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Fotografia: Luís Belo
Publicado a: 23/07/2021

Necessário.

Que Jazz É Este?’21 – Dia 2: música com histórias e com vida, de Elisa Rodrigues a Carlos Peninha

Fotografia: Luís Belo
Publicado a: 23/07/2021

Será desde sempre assim, já que o festival Que Jazz É Este?, que decorre em Viseu até ao próximo domingo, nasceu, como nos confessou a sua directora artística, Ana Bento, de um workshop em que os músicos se cruzavam para partilharem e desenvolverem capacidades, mas só ontem quem assina estas linhas testemunhou um pouco de um outro lado deste evento quando após o último concerto da noite, a cargo do quarteto dirigido pelo guitarrista Carlos Peninha, encontrou os músicos no espaço da escola Gira Sol Azul em animada conversa de partilha de histórias e até de CDs. O saxofonista João Mortágua, por exemplo, quando percebeu que o contrabaixista Miguel Ângelo tinha consigo o seu mais recente lançamento, Dança dos Desastrados, propôs-lhe de imediato uma troca com o seu igualmente mais recente trabalho, o álbum Kintsugui que assina conjuntamente com o pianista e multi-instrumentista Luís Figeuiredo. Linhas invisíveis que acabam por ligar de forma ainda mais intensa as diferentes peças de que se faz Que Jazz É Este?

Os dois concertos do programa de ontem tiveram lugar em diferentes espaços exteriores da Casa do Miradouro. E foi precisamente nesse bucólico recanto da cidade que se apresentou Elisa Rodrigues, no palco Inatel, pelas 19 horas. Rodeada de árvores que ofereciam confortável sombra naquele fim de tarde quente, com os pés na relva, a cantora fez-se acompanhar do guitarrista Feodor Bivol que, tanto em guitarra eléctrica como acústica, demonstrou ser dono de uma excelente técnica, usando efeitos e pedais de loops para criar os seus próprios acompanhamentos.

Claro que Elisa foi a verdadeira estrela da tarde. Dona de uma voz imensa, que soa apaixonada e funda, sabedora e natural, em simultâneo, a cantora passou em revista temas do álbum As Blue As Red, produzido por Luísa Sobral, mostrando-se muito comunicativa e talvez até tão boa contadora de histórias quanto cantora. Isso permitiu-lhe introduzir no alinhamento peças descritas como “um blues muito simples escrito quando eu sabia ainda menos música do que sei hoje e o Júlio Resende me fez uma escala muito simples no piano, com um marcador para assinalar as teclas” ou “este é um tema mais pop, escrito pelo Pedro Silva Martins; a canção foi primeiramente oferecida à Ana Moura, mas ainda bem que ela não a quis. E eu adoro a Ana Moura, deixem-me que vos diga”. Tudo entregue com uma voz que parece sussurrar e partilhar segredos, contrastando com a verdadeira força da natureza que liberta quando mergulha na interpretação das canções.

Depois do jantar, pouco passava das 21 horas, foi então a vez de Carlos Peninha se apresentar ladeado por Miguel Ângelo no contrabaixo, Leando Leonet na bateria e João Mortágua no saxofone, perante uma plateia esgotada (como de resto tem acontecido em todas as apresentações, prova da vitalidade dos públicos de Viseu e do seu interesse pela música que este evento explora). O músico referiu estar de regresso à casa em que estudou e viveu, elogiando tanto o festival como a autarquia que o viabiliza. Essa alegria era, de facto palpável traduzindo-se numa energia que fluía naturalmente entre o público e a plateia.

O álbum Ponto de Vista, que Peninha gravou com os músicos que o acompanharam ontem, apresenta um conjunto de composições que o guitarrista foi guardando nas últimas três décadas, peças preciosas de um puzzle pessoal em que se adivinham traços subtis de blues e mais claros de jazz enquadrados com a sua visão pessoal e íntima da música. Ao vivo isso rende uma delicada filigrana tecida por cada um dos músicos, todos eles seguríssimos executantes, com os dois solistas a brilharem mais intensamente com belíssimas passagens de recorte mais melódico, e a secção rítmica a impor-se solta e lúdica, realçando o evidente prazer que o quarteto sentia por poder estar a tocar em conjunto perante público concentrado e interessado. Uma clara celebração do poder da música. 

Luísa Vieira, que também participou no álbum, foi uma surpresa não-anunciada no cartaz, tendo feito da passagem pelo tema “As Mãos” um dos momentos altos do concerto, com a sua flauta a solar planante e belíssima no solo, e mais do que arrojada nos uníssonos partilhados com João Mortágua.

No final da noite, os sorrisos colectivos percebiam-se nos olhares, mesmo que as máscaras não permitissem o seu pleno vislumbre. Que jazz é este, afinal de contas? Dir-se-ia que é exactamente o que precisamos neste momento tão particular. Música que exalta, que anima ou faz pensar, música que puxa pela dança da imaginação e que nos faz estremecer por dentro. Música com vida. E mais nada.


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