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Fotografia: Camille Leon
Publicado a: 20/09/2021

Numa fase diferente da vida.

RealPunch: “Há qualquer coisa nos instrumentais do John Miller que me puxam a falar sobre a minha região”

Fotografia: Camille Leon
Publicado a: 20/09/2021

Muito se tem falado dos estímulos criativos (ou falta deles) provenientes da pandemia de COVID-19; no sector musical muitas foram as músicas concebidas durante este período, onde alguns artistas finalmente tiveram mais tempo para se dedicar à sua arte. RealPunch, rapper algarvio, é um destes casos.

Um terço dos míticos Tribruto, o MC aproveitou da melhor maneira os confinamentos, a que todos fomos sujeitos, para criar nova música: resultado disso é o EP Do Minho ao Algarve (Vol. 1) em conjunto com John Miller (e não só).



Da última vez que falámos, o projecto GLDNSHWR com o David Bruno estava prestes a ser lançado. Esse trabalho acabou por estar bastante tempo na gaveta, uns bons anos em processo de maturação, como tu próprio disseste.  Este Do Minho ao Algarve teve um processo comum?

Basicamente, o GLDNSHWR ficou escrito em 2012/2013, e só saiu cinco anos depois, em 2018… cinco anos de maturação. A minha agenda e do dB acabaram por não estar em sintonia, o dB estava com Conjunto Corona, eu com Tribruto, mais tarde também com o Diogo Piçarra e a meio do processo também fui pai, em 2015! Devido a tudo isto, entrei naquele exercício de ir mostrando o projecto a malta com o pretexto de “isto está feito desde 2013” e o feedback foi sempre, “mas isto está bastante actual/envelheceu bem”. E, pronto, acaba por sair em Setembro de 2018 porque o Gijoe, que estava a fazer uma curadoria para um dos palcos do Festival F, me convidou para ir lá tocar e acabei por aproveitar esse timing tanto para lançar o projecto, como para o apresentar nesse concerto.

Para este aqui, curiosamente eu estive sem fazer rap um bom tempo, tirando algumas participações soltas pontualmente. Com o primeiro confinamento em Março de 2020, pus-me nas brincadeiras com o Kristoman, em alguns directos para o Instagram, e o John Miller andava a assistir e picou-me: “vou-te mandar um pack de beats”. Na manhã seguinte recebi o tal pack com cerca de 10 instrumentais e a partir daí precisei de readquirir rotinas de escrita, estava completamente destreinado e esta era a primeira vez em algum tempo que dava uso à caneta!

O EP fica feito em Outubro do ano passado, mas só acabou por sair este ano porque quisemos fazer as coisas de forma organizada, com um single, vídeo de apresentação, etc. Nesse mesmo mês de Outubro toquei no festival Faro Alternativo, experimentámos todas as faixas do EP e acabou por correr muito bem, o feedback foi muito positivo. Entretanto, as restrições devido à pandemia voltaram a apertar e adiámos várias vezes as filmagens e concluímos que tínhamos mesmo de lançar o EP, porque era uma pena ficar na gaveta como o GLDNSHWR. Eu e o Uput juntámo-nos, ele tinha uma câmara, e foi de forma bastante caseira que gravámos o videoclip do “Ginga”. Depois disso, preparámos as cópias físicas e em Abril deste ano veio para as ruas.

Considero este EP como o trabalho mais introspectivo que lançaste até agora, abordas vários tópicos mais sérios. Concordas? 

Pode dizer-se que sim. Em seis faixas, tenho uma de punchline, que é aquele registo pelo qual sou mais conhecido. Acaba por ser um trabalho mais introspetivo como falaste, mas fiz questão que o exercício da escrita estivesse sempre presente, e o “Ginga” é o reflexo disso. Alguns dos tópicos do EP estavam pensados, só precisei de encontrar o instrumental perfeito e desenvolvi as faixas a partir daí.

Inclusive, a faixa “Vida de Adulto” lembrou-me o teu verso para “Janelas” de Tribruto, onde a abordagem é semelhante: um exercício de reflexão sobre diferentes fases da vida, onde te exteriorizas da tua pessoa.

Completamente, são diferentes fases da vida que acabam por te puxar um pouco mais para esse mood, estou a ficar mais velho! Já agora, o “Vida de Adulto” era das faixas que tinha há mais tempo, acabei apenas por alterar o instrumental e reajustei algumas rimas que já não me soavam tão bem.

Sentes que os beats do John Miller também te puxaram para este tipo de temáticas?

Sim, sim. Os instrumentais dele têm aquela sonoridade mais relaxada, mas sempre com aquele toque old school que acabaram por me puxar para aquilo que podemos ouvir neste disco. Ao ouvir alguns dos instrumentais, soube logo em quais tinha que recorrer à punchline, ou respirar e explorar novos assuntos, experimentar novas formas de fazer música. Tenho ali alguns refrões mais arriscados como o “Até Amanhã”, mas, depois de um período de paragem tão grande, quis demonstrar que posso ser um artista versátil.

Ainda nessa faixa, tens um interlúdio inicial bastante interessante. De quem é essa voz? 

Isso foi tudo pós-produção do John Miller, se não me engano é o Agostinho da Silva. Por acaso foi um pormenor que gostei muito no trabalho final, está recheado de algumas pérolas: no “Tem Avondo” tens aquela voz inglesa dos anos 70/80 mesmo clássica e na “Para Sempre” também tens essa camada adicional. Nisso tenho que tirar o chapéu ao John Miller! 



Como referiste, a faixa “Um Terço Disto” que partilhas com o Uput, é a única com o tal registo de punchline e a meu ver ficou muito interessante. Depois de a escutar, fico com a sensação de que estiveram numa competição bem acesa em estúdio para ver quem escrevia as melhores rimas…

Foi quase isso! Estive sempre a apertar com o Uput – “se tu vens fraco, não entras!” e ele levou aquilo mesmo a peito [risos]. O Uput é um grande punchliner, mas também não é muito frequente lançar projectos. Em 2014 lançou em conjunto com o Buda o trabalho Palmatória, e em 2015 o “Código Binário” a meias com o Rawcutz, ou seja, já lá vão uns bons anos desde o último projecto dele. Acabei por convencê-lo a participar nesta faixa e fiquei mesmo contente, porque, a meu ver, ele ‘”matou-me”. Veio com barras muito fortes que, na minha opinião, possuem um grande replay value

Como o próprio nome do projecto indica, tu és algarvio, especificamente de Faro, e o John Miller do Minho, directamente de Famalicão. Apesar desta conexão no projecto, o nome da primeira faixa (“Tem Avondo”) contém um regionalismo bem algarvio que certamente passará ao lado de muitos famalicenses. Como abordaram esta questão?

Curiosamente eu e o John Miller já falámos sobre isso, a nossa primeira colaboração culminou na faixa “Inverno” e também é sobre o Algarve! Há qualquer coisa nos instrumentais dele que me puxam a falar sobre a minha região. Neste caso, “ter avondo” sempre foi uma expressão que gostei e resolvi agarrá-la para este tema. Para quem desconhece o significado, basicamente é como dizer “tem calma”, “já chega”, “está bom”… ainda me lembro da minha avó a utilizar [risos]. Curiosamente, o conceito até acaba por surgir ali no primeiro confinamento, naquela fase em que muitas pessoas de outras partes do país resolveram vir para as suas segundas habitações no Algarve, e surgiu uma senhora nas redes sociais que começou a atacar os algarvios e aquilo ficou viral! Senti que tinha de mostrar o meu “orgulho à camisola”, porque ainda somos muito olhados de lado…

Este primeiro volume do EP Do Minho para o Algarve fechou agora o seu ciclo com o lançamento do videoclipe para este “Tem Avondo”, num conceito muito especial, não foi?

Exactamente, quisemos prestar uma homenagem ao Algarve. O conceito passou por percorrer toda a região em um dia para estas gravações, começando ao amanhecer em Vila Real de Santo António [no sotavento algarvio], com passagem obrigatória em vários pontos importantes e terminando na outra extremidade da região, em Sagres [barlavento algarvio]. Apesar disso, a meteorologia não ajudou e tivemos que repartir as filmagens em três dias, mas o resultado ficou muito interessante, foi algo bonito para terminar este capítulo.

Ainda tocando no título do projecto, podemos ler Volume 1 em letras garrafais na capa. Pretendem fazer mais?

Estamos a trabalhar no segundo, vamos ver até onde isto nos leva! 

A nível lírico, tiveram participações do Uput (Algarve) e do Cálculo (Minho) para este disco. Pretendem ter mais participações das duas regiões do país? 

O Uput é alentejano, mas vive há quase tanto tempo como eu em Faro, portanto já é metade Évora, metade Faro [risos]. Relativamente ao Cálculo, a participação dele é uma história curiosa. No primeiro confinamento andava a jogar os meus videojogos e muitas das vezes o Cálculo também se juntava, e em conversa acabei por lhe pedir para gravar aquele que é o refrão do tema “Vida de Adulto”. Só depois de estar tudo terminado é que me apercebi que ele era minhoto, ou seja, temos três participações no projecto e estão todas divididas entre o Minho e o Algarve! Temos o Gijoe [com scratches em “Tem Avondo e “Um Terço Disto”] que é um algarvio de gema, o Uput que como já expliquei está ali entre o Alentejo e o Algarve e o Cálculo, que é de Barcelos (Minho). Tínhamos mais participações na calha para este primeiro volume, mas acabaram por não se concretizar. No segundo volume planeámos colaborar com alguns artistas, mas ainda é cedo para revelar. Posso adiantar que já temos algumas faixas praticamente concluídas, mas estamos a trabalhar “sem pressas”, até porque antes do segundo volume sair tenho outras novidades preparadas que vão ver a luz do dia primeiro!

Por falar em novidades, no teu concerto para o festival South Music (em Faro) acabaste por “levantar a ponta do véu” ao apresentar alguns temas inéditos, não foi?

Sim, apresentei pelo menos três. Ando a trabalhar com o Sickonce [ou Gijoe enquanto DJ], e temos cerca de sete/oito faixas finalizadas. Por agora, estamos a conectar as faixas entre si, já que fui recebendo instrumentais do Sickonce e comecei a escrever para os que mais me agradaram, sempre de forma bastante independente entre músicas, sem uma ligação real, portanto estamos a trabalhar em colar as várias “peças do puzzle” da melhor maneira. Ainda não sabemos se vai ser EP ou álbum, não me perguntes porque não me quero comprometer [risos]. De momento, estamos a fechar participações para o projecto e como tal, ainda vai demorar um pouco a sair… talvez no princípio do próximo ano esteja cá fora. Antes disso, posso adiantar que tenho um trabalho totalmente finalizado que será lançado muito em breve, neste último trimestre de 2021.


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