Digital

Puçanga

Impish

Takhi Records / 2022

Texto de Rodrigo Fonseca

Publicado a: 02/11/2022

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Nas palavras de Puçanga, Impish é um “ser arquetípico do folclore”. Um ser arquetípico dá-se a conhecer de forma inteligível, é um modelo possível das coisas sensíveis. O folclore do qual nasce este ser arquetípico manifesta-se na voz e nos arranjos vocais. Esta voz tem muitas vezes uma qualidade distante, como algo que está suspenso e que reverbera no espaço. A incorporação do folclore acompanha a reivindicação de ideias por justiça social que expõe nas suas letras. As harmonias que daí nascem transportam-nos para um imaginário dos usos e tradições populares.

No entanto, ao longo do EP, as suas composições musicais vão noutra direcção: a sua sonoridade é bastante influenciada pela bass music britânica. Em praticamente todos os temas ouvimos breaks, frequências graves, sub-graves e um certo flow hip hop — o tema “100 Middlemen” é um bom exemplo deste flow. Este tema é também exemplo da posição política e das ideias de justiça social da autora, nomeadamente quando canta: “Pronto a usar e ser usado, seguem a lógica do mercado; optimizar o monopolizado, têm tudo organizado; e assim não se organiza ninguém”. Ou: “É como se um grupo não se pudesse organizar sem líder, uma ideia que parece tão antiga; aprendemos desde sempre que se um grupo se organiza, comem-te as criancinhas e alguém te castiga; e assim não se organiza ninguém”. 

A criatura que vive e que se invoca neste EP é, segundo a produtora, cantora e compositora, “uma criatura algures entre o duende e a diaba”. A sua musicalidade vai também beber ao trip-hop, uma influência que se sente da composição à voz. Ao ouvir a voz desta duende/diaba lembramo-nos das vozes de Elizabeth Fraser (em “Teardrop“, por exemplo) e Beth Gibbons. Os temas “Bio Print” e “Singing Bells” demonstram bem esta influência e evidenciam uma certa atitude punk que se sente através da distorção. Imersa em frequências graves introspectivas, surge também no tema “Polo Margariteño” uma voz latina a cantar espanhol de pronúncia portenha.

Puçanga canta em português, espanhol e inglês e a maneira como se expressa em cada idioma evidencia diferentes texturas, suavidades e tonalidades. Impish é um EP a várias vozes cantadas apenas por uma. Segundo a própria autora, existe “um impish em cada um de nós”, ou seja, uma inquietude endiabrada que comporta consigo alguma malícia. É através desta malícia que Puçanga nos confunde sobre o que é a realidade colocando em cima da mesa as ideias pré-existentes que temos sobre a mesma. 

Impish é o mais recente trabalho de Puçanga. Este EP contou com o apoio da bolsa de criação artística da associação cultural OUT.RA e foi gravado nos estúdios Estúdio Comunitário (CEA) do Vale da Amoreira e no Tegeler Audio Manufaktur, em Berlim. A mistura é de Marius Krämer e a masterização de Ankur Sood (Seres Studio). Muito antes do lançamento do seu primeiro álbum, Fazer da Trip Coração (editado pela Gruta em 2021), a sua voz já ecoava do Miratejo ao centro de Almada. Após o lançamento de Fazer da Trip Coração, a sua presença na cena cultural de Lisboa torna-se constante. Das várias apresentações ao vivo que tem vindo a fazer, destacamos a Galeria Zé dos Bois, Damas, Zabra, SMUP, ADAO, Festa do Avante, Oficinas do Convento e o festival Dharma Techno, França. É co-fundadora do projecto Vozes Itinerantes e trabalha regularmente com A Bela Associação nos projectos Floresta Invisível e Peça do Coração: Excalibur.

A festa de lançamento de Impish está marcada para amanhã, dia 3 de Novembro, no Musicbox, Lisboa. O lançamento conta com a presença de Kali (Passar Macaco) na bateria, percussão e trompete e George Silver live a fechar o evento.


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