Texto de

Publicado a: 06/07/2017

pub

rincon-critica

[TEXTO] Núria R. Pinto

Entre 2008 e 2010, uma tentativa de cancelamento de um serviço de TV cabo no Brasil poderia ser travada – e todos sabemos quão árdua pode ser a tarefa, em qualquer país do mundo – por Danilo Ambrosio, 31 anos, São Paulo. A ideia de ter um MC, e dos bons, a tentar dissuadir-me de desistir do serviço ao qual estou eternamente fidelizada desponta-me alguma frustração – imagine-se a retórica. Antes de ser Rincon para o mundo – desde criança que o era, para os amigos, em jeito de homenagem ao colombiano Freddy Rincón, ídolo no Palmeiras e Corinthians dos 90s – era o miúdo que distribuía flyers nos semáforos ou pintava os muros dos vizinhos em troca de uma nota de dez, antes de chegar a casa para se perder na banda sonora de Michael Jackson, Marvin Gaye, Jorge Ben ou Tim Maia. Até aqui, Danilo era um normal adolescente do Cohab I, o aglomerado de residências sociais do bairro de Itaquera, zona Leste de SP. Depois disso, normal talvez não seja o adjectivo certo.

 



Em 2011, nasce Rincon Sapiência. Ou Manicongo, ou Ludmillo. Qualquer um deles serve para fazer referência ao rapper da fala mansa, cujo single “Elegância” o disparou para outros olhares e outros ouvidos. Entre histórias de maior ou menor sucesso, que envolvem parcerias infrutíferas com grandes produtoras e quedas vertiginosas do top 5 do hip hop brasileiro para Rincon Who?, 2017 trouxe-nos Galanga Livre. E que prenda!

 



O álbum de estreia do MC é hip hop que dança, é África a rimar, é samba, é umbanda e camdoblé, bordados por versos irrepreensíveis e um storytelling delicioso. E isto sim, é trabalho de um verdadeiro mestre de cerimónias. Galanga Livre diz ao que vem: a história de Chico-Rei, personagem lendário que teria sido trazido, como escravo, do Congo para o Brasil e que teria conseguido comprar a sua alforria, tornando-se “rei” de Ouro Preto. O seu nome original era Galanga e é da sua libertação – e a de todos os negros, ontem e hoje – que se fazem os seus versos. Em “Crime Bárbaro”, primeira faixa do álbum, o “nego fujão” mata o seu mestre dando-se, assim, início à rebelião contra o sistema opressor. E ouvimo-lo como ele manda, dançando pela liberdade logo desde o primeiro beat. Aliás, Galanga Livre é, todo ele, um álbum de ode à liberdade: a faixa “Amores às Escuras” retrata questões de género e os problemas enfrentados, particularmente, pelas mulheres negras. Já “Moça Namoradeira”, uma incrível faixa-samba com participação de Lia de Itamaraca, procura romper com a cultura de submissão das mulheres em relação aos valores ditos tradicionais e aos relacionamentos que, não raras vezes, resvalam para o abuso. Em “Ostentação à Pobreza”, o MC tenta romper com a ideia equivocada de que existe um tipo de pobreza, a miséria, que já se extinguiu e, “Ponta de Lança” (Verso Livre) que inicialmente não ia entrar em Galanga Livre, viu o seu destino mudar quando bateu o recorde de 5 milhões de visualizações no YouTube e, “por livre e espontânea pressão” do artista, acabou por ter lugar na tracklist.

 



Durante anos, Rincon Sapiência ficou encostado à prateleira da Midas Music a achar que apenas um hit o poderia trazer de volta ao topo. A percepção de que não poderia estar mais longe da verdade só chegou depois de algumas viagens pelo Senegal e Mauritânia, onde o seu berimbau e referências musicais africanas lhe trouxeram respostas bem mais positivas por parte do público do que aquelas que recebiam os rappers franceses, com as suas referências underground e os estilos nova-iorquinos. Galanga Livre é o resultado desse trabalho de campo: uma ode à cultura afro no seu estado mais puro e que, até agora, só conseguiríamos encontrar em trabalhos de Emicida ou, a espaços, Criolo.

Capoeira, coco, tropicália, afrobeat e até o rock mais africano são as tags de um álbum inteiramente produzido pelo MC, com excepção para a faixa “Amores às Escuras”. Lançado pelo selo Bóia Fria Produções, Galanga Livre teve a co-produção, mix e direcção musical a cargo de William Magalhães (Banda Black Rio) e a masterização por Arthur Joly (Reco-Master).

O download pode ser feito, gratuitamente, aqui. A dança é livre!

 


pub

Últimos da categoria: Críticas

RBTV

Últimos artigos