As religiões afro-brasileiras ainda são as mais perseguidas no Brasil. Essa discriminação também contribuiu para a escassez na produção musical com referências à Umbanda e Candomblé. No acervo do Museu Afro-Brasil, em São Paulo, é possível observar (apenas) LPs específicos de cânticos de terreiro. Ali tem algumas peças de Luiz da Muriçoca (Cânticos de Terreiro), o “Rei do Candomblé” Joãozinho da Goma, Heitor dos Prazeres e Sua Gente (Macumba), Orquestra Afro-Brasileira, Saravá Ogum ou JB de Carvalho.
Os afro-sambas, de Baden Powell e Vinicius, e a redescoberta dos Tincoãs também ajudou a disseminar essa musicalidade religiosa, que ainda hoje reverbera nos trabalhos de Mateus Aleluia, Meta-Meta, Aláfia, Sandália de Prata, Juçara Marçal. Nesse “pequeno”, e pulsante, grupo podemos inserir a Roda de Santo com seu EP homônimo.
Diferente de todos os citados, este possui raízes brasileiras, mas nasceu em Portugal com a união de Alvaro Lancellotti, Bartolo, Juninho Ibituruna, Domenico Lancellotti, Joana Egypto, Sara Cabral e Karla da Silva. Do Rio de Janeiro, de São Paulo e Minas Gerais, eles se reuniram para celebrar os ritmos sagrados dos “pontos”, cantos tradicionais entoados nos terreiros. Essas cantigas, que saúdam e reverenciam os Orixás e entidades espirituais, são direcionadas pelos tambores (em especial os atabaques, tocados pelos ogãs), palmas e vozes. O entrosamento é feito entre percussão e voz, que se transforma em instrumento harmônico, sendo uma guia e as demais formando o coro que reafirma a mensagem.
Nas 4 músicas, esses instrumentos, considerados sagrados, são complementados com elementos eletrônicos. Estes não tiram a organicidade e a forma crua que caracteriza essa musicalidade. Assim, não sobrepõe as tradições. É uma forma de criar aproximação com quem está pouco habituado a ouvir essas canções. Mesmo que tentem apagar, elas fazem parte da identidade musical do Brasil. Pouco se reconhece essa contribuição. Porém, a identificamos nas células rítmicas de gêneros contemporâneos, do samba ao funk (um exemplo é a cadência de “Caboclinho”).
Dessa forma, o Roda de Santo leva para outros territórios a musicalidade de uma cultura religiosa brasileira (de matriz africana). Isso acontece de um jeito que podemos considerar genuíno e respeitoso com os ritos, considerando que os envolvidos estão inseridos e possuem vivência na religião — no caso, a Umbanda. Compartilham a espiritualidade de uma forma leve, sem imposições. Também abrem possibilidades para que pessoas diversas tenham um cheiro da experiência sonora dos terreiros. Tem o seu lado reflexivo, de conexão, mas se quiser pode dançar.