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Publicado a: 20/12/2016

Ritmo, amor e palavras: um flashback de 2016

Publicado a: 20/12/2016

[TEXTO] Ricardo Farinha [FOTO] Sara Falcão

Todos os acontecimentos, factos ou datas têm o seu lado simbólico, que é logicamente relativo, consoante o filtro, escolhido ou não, que estivermos a utilizar. Este ano, 2016 – no universo das rimas e batidas do hip hop português – tinha como referencial mais óbvio e redondo 2006, um ano que viu nascer discos como Pratica(mente) de Sam The Kid, Serviço Público de Valete, Projecto Mary Witch de Allen Halloween, Edição Ilimitada de Mind da Gap ou Máscara de Expeão, entre tantos outros. Passou uma década. 10 anos.

E constatamos que a actualidade não fica a perder. 2006 pode ter sido marcado por uma série de lançamentos clássicos que fizeram aumentar e enriquecer o público do hip hop, mas este ano foi mais um grande passo nesse trajecto. Tijolo a tijolo, as rimas e batidas vão cimentando a sua posição. E cada vez mais rápido.

Tal como em 2015, assistiu-se a uma massificação e solidificação do género: mais artistas em festivais importantes, mais concertos (tanto em locais de culto como em discotecas, alta e baixa cultura), mais atenção nos meios de comunicação social, números maiores nas redes sociais e nas plataformas de streaming e, no fundo, mais ouvintes.

Foi um ano de crescimento no PIB do hip hop tuga mas acredito que também de consolidação, não havendo riscos de crise nem apenas um óasis de sustentabilidade momentânea. Deixemo-nos de economia política: aliado às tendências fugazes, porque também existem, há um público de culto cada vez maior (sendo que, evidentemente, as duas fronteiras não são estanques).

2016 foi um ano concorrido, com muitos lançamentos de bom recorte: se em 2015 a revelação foi Slow J, talvez este ano – e pelo miúdo de Setúbal ainda não ter lançado o prometido disco – o estatuto pertença a Holly Hood e à Superbad, no geral, com o monstruoso Here’s Johnny a assumir-se em pleno como um produtor cheio de tentáculos onde tudo aquilo que mexe se transforma em ouro. Selo de qualidade inegável que, bem mais do que revelação, os transforma nalguns dos maiores e melhores artistas dos últimos 365 dias.

Este ano manteve ainda a tendência dupla contraditória do hip hop português: se a cultura do álbum continua a ser muito prezada – assim como a respectiva edição física – os singles com milhões no YouTube, mesmo sem trabalho nenhum associado, têm cada vez maior relevância.

Por exemplo, não recebemos o esperado disco conjunto de Mundo Segundo e Sam The Kid, mas fomos presenteados com várias faixas do projecto e mensagens no sentido de que era assim que a coisa iria ser lançada, mesmo que não totalmente, no final. Se gostamos mais ou menos de recebermos um disco às postas? Isso cabe a cada um decidir, mas sem dúvida que permite uma maior longevidade numa era onde os discos saem um após um, como cogumelos, e uma semana depois já pertencem ao passado. Talvez o mesmo se possa aplicar aos Orelha Negra, que acabaram por não lançar o seu terceiro álbum.

O ano fez-se de vários discos de consolidação: Cimo de Vila Velvet Cantina dos Corona (neste caso, uma consolidação sempre imprevisível, como é próprio da dupla), Rap Proibido dos Alcool Club, O Processo de Beware Jack & Blasph, Reflexo de Dillaz, E A União Fez a Força dos Força Suprema, Mixtakes de ProfJam ou o regresso de L-Ali em Baço e Café; mas também de inéditos ou regressos esperados há muito: Fuse em dose dupla em Caixa de Pandora, disco que ainda estamos todos a assimilar, Toda a Gente Pode Ser Tudo, com a afirmação neo-soul de NBC, álbuns de Maze, Mike El Nite, Keso, Sensei D e Kristóman, ou a estreia do projecto Pro’Seeds de Berna, Serial e DJ Score.

No que à musicalidade diz respeito – e numa trajectória natural e previsível – assistimos a um maior fulgor do trap em Portugal: do sucesso de Mike El Nite e Holly Hood aos Wet Bed Gang, ou à enorme base de jovens rappers e produtores que agora se começam a aventurar no meio e têm como referência maior as sonoridades trap.

Já que navegamos em território das batidas, não podemos ignorar as coordenadas afro-electrónicas a que somos sensíveis. 2016 também foi o ano da despedida, por enquanto, dos Buraka Som Sistema. Mas o legado que marcaram permanece indelével.

Só podemos olhar com grande expectativa para gente como Kking Kong, Dotorado Pro, ou, claro, o enorme leque de DJs e produtores da Príncipe Discos, embaixadora internacional da batida de Lisboa que tão boa repercussão tem tido na imprensa internacional especializada, mantendo toda a sua identidade e mantendo-se reservada da grande indústria.

Foi o ano da TV Chelas de Sam The Kid e do Festival Iminente de Vhils. Do concerto inigualável de Kendrick Lamar numa MEO Arena em ebulição. De Talib Kweli, De La Soul, OG Maco, Large Professor & Diamond D, Statik Selektah, Princess Nokia, Denzel Curry, Kirk Knight, Illa J, Digable Planets ou Chelsea Reject em Portugal. E foi também apenas o 2.º ano da história online do Rimas e Batidas. 2017 tem muito, muito mais histórias para contar. Stay tuned.


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