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Publicado a: 31/08/2018

RealPunch sobre GLDNSHWR: “Criámos aqui uma espécie de proxeneta intelectual”

Publicado a: 31/08/2018

[TEXTO] Gonçalo Oliveira [ENTREVISTA] Rui Miguel Abreu [FOTOS] André Piçarra e Rafael Correia

O Festival F também faz mexer o mercado: RealPunch apresenta amanhã o projecto GLDNSHWR ao vivo pela primeira vez e, como antecipação, a Kimahera lançou-o hoje para as plataformas digitais. dB produz as oito faixas do disco.

Há mais de uma década a representar as cores do hip hop nacional, com escola nos pioneiros do rap mordaz e bem-humorado dos Tribruto, RealPunch volta agora a colher louros a solo, depois de dois EPs e uma mixtape editados pela Kimahera — #FromHellgarveWithLove, o último a entrar para a lista, saiu em 2013.

Nesta peculiar viagem na pele de um “proxeneta intelectual”, o mestre das punchlines não podia desejar melhor companhia: dB, o produtor por detrás das batidas do universo dos Corona e também ele dono de múltiplas personas, é o produtor de serviço em GLDNSHWR, um projecto brejeiro que é digno de um trolha que consulta o Priberam antes de disparar o mais sedutor dos piropos ou daquele lendário treinador de bancada que ninguém vence numa troca de galhardetes taberneiros dada a complexidade do seu léxico, demasiado amplo para se confinar às quatro linhas de um campo de futebol. “Quando eu morrer vai ser feriado”, rima Punch em “Enche o Copo”, embriagado num egotrip de galã e na companhia do mais tolo e vitorioso dos sorrisos, enquanto exibe a ginga no jogo do palito que rebola por entre os dentes.

 



Isto é um disco que estava na gaveta há muito tempo. Antes de falarmos de porque é que demorou tanto tempo a sair, explica-me como é que surgiu esta ideia de fazer o GLDNSHWR com o dB.

Esta ideia surgiu da comunicação que eu fui tendo com o David Bruno. Nós conhecemo-nos por causa de Tribruto — ele em determinada altura enviou uma mensagem para a nossa página a dizer que curtia das nossas coisas e mostrou uns instrumentais. Na altura, estávamos a meio do Chavascal e, como tínhamos a política de que o Gijoe era quem produzia todas as nossas batidas, optámos por lhe sugerir um remix ou algo do género. Eu comecei a falar com ele porque estava a curtir da onda dos instrumentais, estamos a falar de 2012/2013, e comecei a colaborar com ele para um potencial álbum, que acabou por ficar na gaveta — há coisas escritas e gravadas mas nunca saíram. Entretanto surge Corona, comigo metido lá no meio, e nós apanhamos a boleia e começámos a trabalhar em algo — no GLDNSHWR. A ideia foi a de personificar um pouco aquela sátira que eu e ele temos. Aquele gosto de gozar com tudo. Criámos aqui uma espécie de proxeneta intelectual que gosta de mandar punchlines mas também gosta de assumir aquela vertente mais pimp da coisa.

Porque é que demorou tanto tempo a sair? Se calhar, nunca foi tão fácil meter música na rua como agora…

Eu chamo-lhe um processo de maturação. Começou em 2013. Concluímos o processo de gravação em 2014. Coincidiu com uma altura de muita actividade de Tribruto e coincidiu com a época em que fui pai. Também coincidiu com o impacto inicial de Corona. Eles estavam a tornar-se conhecidos e o dB começou a dar prioridade a Corona. Eu fiquei um pouco preguiçoso — não só por ter sido pai mas também porque arranjei uma PlayStation, que estragou completamente todas as minhas prioridades [risos]. Deixámos ficar o projecto na gaveta. Mas acabou por ser um exercício engraçado: passados cinco anos, sentimos que aquilo ainda se mantinha actual. Talvez porque o tipo de punchline que fizemos não recorre muito à comparação e é mais à base de trocadilhos. Tentámos fazer algo que fosse intemporal e que tanto fizesse sentido em 2013 como mais para a frente. É um dos grandes problemas da punchline — se as coisas não saem no dia a seguir, corremos o risco de que alguém esteja na mesma linha de pensamento que nós e se antecipe no lançamento daquela “barra” que nós estávamos a guardar para criar impacto. Depois acaba por não o ter. Nós conseguimos preservar esse factor da intemporalidade. Faz sentido lançá-lo nos dias que correm. Até porque é um projecto que nós fizemos com o intuito de dar valor às letras. A base instrumental, apesar de ter a assinatura do dB, é algo muito simples, com poucos kicks, mais à base do sample.

Houve alguma preocupação especial com os beats nesse sentido? Sentes que eles têm uma personalidade própria?

Têm, sem dúvida. E contribuem totalmente para a aura da coisa. São instrumentais que têm aquela componente soul clássica no hip hop, mas que dão para o MC brincar com o fogo, com a letra — ser eu próprio em cima daqueles instrumentais. Acabo por não só partilhar a personalidade do instrumental, como também consigo adoptar a minha própria personalidade enquanto MC. Acho que é uma coisa que se nota bastante neste projecto. As duas partes convivem perfeitamente.

Indo ao lado conceptual: estavas a falar do “proxeneta intelectual”. Isso nasce das conversas com o dB? Como é que se desenhou essa personagem e onde é que ela habita? É um Zézé Camarinha que engata na biblioteca?

Basicamente, é isso. É aquele gajo taxista que se está a cagar para a Uber. Se calhar até encaixava bem no Uber com a sua persona. Mas é um gajo com uma certa classe no meio da badalhoquice.

Conheces figuras assim?

Não [risos]. É uma figura bastante cinematográfica, por assim dizer. É muito Kusturica, como costumamos dizer entre nós.

Tanto tu como o dB são muito gozões. Achas que no meio desse humor é possível dizer coisas sérias?

Sim, sem dúvida alguma. Eu acho que a beleza da punchline é essa. Há uma coisa que o Rui Unas me disse, quando gravámos o “Mr. Brown” em Tribruto — ele comparou muito os rappers com os comediantes, por causa do clímax que montamos para construir uma punchline. A punchline pode ser totalmente acérrima ou pode ser camuflada em trocadilhos e humor até meter o dedo na ferida. Nós, mesmo a gozar, conseguimos dizer coisas a sério. Neste projecto, se calhar não. Mas em outros casos sim.

 



Há pouco referiste que um dos factores de demora na edição do disco foi teres sido pai. Estavas à espera que a tua criança crescesse para poder entender o que dizes no GLDNSHWR? [risos]

Não. Ela só tem dois anos ainda [risos]. Eu acho que este disco só vai ter impacto na vida dela quando fizer 18 anos ou na fase da adolescência. Ou vai amar o pai ou vai odiá-lo completamente [risos].

Fora de brincadeiras: isso pesa quando se está a escrever? Há uma responsabilidade diferente em cima dos ombros?

Inconscientemente começamos a pensar nisso. Primeiro, é uma filha, ou seja: aquilo que nós fizemos de errado com outras raparigas, poderá acontecer com a nossa filha.

Karma is a bitch.

Ya. Então quando o projecto é sobre um proxeneta intelectual… Tudo pode correr mal daqui para a frente na relação pai-filha. Eu acho que não. Parece-me que ela vai ser gozona como o pai. Já com dois anos e meio se sente aquele humor muito peculiar dela — goza com a mãe, goza com o pai. Acho que vai correr bem. Mas é uma incógnita [risos].

Se tu fosses um cromo do rap norte-americano, quem é que tu eras? Talvez um Slick Rick?

O Action Bronson. Malta da West Coast com quem me identifico, como o Suga Free. Esses gajos que têm aquela vertente pimp e que têm aquele carisma muito próprio. Mas mais o Action Bronson, por causa das punchlines da comida. Este projecto também é muito food rap. Muito gastronómico.

Quando levantavas a cabeça da PlayStation e ligavas o rádio ou espreitavas na net para ver o que se andava a passar no hip hop português, o que é que foste percebendo sobre a actualidade do movimento? Nota-se que há ali algumas experiências sonoras dos Tribruto que foram pioneiras para uma série de coisas que estão a surgir agora.

Sem dúvidas. É algo que eu tenho vindo a perceber. Não é querer ter aqui uma postura de falta de humildade, mas acho que nós conseguimos marcar uma posição que hoje é facilmente aceitável. Quando nós começámos a fazer este rap gozão e brincalhão, nem toda a gente o aceitava bem. Ainda estávamos no capítulo da mensagem e da intervenção. Havia muita gente que olhava de lado para quem queria levar isto num tom humorístico. Hoje em dia não notas isso. Hoje em dia temos miúdos a ouvir rap com aquela componente de festa, tipo “i don’t give a fuck, falo sobre o que eu quiser, eu estou a ser eu próprio em cima destes instrumentais. Não estou preocupado com técnicas ou letras. Importa-me que as pessoas me dêem plays e vão para os concertos curtir”. Tocaste num ponto importante. Eu, quando levantava a cabeça da PlayStation, posso confessar-te que me senti inseguro em algumas coisas. “Será que vou lançar? Será que isto faz sentido?” Toda a tendência está a ir para a parte do trap e das outras sonoridades mais electrónicas. Agora vou eu lançar um CD com base no sampling, com muito foco na letra. “Será que isto vai fazer sentido? Será que vou ter pessoas a ouvir este projecto?” Essa insegurança também travou um bocadinho o avanço deste trabalho. Até que cheguei àquele ponto, “isto não faz sentido estar na gaveta.” Mostrei a algumas pessoas e tive um feedback super positivo. Tanto vindo de malta do rap como de malta fora do rap. Foi um bom apoio moral.

Como é que vai ser em termos do material complementar à edição digital do GLDNSHWR? Vão existir vídeos, vai existir uma edição física também?

Neste momento — porque já estava farto de ter isto na gaveta — vou lançá-lo nas plataformas digitais. Vou deixar as pessoas digerirem o disco. Até porque é uma experiência. Não é fácil para toda a gente ouvir. Vou deixar que as pessoas ouçam e absorvam o que eu tenho a dizer. Existem planos para um videoclipe. Não sabemos ainda quando mas seguramente ainda este ano. Para a edição física quero fazer algo pequeno, para que quando estiver a apresentar o disco já tenha as cópias comigo. Vai ser muito na óptica do coleccionador.

Uma cassete, um CD?

Um CD. Clássico.

Apresentas o GLDNSHWR já amanhã, aqui no Festival F. Como é que vês isto a funcionar em palco?

É uma incógnita total. Os ensaios têm corrido bem. Ontem fiz um directo [nas redes sociais] para tentar espicaçar a malta e o feedback foi bom. Mas é uma incógnita. Total [risos]. Pode correr muito bem como pode correr muito mal. Porque lá está, voltando aqui à parte instrumental, é um registo muito slow, não é muito dançável.

Vai estar alguém contigo em palco?

Vou ter um amigo meu a dar-me as backvocals mas de uma forma muito peculiar. Vamos ter uma componente interactiva diferente do backvocal normal.

 


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