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Publicado a: 31/08/2015

RAP/RAP/RAP: “Imagino-me a fazer música para filmes descritivos de pessoas e paisagens”

Publicado a: 31/08/2015

[FOTO] Direitos Reservados

 

A conversa inicia precisamente com o enquadramento destes novos trabalhos. “Theatrum Orbis Terraum já estava a ser planeado há bastante tempo e seria editado pela Golden Mist, em vinil, mas tem sido adiado”, começa por explicar. “Ao início estava sempre a produzir para esse álbum, mas já tinha uns vinte temas que tinha de lançar e acabei por fazê-lo via AVNL“, adiantando que o formato físico estará disponível até ao final do ano. Quanto a Stellar, partilha que o intuito foi mais pessoal. “Basicamente uma prenda de aniversário para o meu irmão. Ainda estava inspirado por ter feito as outras faixas e no espaço de dois dias fiz aquelas quatro músicas”. Ora para quem produz de modo tão frequente, salta sempre a questão pertinente em redor desse processo criativo. Afinal, como sentir que o disco se encontra realmente terminado e pronto a ser partilhado? “Normalmente é quando [o alinhamento final] faz sentido para mim. Por vezes também faz sentido a data; e também acontece sentir que o disco está pronto, mas a data não faz sentido e aí espero então pela data ideal” (risos).

O universo multi-referencial de RAP/RAP/RAP assume-se tão rico quanto vasto. Nele reconhecemos uma sensibilidade rítmica pouco ou nada linear, essencialmente livre de formatos. Estilhaços de sons e pedaços de vozes adornam criações mais dadas à formação de ambientes do que propriamente ao impulso dançável. Fora dos elementos musicais, está presente uma visão muito própria sobre iconologia pop. Ao longo do seu trabalho, encontramos diversas alusões a uma América orgulhosamente capitalista ou à glória esplendorosa da década de 80. Humor e fascínio surgem em doses equivalentes para acompanhar depois a estética enigmática das produções. Neste caminho, é inevitável que surja a importância fulcral das imagens – sejam elas reais ou imaginadas. “A relação música e imagem é muito importante. Não consigo lançar um disco enquanto não tiver aquela capa, que é a capa perfeita ou aqueles títulos, que são os títulos perfeitos… Frequentemente acabo por demorar dias e semanas – e já com os temas terminados – só à procura dessa imagem”, acaba por referir mais adiante. Faixas como “Miami Beach Babies“, “Santa Cruz” ou “Contemporary Landscapes” apenas reforçam esse apelo ao imaginário pessoal do ouvinte num registo quase mesmo cinematográfico. Algo que vai de encontro a um desejo que nos revela.”Imagino-me a fazer música para filmes descritivos de pessoas e paisagens”.



Com um passado ligado à música electrónica “muito inspirado por coisas como Tangerine Dream e Kraftwerk, coisas ambientais, mas muito mecânicas”, a entidade RAP/RAP/RAP acaba por aparecer em 2009 quando Tiago ainda estudava nas Caldas da Rainha. Foi nesse mesmo espaço geográfico e temporal que nasceria também pelas suas mãos a AVNL Records, juntamente com Marie Dior e Old Manual. A necessidade de criarem um canal de edição próprio, motivou a ideia: “Começou um pouco por brincadeira uma vez que se tratavam de artistas independentes e dificilmente o material poderia sair por alguma editora… No princípio seria uma label de projectos pessoais, no entanto, e com o passar do tempo, achámos que seria importante divulgar outros projectos”. Facto é que seis anos após o rastilho, a AVNL continua a dinamitar ao seu estilo. Edições online, frequentes e sonoramente diversificadas, tornaram-na numa plataforma de livre acesso e à escala global. Tiago concorda, considerando um “projecto essencialmente eclético. Não digo que esteja a aberto a qualquer género musical, mas recebemos material que acaba por ser basicamente do nosso agrado. Mas já lançámos coisas que vão, de certa forma, ao encontro dos nossos gostos pessoais mas que fogem um bocadinho [ao padrão da AVNL]”. Hoje em dia a editora reúne outros nomes como APOCA-LIPS, Conan Osiris ou BLASTAH numa palete sónica multicolor que tanto abrange o techno mais cáustico como a electrónica mais abstracta e transgressora. Assente nas potencialidades quase infinitas da web 2.0, e apesar da sua origem nacional, o carácter global encontra-se latente: “convidamos pessoas de fora que queremos que estejam connosco, mas mesmo pelo facto de ser uma editora que nasceu na internet já acaba por ser um bocado internacional”.

Após uma ausência do país, vivendo em Berlim e depois em Londres, quando questionado sobre a sua perspectiva artística de Lisboa durante o seu regresso, não tem dúvidas em demonstrar um certo entusiasmo.”Está completamente diferente. Lembro-me de vir cá – eu não sou mesmo de Lisboa – e parecia que havia uma lacuna muito grande em termos de espaços ou oferta de certa música. Havia espaços underground, mas acabavam por passar sempre música com a qual não me identificava…punk, metal, se calhar techno…havia uma lacuna grande para outro tipo de música. Hoje em dia vejo-a como uma metrópole internacional com uma identidade própria”. Esta migração entre cidades e culturas levou à procura de outras linguagens fora da esfera RAP/RAP/RAP. CP2000, Techno Mike e Angélico88 fazem então parte dos alias criados por Tiago que confessa ser uma característica natural. “Quando estava em Londres dei por mim a fazer coisas mais maquinais pois sentia o stress da cidade. Era isso que me puxava a fazer música electrónica, mas ao mesmo tempo também me fez criar projectos tipo CP2000 que  funciona como um escape a essa realidade específica”. Tomando este sentido de evasão e experimentação, quando aprofundando a sua discografia através da página de Bandcamp da AVNL, damos de caras com um disco conceptual que se destaca, acima de tudo, pela ousadia estética. Aurora não tem beats, não tem linhas melódicas difusas, muito menos tem vozes sampladas. Traz contudo um ambiente atmosférico e nocturno baseado na captação de field recordings gravados nos arredores de Viseu. “Esse disco tem uma história interessante por trás. Eu cresci numa aldeia e acontece que esses sons foram todos gravados aí. Na noite anterior a lá ter estado, uma senhora da terra – que eu adorava –  faleceu. Ela chamava-se Aurora e acabei então por gravar os sons do local onde ela viveu. Mais tarde organizei-os enquanto álbum e atribuí nomes de estrelas para cada faixa”.



Num momento em que nos partilha “a sensação de trabalho feito”, por agora Tiago deixará fluir os dias e as noites até que seja assaltado por um qualquer estímulo que o leve a idealizar um futuro álbum de RAP/RAP/RAP. Como refere, a certa ocasião, tratam-se de “picos de criatividade”. “Às vezes estou apenas a ouvir um álbum, mas que acaba por me inspirar muito. Ou pode ser um detalhe como um cowbell que fica ali perfeito…e wow…este pormenor fica mesmo bem, se calhar vou experimentar algo assim”. E eis que deste modo o próprio acaba por resumir um pouco aquilo que realmente ressalta dos seus projectos: o acto de experimentar e a sensação de ser contagiado – mas também de contagiar. Que nunca cessem estas experiências.

 

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