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Fotografia: Luís Belo
Publicado a: 21/07/2022

Muitos encontros.

Que Jazz É Este?’22 – Dia 1: das sementes do passado aos frutos do futuro

Fotografia: Luís Belo
Publicado a: 21/07/2022

Viseu agita-se, uma vez mais. Ainda recentemente terminou o aventureiro Jardins Efémeros e já outra iniciativa reclama atenção de munícipes e visitantes. Ontem mesmo arrancou a 10ª edição do festival Que Jazz É Este?, um evento que procura, através de uma imaginativa programação, pensar o jazz de forma crítica, não apenas neste território específico, mas mais além também.

A música preenche, naturalmente, a parte de leão do programa, mas há ainda lugar a emissões diárias na Rádio Rossio (e, esclareça-se, o autor destes textos assina um dos espaços de emissão, dedicado aos novos rumos do jazz, na estação montada numa pequena roulotte no agradável e fresco Parque Aquilino Ribeiro); uma exposição que celebra a história desta década de existência do festival e que, justamente, aproveita a oportunidade para investigar o jazz que antes disso existiu nesta cidade (está patente no Carmo81); debates, workshops e iniciativas como o Jazz na Rua ou o Jazz ao Domicílio – está tudo claramente explicado no site oficial do Que Jazz É Este?.

O dia de ontem começou, precisamente, nesse já incontornável laboratório de agitação cultural viseense que é o Carmo81, sala polivalente que foi palco da primeira das várias conversas programadas, dedicada, precisamente, à longa e frutífera história do jazz nesta cidade. Com moderação de Catarina Machado, conversaram — sob o olhar atento do Presidente da Câmara Fernando Ruas — dois dos membros do pioneiro Quinteto de Jazz de Viseu, Carlos Peninha e Luís Lapa, e ainda Eduardo Pinto, um dos fundadores do mítico grupo local Tubarões. Recordaram-se episódios formativos, explicaram-se as dinâmicas da busca de educação em instituições de Aveiro ou Porto, relembraram-se importantes pessoas já desaparecidas. O interessante, porém, é a prova de respeito que quem pensa este festival ali deu ao reconhecer que nada nasce no vácuo e que se hoje se alcança uma redonda marca de uma década de inquisitiva agitação isso também se deve a quem antes lançou sementes ao solo.

Mas é, sobretudo, com o futuro que o Que Jazz É Este? positivamente se inquieta: o primeiro concerto reuniu no Jardim da Escola Profissional Mariana Seixas (mesmo ao lado do Carmo81) os membros dos viseenses Smoke Hills, grupo que em 2021 se estreou na Paga-lhe o Quarto de Keso com O Homem Que Viu o Sol, com um combo de jovens músicos instigado pela Gira Sol Azul, a associação que organiza o festival, entre várias outras iniciativas. A matriz hip hop dos Smoke Hills – que tiveram Patcho na voz, Marco Íris na guitarra e ainda Rogério Peixinho no violoncelo – casou de forma elegante com os arranjos criados colectivamente sob a orientação de Joaquim Rodrigues. O combo incluiu Jasmim Pinto no trompete, Constança Cardoso no trombone, Inês Oliveira no baixo e um diminuído Artur Pinto na bateria, jovem músico que não permitiu que um braço partido o impedisse de participar no espectáculo que contou com o suporte de um segundo e mais veterano baterista. Na junção dos dois colectivos e das suas respectivas linguagens percebeu-se que é no futuro que o Que Jazz É Este? se projecta, procurando dar espaço a quem ainda está a dar os primeiros passos, mas já tem sede de aventuras e de aplausos — a ocasião satisfez a primeira, o atento público com vários dos pais e amigos dos jovens músicos tratou da segunda.



O prato forte do dia inaugural do cartaz, no entanto, coube a Pedro Moreira que levou o seu Sax Ensemble aos claustros do Museu Grão Vasco, magnífica localização com nobreza granítica que foi cenário perfeito para uma música que tem ela mesmo muito de solene. O líder e maestro do colectivo (o mesmo que dirigiu a orquestra que secundou Sam The Kid no Coliseu dos Recreios de Lisboa) explicou que a suite que ontem ali se apresentou nasceu como peça com dimensão coral para um bailado da Gulbenkian, mas que logo nessa ocasião nasceu em si a ideia de transpor muitas dessas partes para outras “vozes”, a dos saxofones.  Com Pedro Moreira e Mateja Dolsak a ocuparem-se dos tenores, Ricardo Toscano e Daniel Sousa nos altos, Tomás Marques e Bernardo Tinoco nos sopranos e ainda Francisco Andrade e João Capinha nos ressoantes barítonos, o duplo quarteto provou ser fonte de inesgotável exuberância cromática, algo que o líder soube aproveitar da melhor maneira na filigrana das peças que existem num delicioso limbo algures entre a composição contemporânea de tradição algo minimalista e um jazz mais lírico e ainda assim livre, expresso sobretudo nos fantásticos solos que praticamente todos os músicos puderam assinar, com destaque (pelo menos para o par de ouvidos que escutou o que estas linhas traduzem) para as investidas certeiras, imaginativas e carregadas de carácter de Toscano, Tinoco, Marques e Andrade. Mário Franco no contrabaixo – notável o momento em que pegou no arco, mas também a conversa ao cair do pano com Ricardo Toscano – e Luís Candeias na bateria deixaram igualmente bem claro que são elementos cruciais na original fórmula de Pedro Moreira, suportando tanto fugas como aproximações ao swing.

A noite terminou com muitos dos músicos em amena conversa numa das esplanadas do centro histórico, partilhando-se histórias de jam sessions em Nova Iorque que mereciam ser ouvidas por muito mais gente… Talvez porque ontem não houve espaço no programa para esses informais, mas tantas vezes incríveis encontros de músicos criativos. Algo que hoje já acontecerá, com o Carmo81 preparado para receber quem se quiser aventurar depois do último concerto do dia que será resultado de encontro do Colectivo Gira Sol Azul com Jason Rebello e Sumudu no palco do Parque Aquilino Ribeiro. Antes disso haverá ainda Peixe Boi no Jardim da Casa do Miradouro. 


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