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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 13/09/2022

Alma e delicadeza.

Ramsey Lewis, lendária figura do jazz, morre aos 87 anos

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 13/09/2022

Compositor e pianista amplamente respeitado, Ramsey Lewis construiu uma carreira que o impôs como uma verdadeira instituição de Chicago. O artista morreu ontem, aos 87 anos, facto que foi divulgado pelo seu filho, Bobby Lewis, e amplamente divulgado pela imprensa: “Ele estava em paz”, explicou o herdeiro do pianista à Associated Press, “a maior parte das pessoas quando conhecia o meu pai dizia que ele era uma pessoa de classe. E ele manteve-se assim até ao último suspiro”.

A classe, de facto, foi algo que sempre transpareceu desde que se estreou à frente do histórico Ramsey Lewis Trio na companhia dos igualmente lendários Isaac “Red” Holt, na bateria, e Eldee Young, no baixo (dupla que mais tarde formaria os Young Holt Unlimited, eles próprios dignos de basta reverência), logo em 1956 apresentando-se os músicos como “cavalheiros do swing”. A capacidade de juntar a inventividade do jazz, ecos da seriedade erudita da música clássica e a mais terrena força do groove do r&b valeu-lhes, claro, os favores do púbico, uma ampla carreira como profissionais de clubes e até alguns êxitos de vendas, como o clássico The In Crowd, de 1965 que teve mesmo impacto nas tabelas de vendas mais pop. Terá sido esse sucesso que levou a dupla Young-Holt a aventurar-se sem Ramsey Lewis, mas o trio prosseguiu com os músicos Cleveland Eaton e Maurice White que, mais tarde, formariam os enormes Earth, Wind & Fire.

Claro que as qualidades da música do Ramsey Lewis Trio nunca passaram despercebidas a quem no hip hop procurava matéria samplável: e se os sons originais do trio de Ramsey Lewis serviram de base a música de artistas como Group Home, Souls of Mischief, Knxwledge, Atmosphere, A.G., Geto Boys ou Organized Konfusion, o material que o pianista lançou em nome próprio a partir de meados dos anos 60, quando assumiu a dianteira em Wade in The Water, valeu-lhe créditos de sampling em registos dos A Tribe Called Quest, Fugees, Busta Rhymes, Gang Starr, Black Sheep ou Pete Rock & C.L. Smooth, para citar apenas uma pequena amostra de uma longa lista de grandes nomes do hip hop que não passaram ao largo dos seus clássicos.



Num artigo da Wax Poetics (do já longínquo número 47, de 2011), Ronnie Reese descrevia a lealdade de Ramsey Lewis à sua Chicago natal referindo que nessa cidade o pianista era, “carinhosamente”, conhecido como “o tipo que ficou”. “’Ele ficou sempre em Chicago’, diz o crítico de jazz do Chicago Tribune Howard Reich. ‘No que me diz respeito, isso garante-lhe alguns pontos’”. 

“O que também é notável em Lewis é como, aos setenta e seis anos de idade, ele mal parece que tem mais de cinquenta anos”, escrevia-se ainda na WaxPo. “Tendo chegado à idade adulta na geração da heroína, ele nunca sucumbiu ao perigo da droga que afligia muitos dos seus pares. Por isso, ele é, em muitos aspectos, um sobrevivente. ‘Ele é uma espécie de epítome de vida limpa, e olhe para os resultados disso’, diz Reich. ‘Olhe como ele parece magnífico’. Todos nós devemos parecer tão bem’”, sublinhava o crítico no já mencionado artigo ecoando as palavras do filho do pianista no comunicado sobre o seu desaparecimento.

“‘Penso que Ramsey fez um trabalho melhor com o smooth jazz do que a maioria das pessoas’, diz o crítico e historiador de jazz de Chicago Neil Tesser, autor de The Playboy Guide to Jazz. ‘Ele trouxe algo da cultura negra que muitas outras pessoas não souberam captar, o que o tornou mais interessante’. Não vai confundir Ramsey com Kenny G. Um tem alma, e o outro não'”. De facto, de Thundercat a Kamaal Williams e mais além, muitos nomes parecem existir nas novas gerações da vanguarda do jazz que souberam preservar essa abordagem mais classy dentro do jazz, trazendo para a ordem do dia palavras como “smooth” ou “fusion” e despindo-as de conotações mais negativas que uma certa intelligentsia parecia ter atribuído a essas sonoridades.



Parte da qualidade intrínseca da música de Ramsey Lewis deve ser repartida com o toque especial e particular de Charles Stepney, produtor na ordem do dia graças à edição recente de Step on Step, um conjunto de inéditas gravações caseiras agora reveladas pela International Anthem. Ramsey Lewis, em entrevista, garantiu em tempos que Stepney, caso não tivesse morrido prematuramente em 1976, poderia ter ido tão longe como Quincy Jones, sublinhando-lhe a inteligência dos arranjos.

Ao serviço do crucial selo Cadet, Stepney deixou a sua marca em registos de Ramsey Lewis e do Ramsey Lewis Trio como Maiden Voyage, Another Voyage, Mother Nature’s Son, Ramsey Lewis, The Piano Player ou Don’t It Feel Good, todos eles hoje encarados como peças básicas na colecção de qualquer crate digger que se preze.

Em 1990, Ramsey Lewis voltou ele mesmo a sua atenção para a história tornando-se apresentador do respeitado programa de rádio Legends of Jazz que alcançou dimensão nacional.O seu Morning Show na estação de smooth jazz de Chicago WNUA foi igualmente bastante popular. Em 2006, Legends of Jazz transformou-se mesmo em série de 13 programas de TV, apresentados ainda por Lewis, com convidados como Dave Brubeck, Kurt Elling, Pat Metheny ou o também recentemente desaparecido Joey DeFrancesco. Cargos de direcção de programação em festivais de jazz, de orientação pedagógica em instituições de ensino e até, a título honorário, da direcção de orquestras reputadas, como a Chicago Jazz Orchestram espelham bem a dimensão do trabalho de Ramsey Lewis que foi recipiente de três prémios GRAMMYs ao longo da sua rica carreira.


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