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Fotografia: Luís Belo
Publicado a: 22/07/2022

Entre a contemplação e a acidez macia.

Que Jazz É Este?’22 – Dia 2: um jovem baterista e um bebé a prenunciarem ainda melhores dias

Fotografia: Luís Belo
Publicado a: 22/07/2022

Houve um momento muito especial no remate final do segundo dia do festival Que Jazz É Este? que decorre em Viseu até ao próximo domingo: na jam session que teve lugar no Carmo81 e em que participaram músicos como Jason Rebello, cabeça-de-cartaz do dia, ou, entre vários outros, Miguel Rodrigues e João Fragoso dos Peixe-Boi, um jovem baterista de apenas 17 anos, de seu nome Filipe Matos, exibiu um à-vontade tremendo e uma destreza que seria natural se os anos lhe pesassem mais. Quando saiu do palco, após uma pergunta sobre a idade, a conversa que se seguiu não demorou a ir ter a Chris Dave, um dos seus ídolos. Já lá vão, portanto, os tempos em que a maior parte dos adolescentes interessados por música tinham por ídolos os guitarristas ou vocalistas das bandas mais populares. Que uma cidade como Viseu seja capaz de gerar Filipes assim é um óptimo prenúncio de futuro.

Os concertos de ontem começaram após a conversa em que se travaram de razões sobre a descentralização da produção artística o músico Miguel Rodrigues, a actriz e encenadora Sónia Barbosa e o director da DGArtes Américo Rodrigues. A apresentação dos Peixe-Boi no belíssimo espaço da Casa do Miradouro acabou por ser uma prática confirmação do que antes se debateu: o guitarrista João Carreiro nasceu e estudou em Lisboa, o baixista João Fragoso tem causado ondas a partir de Coimbra e Miguel Rodrigues vai fazendo o mesmo a partir de Viseu. E depois há um país que ouve. Não seria esse o caso na agradável sombra no jardim da Casa do Miradouro, mas o trio teve total e concentrada atenção de um público variado que incluía uma bebé que até se chegou a manifestar após um dos melhores temas da tarde. O futuro está à escuta.

O trio Peixe-Boi deambulou por composições dos diferentes membros, com especial destaque para material de João Carreiro, o guitarrista que acaba de editar Pequenos Desastres na Robalo Music, disco de que ontem se escutou uma versão do tema-título. A música que os Peixe-Boi ontem tocaram resulta de alguma contemplação e também de relativa contenção, algo que não impede que seja dinâmica nas formas, surpreendente nas resoluções que encontra. Apenas não cai na exuberância da técnica fácil, parecendo antes preferir a procura de pontos de encaixe mais texturais entre os músicos. Carreiro soou a espaços como um Ry Cooder mais zen e os seus companheiros proporcionaram uma sólida base para as suas derivas, facto que rendeu um glorioso fim de tarde. A bebé teria aplaudido, se já soubesse fazê-lo.



Para a noite ficou o encontro do pianista britânico Jason Rebello com o Colectivo Gira Sol Azul. O músico activo desde finais dos anos 80 tem notória e reconhecida carreira em nome próprio ou como sideman de Sting e Jeff Beck e é hoje professor em importantes instituições britânicas. Em residência com os músicos do Gira Sol Azul — Ana Bento, Catarina Almeida, Célia Botelho e Ricardo Augusto (back vocals), Xose Miguélez (saxofone), Joaquim Rodrigues (teclados), Bruno Pinto (guitarra), Pedro Lemos (baixo) e Mário Costa (bateria) –, Jason Rebello trabalhou os seus próprios arranjos e trouxe consigo a surpreendente vocalista Sumudu (que, um dia antes, foi ajudada pelo autor destas linhas, que então a desconhecia por completo, a eleger o prato de abrótea frita no restaurante onde têm lugar os almoços).

De recorte pronunciadamente funky e elegante, algures entre algum acid jazz de boa memória — como os Incognito — e o smooth jazz americano dos anos 80 e 90, a música ontem apresentada perante a ampla plateia montada no Parque Aquilino Ribeiro arrancou justou aplausos revelando-se perfeita para uma noite quente de Verão. O palco recortado pela copa das árvores e a música fazia pensar numa noite em Hyde Park ou Central Park com jazz leve e fresco, mas maravilhosamente interpretado. Especial destaque para os elaborados arranjos para vozes que deram uma espessura coral a várias das peças, em particular à fantástica versão standard de Gershwin “Summertime” em que Sumudu brilhou e o ensemble vocal também se elevou, com Ricardo Augusto a ter até espaço para encaixar com pleno sucesso algumas rimas em português em registo rap. 

Depois de tão agradável concerto, foi bom reencontrar um generoso Jason Rebello sentado ao piano na jam session que nos levou a todos madrugada dentro no Carmo81. Quem sabe se o pianista não terá pedido o contacto ao baterista Filipe Matos? É assim que elas acontecem…


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