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Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 23/03/2023

O baile que não podemos negar.

Ricardo Crávidá sobre “Meu Rapaz”: “É o ponto-de-vista de alguém que até a sofrer acha que não o faz bem”

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 23/03/2023

Ricardo Crávidá cresceu na Graça e a sua música é influenciada quer pelas casas de fado que rodeavam a sua casa, quer pelos carros que ostentavam sistemas de som tecnologicamente mais avançados do que os próprios motores — dos quais saiam pelas janelas os mais variados ritmos africanos, com especial enfoque no kizomba. Foi mais ou menos esta a descrição que nos deu quando, há uma semana, deu um slide nas nossas DMs do Instagram para anunciar as mais recentes novidades que tem estado a preparar.

A este breve quadro que nos pintou, juntam-se ainda outros fenómenos musicais mais globais, como são os casos do trap ou do reggaeton, que podemos facilmente detectar nos temas que tem vindo a lançar até aqui, desde o primeiro “10 Horas (Êxodo)” até à canção que deu por encerrado o alinhamento de CRAVI, “VIDA TODA“, mostrada a 26 de Maio de 2022.

Quase um ano depois, o cantor, músico e produtor volta à carga com um produto inteiramente criado por si desde a raiz, um EP intitulado A Balada Lisboeta, que começa hoje a ser desvendado através do single inaugural “Meu Rapaz”. O plano passa agora por editar uma nova faixa a cada três semanas até esgotar o alinhamento desse curta-duração, conforme explicou à nossa publicação numa troca de impressões, que o levou ainda a lembrar os seus primeiros passos na música ou a esbater umas ideias em torno desse grande caldeirão de influências que é a cultura do som em Portugal.



Estás neste momento a antecipar o teu novo EP, mas reparámos que andas a editar singles há, pelo menos, quatro anos. Como é que a música surge na tua vida e porque é que sentiste que agora era a altura certa para assumir um compromisso maior com o lançamento deste projeto?

Comecei a tocar guitarra por volta dos 10 anos. Ouvia constantemente fado e música popular portuguesa em casa dos meus avós, kizomba e afro com a malta da minha zona, o meu tio era pianista e teve uma banda pop no Reino Unido, o meu padrasto é baixista e vocalista em bandas de punk rock português, então sempre estive bastante envolvido em diversos géneros musicais, o que fez com que fosse explorando e experimentando coisas diferentes. Essa questão de estar no meio de tanta música distinta, fez com que, talvez, houvesse um desfasamento artístico, ou seja, quase como uma crise identitária, musicalmente falando, em que embora gostasse de tudo, sentia que não pertencia a nenhum género. Claro que, com o tempo, esse gosto vai afunilando e vamos começando a ouvir certos géneros musicais mais frequentemente. Então decidi começar a criar a minha própria música. Instalei o Fruity Loops e comecei a aprender a produzir, mas era horrível [risos]. Entre 2016-2017 fui trocando umas ideias com o Pedro Mafama, amigo de infância, que também partilha essa mesma visão, de que é possível criar algo nosso e algo novo. Para não estar parado, na altura, comecei a gravar musicas com instrumentais que comprava online ou ao Franklin Beats, enquanto ia aperfeiçoando a minha produção musical. Fui lançando músicas para ir treinando a escrita, a técnica de voz, até a própria captação, tudo com o intuito de, eventualmente, lançar algo produzido por mim. Em 2020, na pandemia, com imenso tempo livre, dediquei mais tempo à prática e criei A Balada Lisboeta. Tenho este projeto pronto desde 2020 e fui guardando-o até achar que era altura para o lançar. Decidi que a altura era agora.

Percebemos que compões, escreves, tocas, produzes e interpretas. Há algum motivo na base dessa decisão de te responsabilizares por todo o processo criativo? Não passa pelos teus planos delegares algumas dessas tarefas a outras pessoas e tornar o teu projecto mais aberto à colaboração?

Eu próprio ainda não sei bem onde esta Balada me vai levar, sendo que é algo tão conceptual, é muito mais complicado delegar tarefas a alguém, porque não é tão fácil como pedir para fazerem um type beat de um determinado estilo. É preciso alguém que queira trabalhar comigo e que sinta que a minha visão vai ao encontro da visão dele/a. O Franklin Beats tem mão num instrumental que eu lhe enviei e retocou-o um pouco à sua maneira. Gostei do que ele fez no som da Rita Vian, “Purga“, e já o conheço há imensos anos, então foi fácil ele entender aquilo que eu queria.

Quando te apresentaste à nossa redacção, destacaste as casas de fado e a kizomba que escutavas a sair das janelas dos carros como influencias no teu processo de amadurecimento musical. De que forma é que a música que fazes agora se relaciona com esses dois registos tão distintos e que forma é que arranjas para a descrever?

No seguimento do que disse na primeira resposta, com o tempo fui afunilando todos aqueles estilos musicais que ouvi a crescer e esse funil trouxe, principalmente, ritmos africanos, como kizomba e afro e daí advêm todos os sub-géneros envoltos, como o zouk ou tarraxinha, afro-house, afro-trap, afrobeats, semba… Ou seja, são géneros que eu sinto que pegam muito pela secção rítmica, o que fez com que o meu interesse pela percussão fosse enorme, daí ter bastantes elementos rítmicos n’A Balada Lisboeta. Se reparares, no “Meu Rapaz”, embora não tenha nada a ver com kizomba, o padrão do kick é igual ao da kizomba, com mais BPMs e uns quantos ajustes. O meu objetivo nunca foi apropriação cultural, mas sim utilizar aquilo que a cultura portuguesa e, no meu caso, mais especificamente lisboeta, me mostrou ao crescer. O fado: além de ter crescido a ouvi-lo, a minha maneira de cantar, com os melismas que uso ou as brincadeiras que faço com a voz, o tipo de melancolia na escrita e no canto, foi introduzido quase que intrinsecamente. As guitarras que toco, também tento emular um pouco o padrão da guitarra portuguesa, tentando ser o mais fiel à beleza que esse instrumento transmite.

Tens em mãos o EP A Balada Lisboeta, que nos disseste ser fruto de uma vontade de “criar um hino só nosso, um estilo musical que seja bailado por nós, Lisboetas.” Achas que aquilo que se está a criar a partir da capital é obrigatoriamente diferente do que se faz no Porto ou em Faro? Vês esse som como um fenómeno regional e não nacional?

A questão d’A Balada Lisboeta surge apenas do facto de eu ter nascido e crescido na Graça, um bairro histórico no centro de Lisboa. Quero apenas mostrar aquilo que Lisboa me transmitiu em tantos anos de lá morar e sinto que, se a vida real fosse uma qualquer rede social e eu tivesse de identificar alguém na minha publicação, as primeiras pessoas seriam os lisboetas, pelo facto de terem crescido no mesmo ambiente que eu. Isto não implica que este som seja apenas regional, é apenas a minha perceção dessa mesma região. Incluir o Porto ou o Algarve, mesmo tendo família em Alvor e no Porto, seria o mesmo que eu querer representar Angola, por exemplo, pelo simples facto de gostar de kizomba. Não sou do Porto, nem Angolano. Tenho influências de tudo o que mencionei anteriormente, mas sinto que não seja bom ou justo tentar representar um sítio que tem a sua própria representatividade. Deixo para as pessoas dessas regiões aceitarem aquilo que quero transmitir e adotarem esse som como algo com que se identifiquem.

Lanças em breve um novo single, “Meu Rapaz”: como é que a ideia para esta faixa te surgiu e sobre o que é que ela nos fala?

O “Meu Rapaz” fala sobre saúde mental, aliado a tudo o que disse anteriormente. Foi criado em 2020, na primeira quarentena. Eu morava com o meu avô e ele foi, na altura, diagnosticado com cancro no cérebro, acabando por falecer uns meses depois. Isto deixou-me muito perturbado, porque era das pessoas mais importantes para mim, o que acabou por me trazer uma das fases mais complicadas da minha vida. O “Meu Rapaz” fala sobre a saúde mental na primeira pessoa, como se uma GoPro estivesse dentro do meu cérebro e ele escrevesse sozinho. É o ponto-de-vista de alguém que até a sofrer acha que não o faz bem. É a explicação do que alguém, que entra em exaustão e que pensa em acabar com a própria vida, sente quando nem isso consegue concretizar, é “só mais um conto de um ganda otário que eu vejo dia-a-dia e dia-a-dia adia e nada”.

Em relação ao disco, já definiste uma data para o lançar? E o que é que podemos esperar de diferente nesse conjunto de canções, face ao que já tinhas editado até ao momento?

A Balada Lisboeta começa quinta-feira, dia 23 de Março, com o primeiro single “Meu Rapaz” e irei lançar o resto a cada 3 semanas, disponibilizado da seguinte maneira: “Meu Rapaz”; “Intro” + “Perdida Graça”; “Mercado Negro”; “Outro” + “Vizinha de Cima” com co-produção do Franklin Beats.

A principal diferença entre o que já lancei anteriormente com o novo projeto é, principalmente, a visão artística. A questão de ser um projeto 100% produzido por mim, fez com que fosse muito mais fácil criar algo que espelhasse aquilo que eu sinto e aquilo que ouço na minha cabeça quando penso no meu bairro, a Graça. Nada do que eu estou a fazer é a verdade absoluta, na música isso não existe. Isto é só a minha verdade e espero que quem a ouvir, sinta algo, seja aquilo que for.


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