[TEXTO] Núria R. Pinto [FOTO] Jorge Borges
Aos 35 anos, a importância que Rael teve e continua a ter no rap brasileiro é incontestável. Cinco álbuns a solo, parcerias com nomes de todos os quadrantes da música brasileira, projectos que começou a fundar quando tinha apenas 16 anos e várias pedras lançadas na escada para o sucesso do Laboratório Fantasma de Emicida, parceiro de longa data.
Nos últimos meses, o músico chamou também a si a responsabilidade de ser pelo menos 1/4 da aventura transatlântica que tem sido o projecto Língua Franca e a hora de se apresentar a solo em Portugal tardava em chegar. O brasileiro sobe ao palco do Plano B, no Porto, já amanhã.
Nos últimos tempos, Portugal tem-se tornado um lugar bem mais frequente nos teus roteiros. Como é que te temos recebido?
É verdade, acho que pelo menos desde 2014 tenho vindo para Portugal pelo menos uma vez por ano. Eu adoro Lisboa, que é a cidade que conheço mais, acho muito bonita e agradável, gostaria de ter tempo de vir para passear mais porque quando estou aqui acabo ficando de um lado para o outro a trabalho e conhecendo esses lugares bonitos sempre por acaso. Sou sempre muitíssimo bem recebido, isso de falarmos a mesma língua acaba tornando tudo ainda mais fácil e especial!
Como tem sido a experiência de tocar com Língua Franca, tanto em Portugal como no Brasil?
Fizemos poucas apresentações no Brasil, a maioria foi mesmo em Portugal. Eu comecei a minha carreira na música com um grupo, o Pentágono, com o qual fiquei mais de dez anos. A experiência com o Língua Franca me remeteu aos anos de grupo, percebi que estava com saudade daquela atmosfera e da dinâmica de estar interagindo com mais gente no palco.
Consegues perceber dinâmicas diferentes entre os dois lados do Atlântico, quer no público quer nos membros do grupo?
Entre o público percebo que enquanto o Brasil está ainda conhecendo e tomando contacto, Portugal já está familiarizado com as canções e o projecto. Então no Brasil a gente está literalmente apresentando, conquistando o público, o que também é bem interessante, em Portugal é um outro clima, de as pessoas já conhecerem, terem suas preferidas, cantarem junto, etc.
É a primeira vez que tocas a solo em Portugal. Estás expectante? Porquê o Porto como cidade escolhida para esta tua apresentação?
Estou com muita expectativa. Com isso de eu estar vindo com frequência, fazia tempo que portugueses me perguntavam sobre quando viria com meu show solo, enfim essa hora chegou. Então estou muito feliz! Acho que não havia lugar melhor do que Portugal para começar este trabalho de mostrar meu som na Europa. Houve este convite para tocarmos no Plano B, no Porto, por isso será o primeiro local, e estou animado para ver a cidade da qual me falam sempre tão bem, mas sem dúvida em breve quero levar o show a outras cidades de Portugal.
Lançaste Coisas do Meu Imaginário, em 2016, e desde lá até hoje parece que passaram 10 anos, em vários níveis da vida política e brasileira, da tua em termos de projectos… Como é que olhas para estes últimos dois anos?
No que diz respeito à política infelizmente viemos ladeira abaixo, com um golpe em uma presidente democraticamente eleita e desde então só vejo a perda de direitos que o povo levou anos para conquistar. O Brasil está agonizando. Espero que as eleições mudem isso. Por amar o meu país como amo não consigo deixar de ter esperança que isso aconteça, mas vejo tudo com muita apreensão. Na minha vida, com todas as dificuldades que se apresentaram em razão da instabilidade no país, sobrevivemos [risos] e até progredimos! Mas foi com muita dificuldade. O disco ganhou um prémio importante, o Prémio da Música Brasileira, foi indicado ao Grammy Latino. Neste ponto só tenho a celebrar.
Portugal tem estado muito mais aberto ao rap brasileiro do mesmo modo que o próprios MCs brasileiros em relação ao mercado português. Sentes que estamos a viver uma mudança importante de paradigma, da qual também fizeste parte enquanto embaixador?
Acho que estamos caminhando sim para esse momento de construir uma ponte entre o rap [que se faz] nos dois países, o que seria uma grande realização! Acredito que o Língua Franca contribuiu para isso, foi um passo nessa direcção, na medida em que mostrou que é possível, sabe? Eu sei que o fã de rap brasileiro conhece e admira alguns MCs portugueses, mas acredito que Portugal tenha muito a mostrar que ainda não chegou por lá. Por outro lado, sinto o público português muito aberto às novidades brasileiras nesse sentido, talvez conhecendo melhor a cena brasileira do que o inverso.
Como vês o mercado português/europeu para o hip hop brasileiro? De que forma é que isso muda o jogo?
Vem em uma crescente. Nos últimos anos vários MCs brasileiros passaram pela Europa com suas tournées. Isso não acontecia 10 anos atrás dessa forma. Eu sinto que na Europa de maneira geral há uma abertura para essa cena musical. Diferentemente do que acontece no Brasil, onde há regiões em que nós mesmos, brasileiros, pouco tocamos e onde se consome predominantemente um tipo de música apenas. Aqui na Europa, uma vez que o artista brasileiro consegue marcar um show em um país, fica relativamente fácil se deslocar para outros aqui dentro e ao que me parece há essa abertura à música de maneira geral.
O que podemos esperar do teu concerto de sexta-feira? Algumas surpresas na manga?
Para mim é tudo uma grande surpresa por ser uma estreia [risos]! Mas podem esperar um show de alguém que está realmente muito animado para tocar para vocês. Se há algo especial que posso adiantar é que estarei acompanhado pelo DJ D-One, do Porto, mas haverá um momento violão e voz. No Brasil costuma ser um ponto alto do show, espero que gostem também.