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Fotografia: Duarte Gameiro
Publicado a: 15/05/2025

Em antecipação da 4ª edição do festival da editora.

Profound Whatever: “Nós fazemos o que nos apetece”

Fotografia: Duarte Gameiro
Publicado a: 15/05/2025

A conversa decorre num café de um histórico hotel na Covilhã. Em frente há um jardim, pouco convidativo tendo em conta o frio que se faz sentir. E num dos lados desse jardim há uma instituição responsável por há muito dar formação à comunidade musical local. João Clemente e Nuno Santos Dias assumem aqui as despesas de uma conversa sobre a Profound Whatever, um muito agitado selo discográfico que já ultrapassou a marca das 100 edições — maioritariamente digitais — e que a partir de amanhã vê nova edição do seu festival — a quarta — arrancar bem perto, no espaço cultural A Moagem, no Fundão, quartel general de quatro intensos dias de programação que espelha alguma da mais desafiante e criativa música que se faz neste complexo presente no nosso país.

O programa Notas Azuis da Antena 3 antecipou no passadoo domingo esta edição do Festival Profound Whatever com uma selecção musical a cargo de João Cemente, que bem pode servir de banda sonora para a leitura da transcrição da conversa que decorreu já há algumas semanas.



Comecemos pelo óbvio. Que projecto é este, Profound Whatever? O que é que o define? O que é que vocês entendem que demarca este selo de outros projectos editoriais existentes no nosso país para lá da localização, que já é uma marca clara num país onde tudo parece existir de forma centralizada? Saindo desse eixo muito encostado ao litoral, parece que não se passa nada e, no entanto, passa-se muita coisa.

[Nuno Santos Dias] Sim, realmente já passaram uns bons aninhos. Nós nunca pensámos muito no que tem sido esta história. Mas é interessante olhar, às vezes com alguma distância, e dar significado às coisas. Antes de mais, acho que a ideia de uma comunidade se pode aplicar ao que é a Profound Whatever. Acho que a amizade é um elemento que congrega muito as afinidades que foram existindo. E a coisa foi crescendo. Acho que o ponto de partida foi a capacidade do João em saber agregar pessoas. No meu caso, eu acompanho isto desde o início.

Não há um campo estético que vocês sintam que melhor define a editora?

[João Clemente] O campo estético é… Isto antes de ser uma editora começa por ser precisamente isto, este núcleo de pessoas, de amigos organizados que se formam há, sei lá, quase 25 anos, neste sítio aqui à frente. Isto era a antiga escola profissional de música e eu vim para aqui com 15 anos, o Nuno era professor… De repente, conhecemo-nos aqui todos, para aí em 2001, 2002, 2003. Isto agora até é um restaurante e aqui ao lado é um museu, mas isto antes era uma escola profissional de música. Nós apanhámos aquele momento em que ainda havia algum sangue dentro das escolas profissionais de música. Hoje em dia as coisas são um bocado diferentes. Nós até hoje ainda usamos muitas vezes o termo colectivo informal. O nome vem desde 2005 e faz este ano 20 anos, Profound Whatever. Mas mais do que ser uma editora… Por exemplo, eu só criei a página de Bandcamp da Profound Whatever em 2018, quando fui para Berlim. Aquilo bateu-me: “Espera aí, eu agora conheço aqui alguém, e alguém me pede para ouvir que música é que tenho. Eu tenho um arquivo de quase 500 álbuns, mas as pessoas vão ficar a olhar para mim e vão achar que eu estou a mentir”. Só em 2018 é que finalmente começamos a pôr o catálogo cá fora.

[Nuno Santos Dias] E acho que a editora funciona mais como uma consequência de… Dentro deste colectivo há muitas pessoas, há muitos projectos, há muitas bandas. Isto é muito eclético em termos de estilos, de idades e de gerações, etc. Mas a editora foi uma consequência. Nós tentarmos abordar editoras em Portugal, como a Clean Feed ou a Phonogram Unit, e conhecendo depois um bocado a experiência deles e também devido a conselhos de amigos…

“Porque é que não fazemos nós?”

[Nuno Santos Dias] Sim. Porque não é assim tão caro e difícil. O desafio é mais saber de contactos, de fazer chegar essa informação. Fomos fazendo as coisas devagar e acho que também sempre houve malta que foi estando atenta. 

Há um núcleo duro mais activo? Identifiquem-me essas pessoas.

[João Clemente] Estou eu e o Nuno, como é óbvio. Está o Duarte Fonseca, que é o baterista de Cat In a Bag e Slow Is Possible. Há o Tiago Rodrigues, o Edgar Ferreira, o Ricardo Sousa… Tem acontecido uma coisa interessante desde 2020 para cá. De repente conhecemos uma geração de músicos novos que estão aqui no Fundão e na Covilhã, que nós ainda que não conhecíamos, também porque andámos fora. De repente temos o Gonçalo Alves, o Gonçalo Baptista, o Gabriel Neves… É uma malta de 22, 23, 24 anos, que de repente tem uma participação mais activa, não só nas sessões como também nas edições. Há também a Catarina Silva. Eles estão sempre super presentes, super activos no que está a acontecer. Ao mesmo tempo, temos pessoas que estiveram na origem, estavam sempre no início, e que agora a vida levou-os para o outro lado e já nem sequer estão a tocar, estão com outras aventuras noutras coisas da vida.

Estes músicos todos que se reúnem na Profound Whatever, que se vão entrecruzando em múltiplos projectos, têm sítio para tocar neste território? E qual é o território que vocês definem como vosso? É Covilhã e Fundão, como mencionaste? Há sítios para se tocar e se apresentar a música aqui?

[João Clemente] Vai havendo alguma coisa. Temos a sorte de ter o nosso festival, por exemplo, que acontece anualmente, e aí conseguimos tocar. A verdade é que locais para tocar aqui — como a Galeria Zé dos Bois em Lisboa ou o Salão Brazil em Coimbra — não há. Não há. Consegues ir pontualmente a certos sítios. Aqui é perfeito para aquilo que nós temos vindo a fazer: a criação, as sessões de estúdio, em que gravamos e depois temos tempo para trabalharmos as coisas. Amanhã vamos estar na Fábrica da Criatividade a trabalhar o dia todo, em Castelo Branco. Aqui é perfeito para isso. Agora, para apresentações, nem sempre é a coisa mais óbvia e temos de sair… Olha, faz hoje 8 dias que estávamos na Sonoscopia com Made of Bones. E nós saímos com todo o gosto, nem que seja uma desculpa para dar uma volta.

[Nuno Santos Dias] Isto tem a ver com onde existem condições e oportunidades. Eu sou da Covilhã e tenho pena que a Covilhã não consiga oferecer outras oportunidades como o Fundão, neste momento, apresenta.

Mas falas de oportunidades para tocar?

[Nuno Santos Dias] Sim. Ok que agora há o lado institucional do Teatro Municipal, mas para lá chegar… Acho que ainda não há espaço para coisas mais disruptivas ou mais nas margens, não é?

Mas de repente, se a Profound Whatever ganhar um outro tipo de visibilidade, se calhar começam a dar-vos outro tipo de atenção, não é?

[Nuno Santos Dias] Era bom que começasse a existir uma certa pressão. Eu agora também já não acompanho tanto o circuito da noite na Covilhã. Já houve, em tempos, a tradição de espaços com programação musical. Não quero ser injusto, mas a CISMA promove algumas jams, enfim… Mas eu não conheço bem, portanto não vou falar muito daquilo que não conheço.

[João Clemente] A malta da Covilhã está a tentar fazer algumas coisas. Em Castelo Branco também tens uma série de associações culturais que têm tentado trazer alguma vida e criar espaços para concertos. Há qualquer coisa a acontecer sem teres de ir para Lisboa ou para Porto.

Curiosamente, pensando bem, com a quantidade de polos universitários que há aqui na zona… Em Castelo Branco, na Covilhã; o Fundão e a Guarda não têm universidades, mas têm gente nova. Acaba por ser um território servido por uma rede de cidades interessantes relativamente próximas umas das outras.

[João Clemente] Sem dúvida. Mas também tu olhas para o universo universitário… Temos de ser honestos e basta olharmos para todos os cartazes das festas académicas.

[Nuno Santos Dias] Procuram entretenimento.

[João Clemente] E quem não gosta de entretenimento? Tem de haver aquele lado, de serem os próprios estudantes a atiçar certas coisas, mas está tudo muito adormecido.

E a Profound Whatever tem uma base de trabalho? Tem um quartel-general? Há um estúdio/local onde é preciso bater a uma porta e dar um código secreto para entrar?… Têm dessas coisas ou não? [Risos]

[João Clemente] Pode ser [risos]. É a minha casa. É numa aldeia que fica aqui perto, que é o Pesinho. 

Que é onde fazem o festival?

[João Clemente] Fazemos o festival no Fundão, e o Pesinho fica a 8 quilómetros do Fundão. É a minha aldeia e eu acabo por estar ali graças ao meu pai, que teve uma loucura: ele construiu um espaço no meio de um olival e há lá uma casa que é onde tenho o estúdio.

Ali não chateias ninguém, tirando os pássaros.

[Nuno Santos Dias] Sim, estamos à vontade.

[João Clemente] Os pássaros adoram [risos].

São pássaros melhores do que os estudantes universitários.

[João Clemente] Mas muito melhores! Mas sim, o quartel-general acaba por ser ali.

É aí que fazem as gravações todas ou uma parte delas?

[João Clemente] Uma grande parte delas são feitas lá desde 2007. Aquilo é a base, mas nós gostamos de ir gravando em muitos sítios diferentes. Já gravámos em muitos estúdios em Portugal, muitos sítios até que, à partida, nem são estúdios. Também para não se cair naquela ideia de seguir um molde, de já saberes onde é que vais montar tudo e como é que tudo vai soar e tal. Gostamos de gravar noutros sítios, não só ali.

[Nuno Santos Dias] Também vale a pena referir que já aconteceram três residências artísticas, que deram aso a reunir ainda mais pessoas. Acho que isso também teve muita importância no ajudar a aumentar o leque de músicos, de pessoas que participam nas sessões que promovemos. Num primeiro momento foi no Fundão, e A Moagem também é um espaço que tem acompanhado a nossa vida, porque já tocámos lá muitas vezes e sempre ficaram muito disponíveis para nos apoiar. Mas também já fizemos isso em Castelo Branco, na Fábrica da Criatividade, e no Salão Brazil, no ano passado, que foi a terceira. São espaços todos eles muito diferentes e as sessões também contaram com participações muito diferentes, dando resultados também eles muito diferentes.

Voltando ao início da conversa: o João disse que o Bandcamp foi criado também para organizar um bocadinho o seu vasto acervo criativo. Se tu estiveres em Berlim e quiseres apresentar isso a alguém, as pessoas vão perguntar-te: “Ok, mas que som é este?” O que é que tu respondes?

[João Clemente] Opá, olha, é música criativa, de certeza.

Bom termo.

[João Clemente] É música criativa. Portanto, vem de um sítio em que o ímpeto comercial… a potencialidade comercial que as coisas podem ou não ter não nos diz tanto respeito. É uma cena criativa, que tem a ver com, sei lá, essas relações entre as pessoas e com o interesse em a malta fazer coisas juntas. Claro que, obviamente, conseguimos aqui encontrar certas gavetas onde a gente consegue mover-se completamente. Não é música improvisada, mas usa a improvisação como uma ferramenta para criar coisas, sem dúvida nenhuma. Tem rock. É curioso que grande parte de nós vem da música erudita. Mas devo dizer que se metade vem da música erudita, outra metade vem do rock, de certeza, que é também o meu caso. Eu estudei numa escola de música erudita e venho das bandas de rock. Portanto, há rock de certeza absoluta. Há música experimental. Temos álbuns em que a ideia é experimentar sonicamente muitas coisas. E depois também há este lado mais da música de câmara, quase. São coisas mais dentro do seguimento dos Stockhausens e dos Ligetes da vida. No meio disto tudo temos alguns cantautores. O catálogo, neste momento, vai na edição número 103. Para a próxima semana já vai sair mais um álbum. Há sempre um output, estamos sempre a lançar coisas, estamos sempre a criar coisas, a procurar fazer. Então é uma espécie de um mapa, um puzzle que vamos construindo.



Para lá dessa intensa criatividade que mencionas e de, imagino eu, uma muito boa vontade, o que é que garante o sustento da label? Vocês já tiveram algumas edições físicas, há-de haver contas para pagar, a compra ou aluguer de material para gravar, enfim… Por muito que nós pensemos que não, há sempre uma parte financeira associada mesmo a este tipo de projectos. O que é que vai garantindo essa vossa viabilidade?

[João Clemente] Em temos mais formais, têm sido os apoios da Câmara do Fundão, que nos últimos anos, principalmente, tem estado mais próxima do que estamos a fazer.

Esses apoios passam por quê? Por comprar espectáculos?

[João Clemente] Passam por financiar o festival, por exemplo. Para além da parte mais material — o espaço para ensaiar, para gravar, coisas desse género. E convites pontuais para uma residência mais artística. Temos tido alguns apoios também da DGArtes. Falando nisso, nós temos a sair agora, nestes próximos meses, quatro edições físicas da Profound Whatever que têm precisamente o apoio da DGArtes. Depois, tudo o resto tem a ver com investimento do pessoal. O festival tem vindo a crescer a pouco e pouco e nós almejamos a poder dar mais condições não só ao público, mas aos músicos — termos um cachê mais simpático para eles, essa é a nossa ideia, e que não tenham gastos. Estamos a conseguir evoluir por aí.

Falem-me da edição deste ano do festival. Vai ser a edição número quê?

[João Clemente] Quarta edição. É uma edição diferente. Todas elas estão a ser diferentes, porque isso também tem sido uma cena um bocado intuitiva e um bocado ao acaso — tem acontecido assim. Este ano vamos ter o José Lencastre, a Joana Guerra, o João Hasselberg, o João Mortágua. No primeiro dia, a abrir, vamos ter o Vítor Rua com o Nuno Rebelo. Portanto, vamos juntar esta gente à malta do coletivo, que sou eu, o Nuno… Este ano o Nuno Jesus é o director artístico do festival, eu vou estar só a fazer a programação e depois vou tocar dois concertos.

E os concertos acontecem onde?

[João Clemente] Os concertos acontecem todos n’A Moagem. Só que usamos A Moagem toda, e acho que essa é a parte gira.

Ou seja, é uma antiga fábrica, uma antiga moagem, que agora foi convertida em polo cultural?

[João Clemente] Sim. Já foi convertido há muitos anos. Há 25 anos.

Eu lembro-me de ouvir falar.

[João Clemente] Então usamos o espaço todo, inclusive mais a parte exterior. Este ano vão existir vários concertos no exterior. Vamos ter também o Kresten Osgood, que também vem tocar. Preston também também vai tocar.

[Nuno Santos Dias] Vai ser fixe. Este ano é assim uma coisa um bocado diferente. A primeira edição foi feita com base na primeira residência artística, então todas as pessoas que participaram na residência artística tocaram dois concertos naquela edição. O método de programação tem vindo a mudar ao longo dos anos e acho que isso também é a parte interessante para nós — e acho mesmo para o público. Temos tido muita sorte também, é preciso dizer. O Fundão tem um grande espírito e temos uma sorte incrível com o público que temos.

Que público é esse?

[João Clemente] Tens pessoas dali, do Fundão, mas depois já começas a ter pessoas da zona toda à volta, que não nos conhecem pessoalmente nem nada, mas que de repente sabem que isto vai acontecer e vão, depois no dia a seguir já chamam mais malta para vir. A coisa acontece de uma forma super… O slogan — informal, por motivos legais — é “o festival de música sem merdas.” E é um bocado esse o espírito.

[Nuno Santos Dias] Nós notamos que temos conseguido ultrapassar uma certa barreira. A malta traz amigos para vir ao festival, há malta de fora que já ouve falar, depois as pessoas passam a palavra, então sente-se que isto está a crescer. É importante referir, também, que vamos fazer o lançamento de edições discográficas no próprio festival. 

[João Clemente] Exactamente. No festival vamos ter a edição de um álbum do Vítor Rua e um álbum da Ilda Teresa Castro pela Profound. Antes do festival, acho que vamos lançar mais duas edições físicas do colectivo.

Nestas 103 — em breve 110, 115 — edições da Profound Whatever, destaquem-me, sei lá, meia dúzia de títulos que vocês acham que são representativos do catálogo.

[João Clemente] Então, à cabeça, directo, Diving Horses, que é o álbum que tem o colectivo, tem 20 e tal músicos, portanto esse é sempre aquele que eu gosto de destacar à cabeça. Não é dos mais antigos nem nada, mas é um álbum que tem quase toda a gente — tem muita gente.

[Nuno Santos Dias] E é a primeira edição física, que tem um certo simbolismo. E aliás, foi escolhido nesse sentido também, para dar essa interpretação.

[João Clemente] Outro dos títulos é o de uma série que já vai no 9º disco e que se chama Shapeless Man. Basicamente, aquilo funciona sempre em duo com um músico convidado. Sou eu com o David Hull, que é um cantautor inglês que está sediado em Berlim e que eu conheci lá. Já há muitos anos que fazemos esta série, em que ele escreve e canta, e eu faço a parte musical com base num músico convidado. Desafiamos um músico para improvisar livremente, depois pego nesse material e começo a construir coisas. O David, depois, tem a parte lírica e a parte de cantar em cima daquilo. Depois eu pego e volto logo para dentro. A série Shapeless Man acho que, criativamente e artisticamente, tem algum impacto. E o quê mais? Tens tanta coisa… São muitos discos. São muitos.

[Nuno Santos Dias] Se não te lembrares de outro, posso eu nomear o Ideograph, que foi o número 100, e acho que também é muito importante pelo facto de termos gravado com o João Mortágua. Acho que foi simbólico, o facto de virem músicos de outros contextos e de outros sítios, um bocado mais fora do nosso âmbito. Acho que foi uma experiência muito enriquecedora.

[João Clemente] Olha, de Made of Bones, este último disco que saiu [Niño en Cruz] também foi interessante. Representa o primeiro concerto que nós fizemos no ano passado numa pequena tour que fizemos na Colombia, graças ao Ricardo Sousa, um contrabaixista que agora vive lá. Foi uma experiência incrível e este disco também é muito bonito. Depois temos umas coisas um pouco diferentes, como a colectânea da banda Golden Dark. Foi muito fixe termos lançado isto. Isto é de um desafio que eu fiz ao David Hull — é a banda dele. Ficou fixe eu fazer esta compilação e eu gostei muito de conseguir trazê-la para o catálogo desta maneira. Há ainda este projecto da pandemia, em pleno 2020, o The Super Unsatisfied Adventures in 3 Acts de Articulation of Attack. Sou eu mais três produtores, trabalhámos à distância. Somos dois portugueses — eu e o Jesus —, depois é o Peter Kolpakov, um produtor russo, e o Antonino Modica, um produtor italiano. Desafiei-os para fazermos uma criação ao longo de uns meses. E então isto são três EPs que aqui reuni aqui num disco só. São as aventuras de um super-herói que é o “Super Insatisfeito” [risos]. A ideia era essa, é um disco giro. Mas depois temos coisas muito diversas, como este disco do Tiago Rodrigues, Looking Through Used Glasses, um disco de canções que ele fez de vários cantores que o inspiraram, portanto aqui é uma coisa muito mais pop — tem coisas de PJ Harvey, por exemplo, umas versões assim interessantes. Temos o Nómadas, um concerto em disco muito fixe. É um disco que reúne o Mortágua, o Ricardo Brito na bateria, o Gonçalo Alves na bateria, o Alvarez no contrabaixo, mais eu e o Gonçalo Parreirão na guitarra. Também há a malta Melífluo, que representa uma cena importante para nós, foi uma cena bonita, porque isto foi a primeira vez que aconteceu na Profound, que foi termos alguém que não nos conhece pessoalmente, músicos que nos conheciam pessoalmente e que não tinham ligação connosco, que me ligaram porque tinham interesse em lançar este disco [ao Vivo no GrETUA] deles pela Profound, por causa da forma como nós abordamos a parte do texto, a parte da palavra. O Gonçalo ligou-me e acabámos por materializar esse disco, que para nós foi importante, pois vem desta forma de alguém reconhecer a forma como tratamos este tipo de material. Isso para nós foi significativo porque, também porque pouco tempo antes tínhamos lançado um disco com textos do Mário Fernandes, O Sol da Morte.

[Nuno Santos Dias] Ele é um autor do Fundão e é também cineasta.

[João Clemente] E estamos só a falar de discos lançados no último ano e meio [risos].

Olha, há alguém mais directamente responsável pelo departamento gráfico da editora ou não? Ou vai-se fazendo?

[João Clemente] Vai-se fazendo. Eu assumo essa parte da escolha da montagem. A parte gráfica passa por mim. Depois, tudo o que tem a ver com materializar, quando é preciso fazer edições físicas, felizmente temos a Sofia Colaço, que é incrível e que tem paciência para me aturar. Mas sim, a parte gráfica passa por mim. Sempre foi uma coisa que eu gostei muito. E há uma coisa importante que tem a ver com a parte de edição. Há duas coisas que a mim sempre me irritaram nos universos da música criativa e da música improvisada. Primeiro, álbuns em que as músicas se chamam “Untitled 1”, “Untitled 2”… Isso deixa-me… “Se tu não te dás sequer ao trabalho para nomear esta merda, achas que eu me vou dar ao trabalho de ouvir?” Portanto, não me fodam, não venham com tretas. Depois é aquelas capas minimalistas só com um traço branco, “porque a música é que fala.” Eu gosto das capas à anos 70, capas que já contam uma história, dão-te mais uma camada, é mais uma cena que ajuda o imaginário, ajuda-nos a viajar.

Há alguma história por trás do nome, Profound Whatever?

[João Clemente] Por acaso há. Mas eu não… Existe uma história e existe uma referência super precisa.

Mas que se vai manter misteriosa?

[João Clemente] Eu não vou contar, porque gostava que fosse… Aliás, pouca gente até da própria Profound sabe desta história.

[Nuno Santos Dias] Sim, sim. Acho que sou o único que sabe [risos].

Para terminar: a Profound é uma editora que vive num eterno presente ou fazer planos para o futuro é uma coisa que é importante para vocês? Ou seja, vão deixando que as coisas aconteçam ou há um desígnio que vocês recomhecem e fazem por cumprir?

[Nuno Santos Dias] Eu sinto que há um desígnio. Vou agora dar aqui um pequeno contexto. Acho que a pandemia, ajudou-nos aqui a arranjar… Mesmo a ideia do festival, isto foi tudo uma sequência de conversas. “Malta, temos que arranjar aqui uma plataforma para continuarmos a tocar e mostrar-nos mais.” Até um certo momento — há que assumir isso também — cultivava-se mais uma certa obscuridade, um estar escondido e não sei o quê. Só que já não somos adolescentes, não é? Também temos de assumir as coisas. A ideia original — e vou fazer aqui uma confidência — até era fazer o festival no Pesinho, mas ainda bem que o município do Fundão se chegou à frente e percebeu a importância que isto teria para a cidade. Os passos têm sido sólidos. E se, na maior parte dos casos, todos nós temos uma profissão, porque não vivemos da Profound Whatever, o João, apesar de tudo… Ele trabalha obviamente como produtor para outros projetos. Então a ideia é que isto fique ainda mais sólido e que consiga dar também alguma segurança e rendimento a mais pessoas dentro da comunidade que possam viver disso. Se bem que também é interessante ter um day job, porque dá-nos uma liberdade que, de outra forma… Nós fazemos o que nos apetece.

Há uma diferença entre viver da música e viver para a música.

[Nuno Santos Dias] Exacto.


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