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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 22/06/2022

Trazer a espontaneidade para a música de computador.

Rian Treanor: “Sempre me senti atraído pelos ritmos mais esquisitos. Ficava obcecado em entender como é que se faziam”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 22/06/2022

A edição deste ano do MUPA, em Beja, começa hoje e Rian Treanor é um dos nomes que podemos encontrar no cartaz. Em 2018, o produtor deu nas vistas com o EP Contraposition, editado pela Arcola, subsidiária da Warp Records. O seu mais recente EP, Obstacle Scattering, foi lançado em 2021 pela Planet Mu. Ao músico britânico é-lhe apontada a capacidade de reimaginar os sons da cultura club — e o seu trabalho artístico desenvolve-se através da experimentação com recurso ao computador para produzir música.

Estivemos à conversa sobre o seu regime de trabalho, a cultura underground (e menos underground) do techno e os desafios que enfrentamos face às circunstâncias em que vivemos. 



Quando é que começaste a fazer música? Como é que a música electrónica surgiu na tua vida?

Desde que me lembro que a música esteve sempre presente na minha vida. Cresci a ouvir música com a minha família e com os amigos dos meus pais [músicos e ravers]. Tenho memórias muito antigas de festas. Sei o que é música [e reconhecê-la] desde muito novo. Comecei a fazer a minha própria música na adolescência. Queria fazer música de dança, música de club. Cresci em Sheffield no meio da cena techno/rave da cidade. Percebi rapidamente que a música do meu pai estava intimamente relacionada com esta cultura, apesar do seu trabalho se focar mais nas qualidades e particularidades do som do que na pista de dança. A sua música assemelhava-se a música de computador, tinha qualquer coisa de estranho. Procurava na música techno as sonoridades mais estranhas possíveis, lia todos os textos dos discos da colecção do meu pai. Encontrava assim a música mais estranha possível. As minhas produções foram necessariamente por este caminho. Procurava entender como é que se fazia certos tipos de som, identificar diferentes tipos de composição… Aí começou o eterno rabbit hole [risos]: quando começas, não consegues mais parar.

Iniciaste o teu processo de produção no computador ou com máquinas?

Tinha uma drum machine e um pequeno sampler. Fazia samples e misturava-os com discos. Foi desta forma que fiz as minhas primeiras faixas. Hoje em dia seria incapaz de fazer uma faixa desta maneira. Produzo tudo no computador, basicamente através do Logic. Procuro imprimir brutalidade e intensidade no techno que faço. As minhas produções vão beber ao breakcore e ao gabber. Uma das minhas primeiras experiências de produção de música electrónica foi usar uma Nintendo com o jogo do [Super] Mario e fazer música com aquilo!

É notório que sempre foste apaixonado por música electrónica e portanto imagino que tenhas sido uma presença assídua em raves e que tenhas feito parte desta cultura. O que é para ti a cultura club? Que possibilidades vês neste movimento?

As coisas estão muito estranhas neste momento. O mundo está constantemente a mudar, há constantemente novos eventos a acontecer que mudam o xadrez da realidade. Acontecimentos como o confinamento, que nos deixaram isolados sem contacto social, sem dançar e sem qualquer tipo de diversão. Foi muito violento. Afinal de contas, estas pequenas coisas são uma grande parte desta cultura, não são? As consequências da pandemia foram muito óbvias no bem-estar psicológico das pessoas. Desde a adolescência que frequentava festa ilegais, espaços DIY… Basicamente, eventos não comerciais. Aos 18 anos, quando comecei a ir a discotecas, percebi que frequentar um club custava cinco vezes mais que isso. Tem havido uma grande comercialização na indústria musical, o que não é necessariamente mau porque apoia vários artistas na apresentação do seu trabalho a diferentes audiências. Começou a acontecer nos últimos 30 anos, mas nos últimos 10 anos esta evolução é muito evidente. Gostaria que as circunstâncias se desenvolvessem de maneira a que todes nesta indústria tenham os mesmos acessos e oportunidades. Refiro-me a técnicos de som, produtores, agentes… Estamos a viver mementos muito difíceis, as pessoas não conseguem comprar comida ou gasolina. Diria que é muito valioso neste momento divertimo-nos.

Concordo contigo. Claro que existem prioridades. As circunstâncias sociais e políticas que estamos a viver trouxeram mudanças irreversíveis. A indústria musical encontrou novos meios para não deixar cair a sua economia, como por exemplo os concertos e DJ sets no metaverso. Estas mudanças são complexas, não há um juízo simples sobre as suas consequências. Uma das coisas que me parece clara é a ausência física da experiência sonora através de um sistema de som. Quem já esteve em frente a um subwoofer sabe o quão rica é essa experiência, o quão importante é para a totalidade da experiência musical.

Sim! Tenho trabalhado com um grupo de idosos cegos e o trabalho que temos desenvolvido é fazer música. Conversámos sobre a presença física do som… Há qualquer coisa em si [no som] que podemos sentir, mas que não podemos tocar, é estranho. Não sei o que é que leva tanta gente a apaixonar-se por isto… Podemos especular os motivos ideológicos e pessoais e tentar estabelecer uma lógica deste grupo de pessoas, mas não faria qualquer sentido. O facto é que para muitas pessoas esta cultura é o centro da sua vida, é estranho… Não faz sentido.



Reparei que o teu trabalho artístico tem vindo a cruzar disciplinas artísticas como a performance, arte multimédia e instalação. São exemplos os projectos Symmetry for Five e Inter-Symmetric. Os teus próximos trabalhos dão continuidade a este processo?

Antes da pandemia estava a fazer vários workshops e esta era a direcção que tinha estabelecido para a construção do meu trabalho artístico. A pandemia obviamente desacelerou este processo. Uma das minhas preocupações em relação ao que fazer artisticamente prende-se com a pergunta de como partilhar a experiência artística, como partilhar o fazer criativo, como colocar as pessoas no processo criativo do objecto artístico. Há de facto uma relação entre as pessoas envolvidas e há uma espécie de feedback loop curioso. O trabalho que se faz isolado em estúdio e que depois é partilhado não tem o mesmo impacto nas pessoas, a sua experiência do objecto é muito diferente. Uma vez perguntaram-me: “como é que se faz trabalho cativante?” Nos trabalhos artísticos onde a participação e a colaboração são o centro do desenvolvimento de uma ideia, sinto que há de facto uma troca, uma resposta, uma conexão com aquilo que estão a fazer. É um processo que, no meu ponto de vista, produz mais significado, mais conteúdo. Temos que pensar novas formas de fazer as coisas. 

A música electrónica do Reino Unido é muito particular quando comparada com a música electrónica de Tbilisi ou Berlim e desafia bastante a estrutura rítmica 4/4 padrão da música techno. No álbum File Under UK Metaplasm (2020) percebemos que quereres desafiar este padrão. Concordas? Podes contar-nos como foi a experiência artística no Boutiq Studio em Kampala?

Sim, concordo. Cresci a ouvir música 4/4 e não ouvi outra coisa até aos meus 20s. Adoro música 4/4 e foi a partir dela que comecei a entender as subtilezas dos ritmos, as micro-mudanças dos padrões… Foram estes detalhes que capturaram a minha atenção. Ouvi tanta música 4/4 que não posso voltar a ouvi-la [risos]! Sempre me senti atraído pelos ritmos mais esquisitos, ficava obcecado em entender como é que se faziam. Já trabalhei com músicos indianos e aprendi muito com eles. Influenciou a minha maneira de programar. Podemos, por exemplo, utilizar números que não são divisores de três ou quatro, que é a maneira de dividir na maioria dos softwares de produção musical. Em Kampala trabalhei com o músico Ocen James, que faz música electrónica tendo em conta os ritmos tradicionais da sua cultura. O resultado são faixas a 60 BPMs, 4/4, com acordes em escala maior. A sua ideia é a seguinte: colocar os ritmos mais complexos possíveis na batida 4/4.

O Boutiq Studio é incrível! Cheio de pessoas a improvisar, a… fazer de tudo [risos]! Um lugar muito dinâmico. Foi muito bom ter estado lá, tanta coisa que aconteceu… Lembro-me das “competições” de DJ onde todes se estimulavam mutuamente e onde havia um espírito competitivo saudável. Foi provavelmente a cena mais energética e extravagante que conheci. Recentemente concluíram as obras do seu novo estúdio Vila. Recordo-me de festejar o último dia de obras ouvindo techno a 200 BPMs [risos]. 

Podes falar um pouco sobre a linguagem Max/MSP que usas para programar? Gostaria que falasses também sobre os instrumentos digitais que crias e que emitem padrões aleatórios.

O Max é muito bom para programar drum machines e coisas do género porque podes utilizar objectos e conectá-los de diversas maneiras. É um procedimento básico, não é exactamente codificação. Podes ter vários tipos de relação entre objectos, como um slider ou conectar diferentes coisas como a velocidade de um padrão, ou os processadores de um sintetizador. Basicamente é isso que faço: drum machines e sintetizadores com processadores diferentes pensados para serem usados ao vivo e nos meus workshops. Aprendo bastante com o feedback das pessoas que as utilizam. Não sei tocar instrumentos, portanto tenho que fazer as coisas de outra maneira. Uma das coisas que mais me inquieta é pensar a espontaneidade em relação a máquinas pré-programadas, como o computador. Como é que se faz música espontânea em algo que está já programado? É um problema que estou constantemente a tentar resolver: como é que imprimo flexibilidade numa estrutura pré-determinada, como é que crio espaço para a improvisação? É um paradoxo muito interessante. 

É uma preocupação sem dúvida interessante… E não posso deixar de notar que apercebemo-nos dela nos teus albums. Estás a trabalhar no teu próximo álbum? Como está a tua agenda este Verão?

O meu próximo álbum é uma colaboração com o músico Ocen James, já aqui mencionado. O seu lançamento vai ser anunciado em Julho e vamos fazer alguns concertos em Outubro no Reino Unido. No dia 24 de Junho vou estar no festival MUPA, no dia 2 de Julho no Radar Studio [Vigo] e de seguida faço duas residências artísticas em Praga. Vou tocar umas quantas vezes no Reino Unido também.


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