientes de todas estas coisas boas que a liberdade tem, e que desfrutem dela. Que sejam conscientes para celebrar as suas amizades, a sua paisagem, porque eu acho que a única forma de mantermos e cuidar as coisas é ao sermos conscientes de que as temos.