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Fotografia: Nuno Martins
Publicado a: 03/06/2020

Com o novo lançamento Open Space, Rafael Toral “arruma” o seu Space Program e prepara o terreno da sua criatividade para o futuro.

Rafael Toral: “Estou a caminho de um espaço onde tenho mais liberdade de movimentos”

Fotografia: Nuno Martins
Publicado a: 03/06/2020

Rafael Toral é um daqueles músicos em que a acção e o pensamento coexistem num mesmo plano, facto que torna o seu abundante output musical um fascinante depósito de ideias. No passado dia 29 de Maio, o músico lançou Open Space, uma espécie de revisão da matéria dada, uma antologia com que resolveu olhar para dentro do seu Space Program, aventura de criação em que esteve envolvido entre 2004 e 2017. Explica o próprio músico, nas notas de apresentação, que, agora que se encontra “suficientemente distante” desse corpo da sua obra, “é tempo de pausar, olhar para trás para a coisa toda”. É dessa coisa que se fala longamente mais abaixo.

Em vários e-mails, meio possível nestes tempos de distanciamento social, mas também a mais prática forma de organizar pensamento quando a distância geográfica é considerável, Rafael Toral aborda com detalhe o pensamento na base do seu Space Program e levanta o véu sobre o futuro, apontando até para um regresso à guitarra numa altura em que, devido a um artigo na britânica Far Out Magazine, a devoção de um músico como John Frusciante para com um trabalho clássico como Violence of Discovery and Calm of Acceptance lança nova luz sobre o seu passado guitarrístico, precisamente o que precedeu o seu investimento no Space Program.

Diz Toral: “Embora eu tenha vindo a ‘virar a página’ desde 2017, quero oferecer-vos Open Spacecomo uma lente para olharem comigo retrospectivamente para o Space Program, já com Moon Field e Saturn na paisagem enquanto registos de transição e antes que eu mergulhe em novos projectos de gravação em que reintroduzirei a guitarra ou navegue em frente com as mais recentes descobertas do Space Program que vivem no âmbito do trabalho do Space Quartet”.

No final da “conversa”, Rafael aborda igualmente a sua vida pessoal, fala de ser um “homem do campo” e confessa que descobriu que não se sente “próximo da natureza”, antes parte da própria natureza. Sair da cidade permitiu-lhe compreender “uma noção muito clara de ser Natureza e não ser dela separado em nada”, revela o músico. “Aqui isso sente-se com muita força”. A esta distância e mesmo por email dá para perceber isso claramente. Rafael Toral habita, de facto, um imenso espaço aberto. Não apenas o da telúrica montanha que escolheu para erguer a sua casa, mas também aquele que desbravou para a sua arte que, de resto como acontece com o universo, continua a expandir-se à extraordinária velocidade do pensamento.



Podes começar por traçar uma visão panorâmica da tua carreira pré-Space Program? Quais dirias que são os marcos relevantes no teu percurso até teres embarcado neste “programa”?

Sim, há um período inicial em que me interessei por música escrita, partituras gráficas e música contemporânea. As peças da série AER são desse período, entre 1987 e 1993 e aparecem no Sound Mind Sound Body, que é o meu primeiro disco e estabelece um ponto de partida. Se aquele é um marco, um “pilar” será então o Wave Field, com o qual percebi e decidi que a música que eu queria fazer se passava no interior do som e como tal era impossível de descrever em partitura, por isso larguei tudo. Neste disco consegui uma síntese que mais tarde se percebeu que foi inovadora e foi o disco que me projectou internacionalmente (mas isso só aconteceu com a reedição em Chicago, em 1998). Outro marco importante e pouco conhecido é o disco seguinte, Aeriola Frequency, em que transitei do trabalho com ressonância a partir da guitarra para a ressonância pura em circuito de feedback electrónico (uma boa notícia, esse disco vai ser reeditado em vinil, talvez ainda este ano). Três, digamos, “campos de experiência” formativos e muito influentes, foram a minha relação com a esfera do rock alternativo (de 1984 a fins dos anos 1990); o trabalho com Sei Miguel (desde 1993), que é um grande mestre; e o contacto com a realidade internacional, inúmeros encontros com músicos que admiro, dos quais destaco Jim O’Rourke. Ainda em 1993, comecei a gravar peças pequenas muito meticulosas, que fui juntando para um projecto futuro para o qual encontrei o nome Violence of Discovery and Calm of Acceptance, que completei em 2000. Esse disco ainda hoje o considero a minha obra-prima, o melhor que já fiz. E uma vez completo, entendi que não ia conseguir continuar sem me repetir numa fórmula confortável, por isso decidi terminar essa linha e começar de novo.

Curioso que menciones o Violence of Discovery… como a tua obra-prima. Esse disco editado na Staubgold em 2000 (e na Touch no ano seguinte) resistiu de facto muito bem à passagem do tempo — e já lá vão 20 anos! Talvez o disco tenha até ganho outra “ressonância” nos últimos anos tendo em conta a recuperação de uma certa ideia de ambientalismo através de inúmeras reedições de material mais exploratório dos anos 70 e 80. Podes elaborar um pouco mais sobre esse estatuto de obra-prima que lhe atribuis no conjunto da tua obra?

É uma colecção de trabalhos que têm em comum eu os ter aperfeiçoado até ao limite. Só os dava por terminados quando não havia mais nenhum detalhe, por ínfimo que fosse, que eu não pudesse corrigir ou melhorar. Quando não havia mesmo mais nada para mexer. Foi aí que resolvi a discussão sobre se a perfeição existe. Percebi que a perfeição é a ausência de defeitos. Enfim, sempre trabalhei assim, mas neste disco nota-se mais que nada nele podia ser diferente. Quando o ouço, ouço-o em si, sem relação com tê-lo feito e surpreendo-me sempre por ter sido capaz de o fazer e mesmo por ter sido eu. Se tivesse que escolher uma coisa boa que tenha feito na vida, era este disco.

Um “programa” é normalmente um conjunto de acções que obedecem a um plano, a um conceito. Fala-nos desse lastro conceptual do Space Program, para começar…

Um programa para inventar, estabelecer e consolidar uma maneira de pensar e fazer música que não existia, nem sabia como fazê-la funcionar. Queria começar por virar tudo do avesso, e logo a primeira coisa foi substituir os sons de forma longa, ou “drones”, por silêncio. Esse silêncio seria povoado por sons “vivos”, com contorno claro, e de natureza electrónica. Já tinha uma boa experiência sobre o uso autónomo da electrónica sem guitarra, e essa seria a matéria, com uma noção elástica de tempo e em todo o espectro de frequências. Mas electrónica tocada fisicamente, com consciência do corpo. Queria que a música fosse uma expressão das várias noções possíveis de “espaço”, em que “espaço” equivale a silêncio, mas nunca me imaginei a fazê-lo de modo experimental ou improvisatório. A música deveria ser mais humana que tecnológica, uma expressão individual e livre, mas dentro de algum tipo de sistema, com um léxico próprio. Nesta altura trabalhei intensamente com Sei Miguel e surpreendia-me como na abordagem dele o uso de som abstracto poderia ser usado numa linguagem do jazz. E depressa percebi que as respostas a todas aquelas questões já tinham décadas de história, justamente no jazz, e não de todo na da música electrónica… e isso foi um paradoxo permanente, fresco, mas muito difícil.

Interessante essa ideia do silêncio como espaço. Mas o silêncio não pode ser entendido igualmente como a suspensão do tempo?

Não, de todo. Cage observou, e bem, que de todos os parâmetros do som, o único que este tem em comum com o silêncio é o tempo. Percebo bem que numa música de batida regular, o silêncio pareça realmente uma suspensão, ou mesmo a ausência de música, mas isso é uma ilusão. O silêncio, em música, é o próprio substrato do tempo. Cada segundo de silêncio tem um efeito decisivo sobre o som que se seguir e sobre o que tiver soado antes. O silêncio é como o papel onde se escreve ou desenha, é a brancura de papel que torna legíveis a escrita ou as formas. É o ar à volta dos objectos. O silêncio é a escrita do próprio tempo, grava-se no tempo. Mas ali essa ideia do silêncio como espaço é algo metafórica. Em música, significa que o silêncio “tocado” cria espaço para que outras coisas possam acontecer, entre outras coisas maravilhosas que o silêncio faz.

No âmbito do Space Program chegaste a conduzir workshops que procuravam refocar atenções no indivíduo e no acto da performance e menos na tecnologia e no resultado final. A exposição dessa ideia parecia aliás sugerir que o indivíduo, o performer, tinha sido obliterado da história da música electrónica e, de facto, houve um período, quando os laptops entraram em força na cena, em que o processo e o resultado final escutado pela audiência eram os elementos mais importantes, com o artista tantas vezes curvado na penumbra a desaparecer mesmo da equação. O Space Program contrariou tudo isso, certo?

Sim, mas o problema vem de trás… o foco nas decisões de um músico/performer nunca foi uma linha mestra no desenvolvimento da música electrónica. A cena dos laptops só veio tornar isso muito óbvio. Uma das propostas centrais do Space Program é que é possível existir uma linha discursiva na electrónica que seja completamente humana, individual e livre, sem ser focada na tecnologia (a própria expressão “música electrónica” já denuncia isso), sem ter o instrumento como assunto. Mas também se tornou comum na música electrónica que não haja grande justificação para a presença física do músico. Um saxofonista aparece à frente das pessoas e todo o corpo está envolvido na projecção do som e na expressão da música. Achei que a música electrónica não devia ser diferente, ou pelo menos pode não ser diferente, por isso escolhi fazer instrumentos que só tocam se o corpo estiver a interagir com eles. Isso traz a dimensão visceral, irracional da música ao de cima, mas sempre ligada a todo o trabalho de observação e decisão que é mental, e a toda a noção espiritualizada de se ser o que se é, enquanto a cada segundo tentamos tocar as estrelas, fazendo algo maior do que nós. A arte mais interessante, a um tempo elevada e profunda, tem estas três dimensões humanas presentes em simultâneo.

Outro aspecto importante será o da composição: em muita música electrónica, a máquina, por um lado, o software, por outro, parece ditar já muitos dos parâmetros em que assentará a composição final. Foi algo a que certamente devotaste pensamento, por isso fala-nos do teu processo de composição no âmbito do Space Program.

Sim, outra das características da música electrónica é um foco predominante no resultado final do processo de composição enquanto cristalização de uma forma (é uma generalização). No Space Program o processo de composição é todo o arco do tempo em que acontecem decisões. As decisões inerentes ao fraseado, sobre se um som se prolonga, se repete ou se interrompe, quanto tempo dura o silêncio entre dois sons, que tipo de articulação há entre eles, que densidade de acontecimentos, etc. E as decisões inerentes à macro-forma, ou seja, quanto tempo dura um trecho com características consistentes, qual a relação de contraste ou continuidade com o seguinte e com o que veio antes, que noções de equilíbrio e de simetria estão em cima da mesa. Assim, o fraseado simultâneamente cria e revela uma estrutura. O Sei Miguel chama a isso “escrita”. No fim do arco do tempo, os contornos da forma global que resultou definem a natureza da composição. Isto aplica-se à performance, porque há depois outro nível de composição em que esta é entendida tomando a performance em si, gravada, como o seu material. Aí entram noções de forma e de arranjo, e foi mais a nesse nível que trabalhei a composição nos discos.

Sempre falaste da música como um veículo e uma expressão de liberdade. Evidentemente que há uma dimensão filosófica nessa afirmação, mas imagino que também possa ter uma leitura muito prática: construíres os teus próprios instrumentos foi também uma forma de te libertares das limitações impostas por interfaces normalizadores?

Hmm, talvez não lhes chame limitações, porque as possibilidades num piano, por exemplo, são infinitas. Mas quando te sentas ao piano, antes de tocares uma nota já lá está toda a história da música em piano e também lá está toda a bagagem técnica sobre como se toca o instrumento. E essa bagagem contém noções de certo e errado, o que é natural. E está contida no edifício da teoria musical, que lida com notas, que são conceitos abstractos – embora baseados na Física – e isso exclui todas as frequências que não correspondem às notas. Pois, quis tocar instrumentos que não tivessem livro de instruções nem escolas e que corressem todo o espectro sonoro. Ainda assim quis levar a liberdade mais longe. Os instrumentos que toco têm sempre uma margem de erro, de imprecisão, algo de “natural” no seu aspecto mais selvagem. Isso obriga-me a ouvir o que o instrumento acabou de fazer e re-adaptar o discurso se necessário. O controlo completo dos instrumentos convencionais permite codificar emocionalmente a música, fazê-la ser sentida como triste, alegre, tensa, relaxada, ameaçadora ou reconfortante. Interessa-me uma música livre disso, que seja puramente música e não tenha outro assunto além de si própria. Assim, ao tocar instrumentos que não se deixam controlar a 100%, a música torna-se livre em si, livre de mim próprio!



O que é que te levou a olhar para trás e voltar a ouvir a música do Space Program? Normalmente esse tipo de gestos ocorrem no final de um ciclo…

Bem, esse ciclo na verdade terminou em 2017… sempre percebi que havia uma selecção de faixas que me pareceram especialmente bem conseguidas e a ideia de fazer uma compilação mais tarde sempre fez sentido para mim. Foi uma questão de sentir o momento de o fazer e dar-lhe forma. O que eu pensava encontrar estava lá, e a concentração desses momentos deu-me uma imagem de conjunto surpreendente. Claro que um “best of” tem os melhores momentos de um percurso, mas este grupo de peças revela um grau de realização do Space Program que está sempre presente e é uno. E essa unidade para mim colocou o resultado global de tudo com maior alcance, acuidade e profundidade do que me tinha parecido até aqui.

Quanto tempo dedicaste à escuta do material que dispersaste por vários lançamentos e que agora reorganizaste neste Open Space? O que é que determinou a escolha de um determinado tema e a não inclusão de outro qualquer?

Já os conhecia muito bem (risos)… bastou uma passagem breve para me aproximar mais e fazer escolhas de pormenor. Vivi com este material muito de perto durante muito tempo, por vezes de modo doloroso, não foi um passeio. A maior parte já era material predilecto, que eu achava super bem conseguido. Deixei de fora alguns temas de que gosto muito, com um registo mais forte ou mais activo, porque quis que o Open Space fosse consistente na sua vibração, como um disco em si e mais inclinado a uma sensibilidade de espaço aberto, quase ambient.

Tendo tu procurado refocar esta música no indivíduo e no acto da performance, como crês que resistiu a tua música, sobretudo a mais remota deste ciclo Space Program, à erosão do tempo?

É muito curioso. A relação de um músico com o seu instrumento e a sua capacidade de fraseado – desenvolvimento técnico e artístico, mesmo espiritual (basta ver tocar Evan Parker ou Roscoe Mitchell, são lições de sabedoria) – evolui com o tempo e eu toco hoje muito melhor do que há 15 anos. Por isso achava o fraseado no Space um pouco “verde”. Mas quando o ouvi agora, achei-o tão bem conseguido a nível de arranjo e composição que o fraseado assume um lugar secundário. E em rigor é assim, é um disco orquestral mais que discursivo. O Space Solo 1, sendo uma transição brusca de orquestra para solo absoluto, talvez apresente alguma vulnerabilidade no fraseado, teria que ouvir melhor, não sei. Acho que nenhum destes discos é uma obra-prima para mim, que tenho um grau de exigência quase cruel, mas uma coisa que me deixa descansado é a integridade que consegui manter do princípio ao fim. Várias vezes pensei que o Space Program se baseou numa ideia actuante e muito poderosa, mas isso não fazia de mim necessariamente a melhor pessoa para lhe dar forma e vida. Outra pessoa teria feito isto melhor do que eu. Já não tenho a vida que tinha quando fiz o Violence of Discovery… Mas ah! Este Open Space, sim! Já ombreia com o melhor que fiz. Alguém tinha que fazer isto. Custou-me caro, mas está feito.

Na preparação para esta entrevista mencionaste a reintrodução da guitarra na tua própria esfera. Qual a razão? Esgotaste o que procuravas fazer com a electrónica ou procuras simplesmente ampliar o teu “arsenal”, diversificar os teus recursos técnicos?

Ah, nem uma coisa nem outra… “ampliar”, sim, mas o que se amplia é o campo de acção, o leque possível de referências estéticas, históricas e artísticas. Como o Moon Field começou por apontar e este Open Space confirma, estou a caminho de um espaço onde tenho mais liberdade de movimentos e onde poderei responder melhor ao chamamento que sinto para mais calma, mais desaceleração. O mundo está muito agitado. E tenho a sorte de ter um background bastante extenso nessa área, por isso desenha-se uma espécie de (re)conciliação em que vou descobrir novas formas de integrar estas disciplinas dos últimos 15 anos com as dos 15 anos anteriores. Já tenho que fazer nos próximos 15 anos (risos)…

Vais repensar a guitarra como repensaste os instrumentos electrónicos? Como te vês a voltar a trabalhar com esse instrumento e, já agora, de que instrumento em concreto estamos a falar? Guardaste as tuas antigas guitarras ou adquiriste novas, entretanto?

Vendi quase todas, só tenho a minha primeira e uma Telecaster que o Mário Feliciano teve a gentileza de me oferecer quando precisei de uma e não tinha dinheiro (usei-a para gravar o material novo do LP do Sound Mind Sound Body). Mas não, ainda não sei o que vai acontecer, mas o que vislumbro para já é uma recuperação de técnicas que desenvolvi para os primeiros discos, mas noutro enquadramento. Não quero levantar muito a ponta do véu, já tenho uns discos na cabeça… Logo se vê, o mapa não é o território…

Que podemos esperar em termos de edições e projectos para os tempos mais próximos?

Para o Outono estão agendadas as edições de Jupiter and Beyond, uma colaboração com o João Pais Filipe, e um disco ao vivo do Space Quartet, gravado em Coimbra e Copenhaga, o primeiro com a nova formação. Também está em preparação uma reedição em vinil do Aeriola Frequencymas não sei quando vai sair. E não vejo a hora de começar a gravar os projectos novos, já com a guitarra. Também tudo indica que vou reatar o trabalho em formato de instalação.

O mundo está todo envolvido num aceso debate sobre os efeitos do isolamento a que todos fomos obrigados por causa da pandemia, mas tu já há muito tempo que trocaste a cidade pela reclusão rural. O que é que te levou a tal decisão?

Deixou de fazer sentido puxar o autoclismo e ver 10 litros de água irem pelo cano abaixo. Quis fechar o circuito, um tipo diferente de feedback. Durante o Verão usamos uma retrete seca exterior, que fica a compostar durante o Inverno. Quando chega a Primavera, essa matéria cheira a terra fermentada e é lançada no solo da horta como estrume, que vai por sua vez alimentar a batata-doce, cebola e beterraba a colher no fim do Verão. Isto é incrível, porque algumas moléculas vão de facto ser re-processadas em loop. Faz tão mais sentido. Bem, nunca trabalhei tanto na vida como agora, mas mesmo assim é uma paz. Perco é muitos concertos…

Viver mais próximo da natureza alterou em alguma coisa a tua visão da música e da arte? O campo transformou o artista?

Acho que não, porque sempre operei com base em dados da cultura universal, sei lá, o que Coltrane representa não muda se o ouvires no campo. E gosto de traçar mapas do futuro, por exemplo o Space Solo 2 (2017) foi planeado 11 anos antes. Mas estou a começar a reparar numa coisa, que é o efeito de espelho da realidade projectado na arte. A música industrial dos anos 1980, por exemplo, era um reflexo de um ambiente sonoro real. O ambiente aqui é muito natural, paisagem sonora de montanha em estado quase puro. Talvez isso explique uma subtil preferência de material mais melódico e menos abrasivo. Mesmo assim, acho que o efeito é residual, porque para mim foi claro desde sempre que me interessa fazer música universal, que seja tão válida em Lisboa como em Quioto, e não música que seja específica de um âmbito local. Os dados da vivência local nunca informaram a música que fiz, e não vejo isso a mudar. Uma coisa boa aqui e que foi transformadora realmente, foi a transição de estar “próximo da natureza” (uma noção típicamente urbana) para uma noção muito clara de ser Natureza e não ser dela separado em nada. Aqui isso sente-se com muita força.


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