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Publicado a: 05/11/2018

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[TEXTO] Miguel Alexandre

O mundo da música necessita de se agrupar num agradecimento colectivo a Robyn. Um agradecimento pelos tabefes sentimentais, pela elegância nas suas canções e pela sua perspicácia em desconstruir um género que, nos últimos tempos, estava reduzido a platitudes sónicas: não era o caminho que a sueca queria com o seu regresso – nada disso. Se é para o fazer, fá-lo-á com deve ser. Após oito anos em pausa, a artista regressa com Honey, um trabalho que requer urgência, atenção e, mais importante, amabilidade. Sem adoptar um discurso paternalista, a essência deste novo disco pretende dignificar a nossa tristeza e fazer dela uma conquista. Através da música, descobrimos que as nossas angústias não têm de ser sinónimos de isolamento ou autodeprecição: são, aliás, sentimentos mais profundos, bonitos e vislumbram toda a nossa humanidade. São momentos essenciais para a nossa jornada enquanto seres humanos e não devemos fazê-la sozinhos.

No entanto, Robyn, durante algum tempo, fê-la isolada e sem qualquer rumo. Nos anos 90, adquiriu algum sucesso internacional com hits como “Show Me Love” e “Do You Know (What It Takes)”: faixas não muito memoráveis que mesclam o r&b emergente daquela altura com a sua habitual sensibilidade electrónica escandinava – uma fórmula que artistas como P!nk e Jennifer Lopez recriaram nos anos 2000. Ela teve as suas fases com o produtor Max Martin, mas ambos não cumpriam a visão um do outro. Sendo assim, Robyn descartou a visão da música pop, que, na altura, lucrava com artistas como Britney Spears e Christina Aguilera. Em 2005, após criar a sua própria editora discográfica, deixou de estar sozinha e prometeu a si mesma trabalhar primordialmente a favor da sua visão. O resultado foi automático: após aclamação com o seu quarto e homónimo álbum, as vendas também começaram a aparecer. Seguiram-se hits como “With Every Heartbeat” e “Handle Me”, como também reconhecimento por parte de grandes revistas musicais como uma possível sucessora do trono de Madonna.

Hoje, quase 20 anos depois, Robyn é uma figura inigualável e indispensável da música pop, reafirmando-se num género que ainda considera a mulher como algo descartável, que beneficia de meras e reducionistas brigas para dar exposição a alguém, que limita e corta o potencial de uma artista feminina ao colocá-la numa determinada caixa. A cantora supera qualquer arquétipo a que foi sujeita no passado e actualiza a ideia estereotipada de sensualidade, autoconfiança e renovação. Honey é individualista ao ponto de se afirmar e reafirmar ao longo das nove bastante diarísticas canções. Este novo trabalho é o de uma outsider a mostrar que também consegue ter garra e assertividade, não obstante partilhar com a sua audiência a dor que foi impossível reprimir durante a sua composição.

Tal vulnerabilidade e desgosto são vistas no primeiro single deste corpo, que também serve como a música que abre o álbum: “Missing U”. Utilizando batidas frenéticas que contrastam a seriedade da letra, a música é uma perfeita ode à altura do post-disco que nos remete para outros trabalhos da cantora como “Dancing On My Own” ou “Hang With Me”. É o momento mais melancólico de Honey: ao contrário das músicas mencionadas, aqui a voz está ofegante, ecoando entre synts pesados e percussões diatónicas. Não há nada que enganar. O objectivo é simplesmente fazer o luto de uma relação, direccionando a atenção do ouvinte para a voz que está prestes a quebrar de Robyn, enquanto ela chega ao verso, “There’s this empty space you left behind”. É a perfeita combinação entre “Halo” dos Depeche Mode e “Lucky Star” de Madonna.

 



Há espaço para homenagear as grandes figuras suecas que influenciaram Robyn ao longo da sua carreira: há um pouco de Ace of Base em “Beach2k20”, um pouco de ABBA em “Because It’s In The Music” e Röyksopp em “Honey”. Mas cada uma destas canções é puramente e exclusivamente vinda dela. Não há nenhuma nota musical que não tivesse sido pensada por ela, nem qualquer emoção vivida por outra pessoa. Robyn certificou-se de que tudo era controlado ao mais pequeno detalhe, dando tempo a si mesma para aliar cada sentimento a uma específica batida. Está tudo dentro dos seus limites: a produção é limpa, cristalina e com espaço para respirar; as melodias são mais sedutoras e hipnóticas; e a reverência pela música clássica, pelo techno e pelo disco está mais explícita do que nunca.

A questão do seu regresso era perceber o que iria fazer depois do já estabelecido sucesso inicial. E a resposta está num álbum surpreendente pela sua forma desassombrada de como expõe os dramas de relações amorosas, as reflexões sobre ela mesma e sobre o mundo que a rodeia, abordando, simultaneamente, as sociabilidades, os romances e os desassossegos, revistos por ritmos e elementos musicais particulares que vão suplantando as fórmulas mais expectáveis. Honey é, acima de tudo, um disco diversificado mas que, no final, não soa nada desajustado. Se olharmos para faixas como “Baby Forgive Me”, conseguimos encontrar vários elementos de house que se sobrepõem a uma declaração de amor, arrependimento e resilição. É uma canção rara no reportório de Robyn, pois nunca a vimos pedir nada a alguém. Contudo, aqui está a mestre da confrontação e da honestidade a quebrar os seus muros e a deixar cada pessoa conhecer as suas mais sinceras inseguranças e os seus medos mais obscuros.

Com esta premissa, chegamos a “Send To Robin Immediately” e percebemos que cada momento de mais óbvia fraqueza rapidamente termina. Esta faixa é uma autêntica tour de force: oscila entre uma ondulante lascívia e uma veemente força de controlar o desejo da outra pessoa: “If you got a letter for me, send it right away/ If you know that you really care, don’t hold your breath”. Há quase uma fracção gospel no início que dá ainda mais certezas a Robyn, mas que não é desperdiçada de qualquer maneira.

Também há um lado divertido e descuidado em Honey, um lado que cumpre a sua missão de mostrar a nova e revitalizante sensualidade que os 39 podem trazer a uma pessoa. “Between The Lines” é o perfeito exemplo: mistura atitude, empoderamento e uma mão cheia de ritmos retirados de um club de Vogue dos anos 90 – é intemporal: os universos libertadores, os espasmos electrónicos e o apetite por uma teatralização inclusiva e antidiscriminatória destacam-se e exigem mais clareira. Desta forma, é como se Robyn se quisesse colocar, pela primeira vez, no centro das atenções, captando ao mesmo tempo a nossa.

É este sentimento atento, mas ao mesmo tempo desprendido, que faz com que as músicas funcionem como magia: a sua atracção é inevitavelmente irresistível e agarra cada um para a viagem de uma pessoa que descobriu a cura para o seu coração partido na música e nas pistas de dança. Em “Ever Again”, a última do alinhamento, Robyn promete “never gonna be brokenhearted/ Even again”. Claro, é uma declaração um pouco ousada, tendo em conta toda a mágoa que derramou ao longo deste trabalho. Mas por vezes precisamos de dizer a nós mesmos tais afirmações, nem que seja para colmatar os erros do passado. Honey não só analisa pormenorizadamente tais falhas, como as projecta de uma maneira igualmente universal e íntima; é uma obra escrita no feminino que claramente não quer ficar presa a uma questão de género. E isso torna tudo ainda mais interessante e fundamental.

 


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