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Publicado a: 15/07/2015

RIOT: “A nossa vida é acordarmos e sentarmo-nos para mandar emails ou fazer música”

Publicado a: 15/07/2015

[FOTOS] Direitos Reservados

 

É manhã cedo em Alcântara. A LX Factory ainda está a meio gás, mas temos por ali combinada uma conversa com Rui Pité aka RIOT, um dos músicos produtores dos Buraka Som Sistema. Mas o encontro não se prende com o seu trabalho nos Buraka. Quer dizer: mais ou menos. Mas, nesta vida, tudo se entrecruza: ritmos, batidas, luzes e corpos a mexer.

Há um par de anos, RIOT foi desafiado para fazer na rádio Vodafone FM um programa dedicado à bass music. O programa cresceu, criou uma comunidade e evoluiu para uma curadoria que arrancou este ano, no MusicBox, em Lisboa, dedicado à música “com um baixo proeminente”: daquelas que faz trepidar as prateleiras lá de casa com as vibrações graves. É um espectro da música electrónica que se cruza com as dinâmicas que os Buraka têm vindo a imprimir na sua música, sobretudo o zouk bass. RIOT, que aparece cedo na LX Factory, meio ensonado mas muito bem-disposto: afinal, na noite anterior tinha sido a sua festa de 37º aniversário; e logo no dia seguinte à actuação dos Buraka Som Sistema no mítico Montreux Jazz Festival, na Suíça, onde actuaram no Jazz Lab.

A conversa com o Rimas e Batidas acontece por alturas do fecho da “primeira temporada” desta curadoria que faz no Musicbox. Uma conversa-balanço sobre quem por lá passou; uma apresentação do último convidado desta primeira experiência de Fala Baixo na noite; um pré-lançamento daquilo que o formato pode vir a ser no futuro; e ainda o que representam estas noites na máquina da criatividade de RIOT – tanto no seu trabalho a solo tanto como membro de uma das bandas mais importantes do actual cenário da música electrónica.

 

Vamos começar por perceber como é que surgiu a proposta destas noites Fala Baixo?

Estas noites surgiram depois de uma longa conversa com o pessoal da [editora] Arruada, especialmente com o Pedro Trigueiro, sobre eu sentir que Lisboa estava a precisar de uma noite em que a bass music estivesse mais bem representada. Vive-se um momento muito positivo para a música mais “tropical”, como o kuduro, cumbia, baile funk… mas sentia falta de boa bass music vinda da Europa, de ver artistas que andavam a passar aqui ao lado, em Madrid e Barcelona, mas que nunca vinham a Lisboa. Propus ao Pedro fazer esta curadoria, trazer cá artistas que nunca vieram e que achava que Lisboa merecia ter.

Na base disto tudo está um programa de rádio.

Sim, esta é uma evolução lógica desse programa que havia na Vodafone FM, sempre com um dinamismo muito bom. As coisas evoluem e passou de um programa de rádio para uma festa temática e tem corrido muito bem.



Como tens sentido a reacção das pessoas a estas noites e aos sons que passam por lá?

Umas melhores outras mais fracas. Mas posso dizer que Dub Phizix foi a noite mais forte que tivemos: é um som que encaixa bem em Lisboa e que as pessoas gostam muito por ser um drum ‘n’ bass fora do comum, que se afasta daquela “chapa quatro” a que estão habituadas. O Doc Scott foi uma verdadeira aula de como passar som e dançar… No meio disto tudo, o mais engraçado é que ninguém acha estranho quando chegam à meia-noite e eu estar a passar kuduro ou techno: tudo o que tem um baixo mais proeminente faz sentido nesta festa. É claro que não vou querer atropelar os convidados que vêm e apesar de começar por tocar coisas diferentes, fecho o resto da noite dentro da linha dos convidados.

E como fazes as escolhas dos convidados? Gostos pessoais, curiosidade ou agendas?

Tem muito que ver com as agendas, mas sempre dentro de um “saco” de artistas de que gosto muito, que estão disponíveis, sempre em conversações com a Arruada e Musicbox. Às vezes, mesmo dentro do gosto pessoal, há artistas que não encaixam nas noites ou que só podem mesmo mais tarde. Por exemplo: tenho estado a trabalhar com um artista chamado Mikal, um dos grandes nomes da [editora] Metalheadz, editámos juntos um som há pouco tempo e vamos já para o segundo – é um projecto para durar, acredito – e é um artista que fazia todo o sentido vir cá. Mas aleijou-se nas costas, teve de ficar de cama e é lá que tem estado a produzir! Faço chamadas de Skype com ele e só vejo uma grade lá atrás! Tive pena que não tenha vindo nesta primeira “tranche” de Fala Baixo.

Esta ligação tanto com o público como com outros artistas ajuda-te a conseguir encontrar novas referências e a projectar visões para o trabalho a solo?

Sim e estou a fazer um álbum. Esse álbum é um passo importante na vida de um artista. O Branko, por exemplo, está a acabar o dele e sei o trabalho que dá. Mas uma coisa é trabalhar em banda, outra é fazer a solo, sem a visão dos colegas. É complicado porque somos músicos, mas com muitas influências diferentes: às vezes influencio-me mais com um filme – por muito cliché arty que isso soe – do que com outras músicas. Eu fiz teatro amador dos seis até aos 20 anos e uma peça de teatro, a estética, as cores, murais como este que está aqui ao lado, do que um artista. Creio que uma coisa que existe em comum entre toda a malta que trabalha nos Buraka é que todos nós já perdemos os nossos ídolos.

Foi a liberdade com que vocês trabalham em Buraka que vos soltou dessa vião adolescente de olharem para outros artistas como ídolos?

Completamente. Eu e o João, que vimos de um background de rock, começámos a experimentar muito cedo a electrónica. Fartámo-nos de estar à espera de baixista – e podes citar-me (ri-se): os baixistas são a pior escória dos músicos! O baixo é o meu instrumento favorito, mas estão sempre atrasados ou então não podem ir ao ensaio! [brinca] – Como nos fartámos de esperar pelos baixistas, comprámos uma baixista japonesa: uma Boss, da Roland! Apesar de ser um mini-sampler, samplávamos baixo e acompanhava-nos. Isso fez com que abríssemos os horizontes e explorássemos a electrónica. Há músicos que ficam no rock ou no techno para sempre. Nós fomos quase que forçados a inovar. Crescemos nos anos 90, numa época rica em termos de explosão de música, em que apareceram bandas como os The Prodigy, The Chemical Brothers, Fatboy Slim, coisas que misturavam a energia do rock com a electrónica e que fizeram-nos perceber que é um mundo livre, que dá para fazer de tudo um pouco. Hoje em dia, depois de nos juntarmos ao Conductor, à Blaya, à Petty, à Pongo Love… às vezes chego ao backstage e está o Andro [Conductor] a pôr um som da Tanzânia ao qual eu nunca iria chegar. Apesar de nem me lembrar do nome daquela pessoa, aquela batida pode influenciar-me muito mais do que qualquer coisa, vou tentar reproduzi-la e tentar misturá-la com um baixo de techno que ouvi o Richie Hawtin tocar num festival qualquer. Procuramos a influência de artistas que nos surpreendam e não aqueles que já sabemos que são bons e espectaculares – com esses temos mais de lutar para não nos parecermos tanto com eles.


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“Faz todo o sentido ter um Fala Baixo itinerante: não só pela Europa, mas também Porto, Faro, Évora, Bragança… Guimarães tem uma noite bass music incrível, os putos adoram. Qualquer cidade universitária tem fãs de bass music.”

 


E a noite? Olhar para tantas personagens na noite, tanto em Lisboa – nestas noites de Fala Baixo – como noutras cidades, também inspira as tuas criações?

É a maior inspiração. Nas noites Fala Baixo, o que acontece muito é que como estou a convidar artistas de que gosto muito e sei que são bons DJ, ouço misturas que eles fazem ou momentos da noite em que só me apetece ir para casa… mas para ir fazer música! (ri-se) Às vezes dou por mim a cantar coisas parvas no telemóvel, como referência. Têm sido noites muito divertidas e inspiradoras: há muitas festas de drum ‘n’ bass que têm vindo a tornar-se muito pesadas, porque vêm sempre os artistas com o mesmo tipo de som, o mesmo público – e aqui são pessoas completamente diferente. O Musicbox está no local perfeito, com Lisboa na moda: há montes de pessoa, algumas que nem sequer vão a este tipo de festas! E era mesmo isso que eu queria. Aliás, posso dizer que o Rogério Brandão – aka Nigga Fox – passa a vida nas Fala Baixo! Tenho certeza que ele, como produtor, já foi para casa montes de vezes fazer beats depois das Fala Baixo.

É assim que vai crescendo aquilo a que se chama o som de Lisboa? Vocês, os Buraka Som Sistema, a malta da Príncipe que apanha estas novas influências e leva-as de volta para os bairros dos subúrbios e mistura-as lá com as outras raízes musicais?

É isso. Até posso dizer que esse som que fiz com o Mikal – “Control of People” – surgiu porque a namorada dele que assina como The Rum Baba conhecia bem os Buraka: viu o Boiler Room, percebe a nossa ideia do zouk bass e pôs-nos em contacto. O “Control of People” é uma verdadeira fusão entre o som de Lisboa e o som de Londres! Tens os elementos drum ‘n’ bass, mas a quatro-por-quatro. É o som de Lisboa a crescer e a expandir-se, tanto que este meu projecto com o Mikal está a crescer e vamos tornar-nos numa dupla de produção – já temos três temas.



Vamos voltar ao Fala Baixo: este dia 16 de Julho, o que vamos poder ver e ouvir no fecho da primeira “temporada”?

Vamos ter o Phace que fará, muito provavelmente, a noite mais tekky, mais ficção científica do Fala Baixo. Tem um som muito próprio, sem cair no barulho excessivo. É um artista muito versátil e não esperem beats normais, ritmos e batidas completamente alucinadas. Já tem muitos anos de música, já editou por várias editoras – uma delas a Vision Recordings dos Noisia.

E já pensas na segunda temporada de Fala Baixo?

Estamos sempre a pensar! Levantamo-nos e a seguir sentamo-nos: ou para mandar emails ou para fazer música! Já tenho alguns artistas alinhados, mas ainda estamos a organizar a agenda. Também queremos inovar, mudar para não habituar as pessoas sempre à mesma coisa.

Vês estas noites a ganharem outras casas para lá do MusicBox? Noutros pontos do País, pela Europa fora?

Faz todo o sentido ter um Fala Baixo itinerante: não só pela Europa, mas também Porto, Faro, Évora, Bragança… Guimarães tem uma noite bass music incrível, os putos adoram. Qualquer cidade universitária tem fãs de bass music. Está a ser pensado, mas também tenho Buraka, os meus outros projectos de produção… e sou só uma pessoa! (risos) Eu tinha a minha editora, a FasterMusic, e tive que a pôr em pausa porque era complicado geri-la sozinha. Mas faz sentido transformá-la numa Fala Baixo Records, ou algo do género.

Lançaste, há uns tempos, o EP Originator. O que tens previsto para breve em termos de edições?

O EP é uma homenagem ao zouk bass. Tive a sorte de trabalhar com o [MC] Strategy, que fez um dos sons mais relevantes dos últimos tempos com Dub Phizix.Depois, na calha, tenho trabalhos com o Dub Phizix, trabalhos a solo, trabalhos como Riot & Mikal – que sinto que tem mesmo muita fluidez. De tal forma que nem sequer sei se sai primeiro o meu disco ou esta colaboração! E pronto: é continuar a fazer música!

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