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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 24/01/2022

A vontade de cantar.

Rabu Mazda: “O Bindi é eu poder, finalmente, fazer canções em que consigo falar um bocado sobre mim”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 24/01/2022

Após dois EPs lançados em nome próprio e um número quase incontável de projectos com outros, Bindi mostra-nos uma nova faceta de Rabu Mazda, projeto a solo de Leonardo Bindilatti. O músico, para além de já ter passado por bandas como Kimo Ameba, Go Suck A Fuck, Kridinhux ou Egg Shell, e de estar ainda (activamente) em Putas Bêbadas e Iguanas, foi ainda um dos co-fundadores da Cafetra Records, editora lisboeta que conta já com 10 anos de influência na cultura DIY portuguesa e pela qual se lançou trabalhos de Pega Monstro, Maria Reis, Sallim, Éme ou Lourenço Crespo.

O primeiro álbum do produtor sediado no Barreiro aponta para uma direcção diferente das experiências anteriores, desviando-se das pistas de dança para um formato mais ligado à canção, sendo que a voz é o principal fio-condutor das 11 faixas que formam o compõem. Ao contrário dos dois lançamentos anteriores, que parecem focar-se muito na exploração parafernal dos vários géneros que nos fazem dançar, em Bindi sente-se mais coesão a nível de ideias e enquanto um todo — com um foco maior na voz.

Bindi conta já com três datas de apresentação, sendo que a primeira é no dia 28 de Janeiro no Café au Lait, no Porto, com concertos também de Judas Triste e Arrogance Arrogance. No dia seguinte desce até à Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, onde vai estar acompanhado pelos seus amigos Lourenço Crespo, Sallim e Maria e Júlia Reis, terminando com um DJ set de Domatrice. Dia 4 de Fevereiro junta-se a Silvestre e Seán Being no Gasoline, no Barreiro.

Marcado pela sua positividade e descontracção, podemos finalmente entrar mais dentro da cabeça de Rabu Mazda, que se expõe mais a nós e nos fala de tema mais pessoais (o que não significa que seja necessariamente mais sério). Mas a nossa sede por conhecimento não nos deixou ficar por aí e, por isso, estivemos à conversa com o produtor sobre o disco, a sua carreira e a Cafetra.



Por entre tantas vertentes diferentes, produtor, músico em banda e projecto a solo, em qual te sentes mais confortável a exprimires-te livremente?

Eu diria que prefiro tocar, tanto com Putas [Bêbadas] como fazer as minhas músicas como Rabu Mazda, gosto das duas formas. A tocar em banda gosto desse lado de ter o meu instrumento e dar input para uma cena conjunta, o que de certo modo também é mais libertador do que estares sozinho no teu quarto a tentar desbloquear alguma coisa. Quando estás em conjunto isso é mais fácil. Mas, ao mesmo tempo, também gosto de ter esse momento sozinho e estar a fazer as minhas cenas no quarto, ter esse momento mais meu.

É difícil separar o teu crescimento enquanto artista do crescimento da Cafetra, que tu fundaste. Esta pergunta é um bocado vaga, mas como sentes que a Fetra te influenciou enquanto artista?

Influenciou no sentido de ver os meus amigos, que também são a Cafetra — não fui eu que a fiz sozinho –, a crescerem e a fazerem o mesmo que tu estás a fazer. Todos nós temos em comum fazer música, e há uns que têm mais jeito para certas cenas que outros, e foi sempre fixe ir aprendendo com esses processos. Ainda hoje há bué cenas que aprendo com eles, e acho que também aprendem comigo. A partir do momento em que gostas de música e de fazer música, é sempre mais fixe teres pessoas que estão à tua volta que curtem do mesmo que tu, e dá para tu aprenderes vendo-os a fazer. É sempre uma descoberta e é mais fácil nesse sentido.

Esperavas que a editora atingisse este nível de popularidade?

[Risos] Ui, estamos huge neste momento. Opá, acho que foi mesmo por acaso, e que também houve um bocado desse hype inicial, porque não havia muitas coisas na altura quando começámos, mas nem pensámos muito no que ia acontecer quando o fizemos. Éramos bué putos quando começámos, havia malta que tinha 13/14 anos quando fizemos a Cafetra, porque era aquela cena… éramos amigos, tocávamos, estávamos na altura do MySpace também, então foi um bocado, “bora fazer a nossa editora”, mas começou uma beca como uma brincadeira, nunca foi algo do tipo fazer uma editora com um plano bué definido. Éramos putos, foi uma maneira de juntarmos as cenas, mas não foi bem pensado, nem a gente pensou que a cena fosse durar. Acho que, por um lado, só durou porque houve atenção em cima de nós. Obviamente que houve pessoal que deixou de tocar, e bué bandas acabaram, mas no fundo toda a gente continuou a fazê-lo, veio da nossa vontade de fazer música, e de levar a sério isso, porque podiam ser aquelas brincadeiras de teenager. Por acaso não aconteceu, acho que a maioria das pessoas continua a fazer música e leva a sério que isso é o seu trabalho, mesmo que tenhas outro para receberes guito. O pessoal perde tempo para fazer as coisas sérias.

Mas começaram numa altura em que, comparando com agora, começar uma editora DIY não parecia ao alcance de muita gente. Não havia um movimento independente como há agora. Tinhas FlorCaveira e pouco mais.

Ya, e a malta cita isso como uma das cenas que influenciaram, mas acho que foi um bocado à toa, nós não pensámos muito nisso [risos]. Foi só “bora fazer”, arranjámos um nome e foi essa a nossa maneira de lançar as nossas músicas. Mas nunca fizemos bem um plano até hoje, as cenas foram só acontecendo.

Mas de onde nasceu essa ideia de decidirem só lançarem as vossas próprias músicas?

Acho que tem bué a ver com termos crescido com a Internet. O MySpace era, de forma muito mais lame, o SoundCloud da altura. Vem um bocado daí, mas também gostávamos das cenas indie dos 90s, essas editoras independentes eram um bocado uma referência. Nós não pensávamos em grande, fazíamos o que curtíamos, ‘tar na nossa, e fazer as cenas por nós. Nem pensávamos nisto, para nós a única maneira era essa, lançar nós as cenas, e foi fixe porque houve alguma atenção, e se calhar é por isso que ficámos motivados e continuámos a fazê-lo.

És um artista conhecido pela tua positividade. Sentes que, com os que tempos que correm, esta energia é cada vez mais necessária?

Acho que é fixe manteres-te positivo. Com esta cena toda, se ficas só a ouvir a depression que há à tua volta é um bocado triste. Acho que é preciso aceitar também esse lado das cenas, mas é isso. No fundo estou só na minha cena. Falando destas músicas [do Bindi], acho que nem tudo o que digo é assim positivo. O pessoal vê-me como uma pessoa positiva e isso é fixe, e ainda bem, mas as coisas que eu digo para mim não são assim tão positivas. É como eu vejo as cenas, e se calhar isso pode ser positivo, mas para mim não é sempre, tem a ver com como sinto as cenas.

Na entrevista que deste há uns tempos para o Rimas disseste que o teu processo criativo tem a ver com o que andas a ouvir na altura. Que influências é que Bindi tem por trás?

Acho que é bastante óbvio. É essa música de agora, som tipo SoundCloud trap, não sei [risos]. Se eu tivesse de meter um género eu diria que é meio trap, mas ao mesmo tempo as minhas letras não são nada trap, porque eu não sou nada trap, e tento também não ser óbvio nesse sentido. Acho que há cenas bué interessantes para falar nesse universo, podes falar de coisas mais pessoais e sinceras, para mim é o que faz sentido. Há muitas cenas que curto, por exemplo de BLACK KRAY e da GOTH MONEY RECORDS, a crewzinha dele, curto do mood que aquilo me passa. Há muitas cenas que oiço que me passam um certo mood, e eu tento que a minha música tenha esse mood que me deixa excited com o que estou a ouvir por alguma razão. Mas não te sei bem dizer nomes exactos, os beats talvez metam um bocado a cena SoundCloud rap, mas letras não têm muito a ver com isso, são um bocado mais pessoais.

Também é um álbum que aparece com BPMs mais calmos que os discos anteriores, que dá uma vibe mais contemplativa às músicas, especialmente a meio do disco com a “Domingo”, “Nunca Ninguém Nada” e “Gira Por Aí”. Sendo tu conhecido por gostares de batidas rápidas, onde entra esta faceta tua mais serena, imersiva e menos frenética?

Eu pensei que queria cantar, e dá para o fazer com BPMs mais rápidos, mas acho que era mais fácil assim. Mas não pensei bem nisso quando fiz os beats. Sei lá, não é por gostar de batidas rápidas que só as faço a elas. Sinto que cantar mudou um bocado a maneira como construí o beat, se fosse uma cena mais direcionada para pista de dança faria as coisas de outra maneira. Tentei fazer as coisas um bocado desse modo mesmo — fazer um beat para alguém cantar — e isso pode ter influenciado os BPMs.

Os teus dois EPs deram a conhecer Rabu Mazda como um músico eclético na sua produção, que não tem medo de meter na mesma música várias camadas de diferentes estilos diferentes. Bindi parece um pouco mais focado e, com muitas aspas, uma peça mais madura. Sentes que este disco tem um lado mais conceptual?

Acho que o conceito mais definido era que queria cantar, e foi isso que criou a união entre as músicas.



Então sentes que foi isso que tornou este disco um pouco menos “all over the place”?

Talvez ya, porque é bué diferente estares a fazer beats de dança e um álbum de canções, que é isso que isto é. É normal que as coisas dancy sejam mais all over the place, porque com uma canção tens ali um “método”, e acaba por ser diferente o modo de pensar na coisa. Não é que não seja tão livre, mas acabas por ter mais um foco e mais coisas em que te basear, tens mais balizas. Isto é bué relativo, porque podes fazer o que quiseres e fazer uma canção marada de 20 minutos, mas a cena pop mais normal é mais simples.

Como é que resumirias o que é a “Mazda life”?

[Risos] Mazda Life é positivo até ao fim, meu. É o que eu digo na música, acho que está bastante explicado! É a minha vida, acho que é isso.

Não há bem uma persona aqui?

Claro que há, sim, Rabu Mazda é uma persona, mas tem a ver comigo. Sou eu, na verdade.  É uma persona de “está tudo bem e as cenas são fixes”.

Pareces estar a dar um passo diferente em cada lançamento teu. No primeiro EP exploras uma vertente de música de dança mais crua e do hemisfério sul que desconstróis à tua maneira (sempre muito freneticamente), no segundo parece que as ideias se solidificam mais no campo da música de dança e são menos all over the place. Que passo é Bindi?

O Bindi é eu poder, finalmente, fazer canções em que consigo falar um bocado sobre mim. Acho que foi um bom achievement, e quero continuar a fazer isso e experimentar. Acho que é sempre fixe estar a experimentar outras cenas, e agora que fechei este disco tenho muito por onde ir. Posso fazer cenas mais dancy, mais a ver com isto ou algo nada a ver.

Então, quando escreves letras, vês mais como uma mensagem que queres transmitir e não tanto como mais uma textura?

Pode ser uma textura também! Neste caso do Bindi eu queria passar alguma coisa, uma mensagem, não que seja do tipo moralista, é só mesmo querer dar um bocadinho de mim, e escrever letras foi um bom exercício. Sempre estive nesse processo de escrever letras mas nunca tinha escrito algo só meu, sem ajuda exterior ou sem ser em conjunto. Em Iguanas quem escrevia mais as letras era o Lourenço [Crespo], eu só dava o meu input, e isto foi uma forma fixe de me expressar, também aprendi muito com isto. Foi provar um bocado que também consigo fazer canções minhas que digam cenas que façam sentido para mim, e espero que a malta se identifique com algumas coisas.

Estavas a sentir uma necessidade de te expressares por letra ou foi mais um rumo artístico que querias tomar?

Não sei bem. É bué difícil escrever letras, e acho que é muito mais desafiante escreveres letras sobre ti do que fazer só um beat, estás um bocado mais exposto, por isso é que se calhar a malta escreve em inglês, para se esconder e dizer na mesma o que tem a dizer. Acho que é fixe conseguir fazer isso, consegui escrever as coisas que eu queria, e sinto que a partir daqui posso fazer mais disto ou outras coisas mais à toa.

Estás envolvido em muitos projetos com muitas pessoas, sempre num ambiente muito colaborativo, mas curiosamente como Rabu Mazda não colaboraste com ninguém. Gostas de ver este projeto como um sitio só teu onde podes guardar este espaço só para ti ou só ainda não calhou?

Acho que tem muito a ver com isso, porque eu sempre trabalhei com muitas pessoas. Na verdade, foi sempre mais em banda e projectos com mais malta do que só eu, mas eu pretendo fazer feats com outras pessoas. Mas isso que disseste é verdade, é onde sou só eu e tenho este espaço para mim e para fazer o que eu quero. Não diria que é uma cena egoísta, mas esse espaço… sou eu. Sempre trabalhei mais com outras pessoas que sozinho, por isso é que só agora é que estou a lançar a solo, porque na verdade tudo o que lancei foi com bandas e projectos.

Ainda estás em ressaca de lançamento de álbum, mas consegues prever qual vai ser o rumo de Rabu Mazda?

Não faço ideia, tenho já umas ideias mas nada de mais. Surgiu a oportunidade de lançar uma cassete, e dava para fazer umas collabs nesse formato, uma mixtape mais all over the place.

O que é que podemos esperar dos concertos que vêm aí?

No da Zé dos Bois estou a pensar tocar pelo menos duas músicas com pessoal da Fetra, vão ser mesmo tocadas. Os gigs vão ser um mix entre DJ set e MC, que é como tenho feito, e de resto vou descobrindo um bocado quando der os concertos. Mas para já é isto, tanto posso passar som como cantar como passar som e cantar [risos]. 


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