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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 14/08/2025

A ideia do rapper TK está numa fase embrionária, mas a transformar-se num produto.

Rodinha: está a nascer um jogo de tabuleiro para fazer rimas em freestyle

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 14/08/2025

Do Monopólio ao xadrez, passando pelo Catan, pelas damas ou pelo Pictionary, os jogos de tabuleiro são um fenómeno colectivo que remonta há milhares de anos. Ao longo do século XX, uma indústria comercial pujante ergueu-se em torno destas práticas, com as muitas empresas e marcas que foram surgindo. Nos EUA, com o passar do tempo também foram lançados alguns jogos que têm como grande temática a cultura hip hop mas é em Portugal que está a nascer Rodinha, um jogo de tabuleiro dedicado ao freestyle, à arte das rimas improvisadas.

Trata-se de um projecto da cooperativa Uma Boa Questão. Um dos seus principais membros é o criador do jogo, o rapper TK um reconhecido especialista na área do improviso, que ao longo dos anos tem lançado discos e impulsionado eventos ligados ao hip hop. Desta vez, contribui para a cultura de uma maneira inédita.

A Rodinha desafia os participantes a rimar, a improvisar e a explorar a sua criatividade através de cartas temáticas e um tabuleiro dinâmico, com dois lados, o A e o B, que simula um disco de vinil cada um dos lados tem oito categorias distintas, o que permite diferentes níveis de dificuldade. Vira o disco, mas não toca o mesmo. E existem duas versões do jogo, a “essencial” e a “oficial”.

A “versão essencial” foi pensada para o público em geral, para aqueles que não são rappers nem têm experiência a fazer rimas, mas que poderão estar interessados no jogo. A Rodinha vai introduzindo elementos ou fazendo sugestões como olhar nos olhos, fechá-los ou usar o sentido do tacto para se promover a “descontracção necessária para se conseguir desbloquear a acção de mandar uma rima”, como se pode ler na descrição que se encontra no site oficial do jogo. “Desafios como rimar com diferentes terminações e criar refrões incentivam a fluidez verbal e a interacção social.”


 
 
 
 
 
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O jogo tanto pode ser jogado com o baralho de cartas como com o tabuleiro ou ambas as peças. “No modo tabuleiro, o jogo de tabuleiro com cartas, em versão oficial, está a ser trabalhado com a LUME, com quem temos gravado podcasts a jogar”, explica TK ao Rimas e Batidas, na primeira entrevista que dá sobre o projecto. 

“O modo mais leve, que é só com cartas e pode ser a versão oficial ou essencial, é aquela com que eu costumo ir à rua e em situações mais informais, porque é só um baralho, e é a que implementamos nos eventos que temos feito um pouco por todo o país, sobretudo na região centro. No fundo, actualmente existem duas versões (Oficial, Essencial), cada versão tem três modos (tabuleiro, leve, espectáculo) e cada modo tem quatro tipos de jogo e regras específicas onde acontecem coisas para teres que criar interação sem ser só mandar rimas ou cumprir categorias, e para ser mais divertido e incluir vários níveis rimáticos, podendo haver participantes experientes e novatos no mesmo jogo.”

A sugestão de Rodinha é que cada partida inclua também um moderador, alguém que possa quase servir de host perante o que está a acontecer. “O moderador tem um papel super importante no jogo. Sem ele, fica mais desinteressante, porque o moderador é a pessoa que ajuda a pôr ritmo no jogo. Convém ser alguém que consiga ser justo, que possa desfazer impasses… O desenvolvimento do trabalho do moderador é uma das coisas que estamos a pensar fazer com workshops na nossa rede.”

Uma das componentes do jogo que ainda estão a ser trabalhadas é a sua faceta digital. Mais uma vez, falamos de duas vertentes. Por um lado, existe um complemento ao jogo de tabuleiro, uma espécie de extensão digital que inclui ferramentas úteis como um cronómetro para determinar se a pessoa cumpre o seu tempo previsto para o improviso e instrumentais cedidos por produtores que podem ser usados para as sessões de rimas.

Mas a faceta mais ambiciosa que pretendem implementar prende-se com uma versão verdadeiramente digital do jogo, em que os jogadores competem à distância, a partir de um telemóvel ou de um computador. “Ainda estamos a ver como resolvemos as questões de latência e de língua. Já fizemos um jogo ao vivo da Rodinha com alguém a rimar em português, outro a rimar em crioulo, outro em inglês e um a rimar em cantonês. Mesmo que não compreendas, confias na pessoa em relação a se cumpriu o seu objectivo naquele momento do jogo. Mas, agora, com as ferramentas de inteligência artificial, também já se conseguem fazer traduções em tempo real. É algo em que ainda estamos a trabalhar.”

Mais do que um produto e do que um projecto, Rodinha tem sido encarada e desenvolvida como uma potencial comunidade. TK defende que a ligação às ruas e aos rappers das muitas batalhas de improviso, que despontaram de Norte a Sul do país nos últimos anos, é essencial. Além de se materializar ao vivo, nos circuitos regulares do hip hop mais ligados ao freestyle, essa comunidade também está assente no site do projecto. 



Quando se compra um jogo da Rodinha, seja um tabuleiro ou apenas um baralho de cartas, o comprador torna-se automaticamente um utilizador do site, com acesso a diferentes regalias desde tutoriais a peças de merchandise consoante o escalão do respectivo investimento. 

“Assim consegues logo ver a que é que tens direito dentro da plataforma. E é onde estarão os beats para serem usados durante o jogo, sendo que depois podes comprar mais beats dentro do site. É claro que podes ir buscar beats ao YouTube e um cronómetro a outro lado, mas há muitas pessoas que gostam de ter all in one, aceder a tudo no mesmo sítio. Havemos de ter um sistema de pontos ligado ao jogo digital, um sistema de votos com júri para competições, no fundo queremos criar uma estrutura dinâmica em torno do site.”

Embora se trate de um jogo e de o freestyle e toda a cultura hip hop no geral estar muito associado a batalhas e a um espírito de competição, TK salienta sempre, durante a nossa conversa, a importância da Rodinha enquanto elemento agregador, para construir pontes, promover a interacção social e as relações pessoais.

“O jogo convida os jogadores a completarem desafios líricos, narrativos ou performativos com base nas categorias sorteadas. As partidas são flexíveis e podem ser jogadas entre amigos, em família, em contexto escolar, cultural ou performativo. Além de ser um produto de entretenimento, queremos promover competências como a criatividade, o vocabulário, a memória, a escuta activa, a autoconfiança e o trabalho em grupo, funcionando também como uma ferramenta educativa e lúdica, divertida e envolvente.”

TK argumenta, dando o exemplo do emblemático Monopólio, que o derradeiro objectivo não é “saber-se operar com dinheiro”, mas estar num “momento de convívio entre amigos”. “No nosso jogo, quem se libertar primeiro das cartas vence mas, no fundo, o que ele ganhou foi estar a ver os outros a mandar rimas. E o que acontece noutros jogos de tabuleiro é que, depois de haver um vencedor, os que perdem desinteressam-se, não têm grande vontade de terminar o jogo. Mas, neste caso, isso não acontece as pessoas ficam no jogo até ao fim porque existem oportunidades de voltar a entrar. E, como se trata de um jogo de improviso e de rimas, é sempre diferente, é muito difícil tornar-se uma seca.”

Nos últimos meses, a Rodinha tem-se feito mostrar através de mercados organizados pela cooperativa Uma Boa Questão que incluem uma apresentação do jogo, concertos de rap e showcases de outras vertentes da cultura hip hop. Tem sido através dessas iniciativas, no terreno, que a Rodinha se tem vindo a dar a conhecer ao público. “Já existem bibliotecas, escolas e outros organismos que mostraram interesse em eventualmente adquirir, em função de também lá fazermos um workshop”, diz TK. “Nestas pequenas ingressões também vendemos alguns baralhos e recebemos encomendas do tabuleiro, porque por enquanto só está disponível por encomenda.”

A produção do jogo de tabuleiro, embora exija o recurso a ferramentas técnicas especializadas, tem sido artesanal e não uma produção de massa em fábrica. É como se a Rodinha, nesta fase embrionária, estivesse ainda numa versão de teste. “Muitos jogos têm um conceito que é o Board Game Geek, em que há pessoal que compra o jogo e sabe que vai demorar algum tempo até realmente o ter, mas serão os primeiros. Ainda estamos a desbloquear a parte de ser mesmo um produto.” TK equaciona que, mais para a frente, a Rodinha possa estar disponível e à venda em lojas, nomeadamente através de empresas de jogos de tabuleiro com expressão no mercado, como é o caso da Majora.

“Uma coisa é uma ideia, outra coisa é um projecto, outra coisa é um produto. Agora estamos na fase de passar de projecto para produto. O projecto tem estado cada vez mais forte na componente de educação: estamos a fazer workshops, sessões de convívio, a fazermos a integração do jogo na rua.”



Além de TK, a equipa da Rodinha inclui Ruço (produção editorial, desenho gráfico e ilustração), Jorge Agosto (produção editorial e gestão musical), Nuno Costa (programação e suporte digital), Animal (gestão musical), Leandro Sousa (produção executiva e logística), Ana Rasteiro (apoio logístico), Rumo (apoio logístico), Beloxx (desenvolvimento para as redes sociais) e Xavi (desenvolvimento para as redes sociais). Duc3r, Animal, Gonsalocomc e Jorge Agosto têm sido os produtores que têm cedido beats para o projecto, enquanto Muleca XIII e Branco têm sido rappers associados à iniciativa que têm contribuído para a divulgação da Rodinha.

Do improviso aos jogos de tabuleiro

TK começou a fazer rap e a explorar a arte do improviso, que considera o seu “mantra”, quando tinha 14 anos, em 1999. Com uma vida passada entre a Caparica e a Lourinhã, neste momento radicado no Sabugal, tem sido um dinamizador dos sítios por onde tem passado, ajudando outros a gravar e editando os seus próprios discos, alguns dos quais em improviso, muitas vezes em colaboração com outros artistas.

A sua ligação aos jogos de tabuleiro vem da adolescência. “Tirando todas as horas que eu ficava a mandar improvisos, adorava ir aos cafés ver os jogos de cartas e sempre gostei de toda a diversidade de jogos de tabuleiro, além de jogar aqueles jogos de computador de estratégia, como o Age of Empires”, recorda. 

“Quando era puto, tinha mau perder. E tinha a mania de ser batoteiro, daqueles que não gostavam das regras ou que as adulteravam para o jogo se tornar mais interessante. Primeiro deixou de ser divertido ganhar, depois ganhava com batota mas chateava-me com os meus amigos, então deixei de jogar jogos tirando xadrez ou o Mastermind, coisas muito específicas, mas o espírito de competição dentro de um tabuleiro deixou de me meter graça.”

Em paralelo, foi alimentando a paixão pelo improviso, não enveredando pelas rimas em batalha ou em modo de confronto, mas como exercício criativo lírico, a palavra pela palavra. “O improviso é sempre a minha Excalibur, a cena que dá força a que isto continue. Sempre que tinha fragilidades, ficava a pensar naquilo que outros MCs ou pessoas me diziam. Eu dizia que não estava inspirado e eles: ‘mas não precisas de estar inspirado, diz aí alguma cena’. E acabou por surgir naturalmente. Eu tinha jogos de tabuleiro, mas não havia pessoas para jogarem. O pessoal que mais lá ia a casa, que também era o estúdio, gostava de ouvir os improvisos que faço, mas eu não gosto de ser o gajo que está sempre a mandar improvisos para os outros. Apesar de eu adorar o meio do improviso, há aqueles momentos em que estamos quatro, e eu já fiz meia hora, era fixe que agora fizéssemos alguma coisa os quatro, que isto fosse uma acção coletiva. Foi assim que aconteceu.”

A ideia de criar um jogo em torno do freestyle surgiu entre 2018 e 2020. Uma mão cheia de anos depois, a Rodinha existe, está viva nas ruas e o projecto como um todo está mais próximo do que nunca de se concretizar.


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