“Uma mão no coração, e a outra no batuque”.
De mãos dadas, uma dupla deu-nos Esperança, materializada numa ligação, para além do estúdio, entre Paulo Flores e Osvaldo Moniz, que concretizaram infindáveis e profundas conversas em música sentida e sofrida. Assim nasceu A Bênção e a Maldição, um retrato ao vivo de como as cores condicionam vidas, uma pintura de uma Angola com sangue na tela, uma fotografia de um povo marcado, por dentro e por fora.
Filho de uma nação e pai de uma geração, Paulo Flores é a voz condutora deste documentário em tempo real, que começou a ser gravado numa altura em que se previa um vendaval nas ruas de Luanda. Hoje, as fichas batem nessa casa – “chuva bateu, na minha casa choveu” –, e em Angola vivem-se tempos tempestuosos. O “tio Paulito” – assim apelidado por Prodígio em conversa com o Rimas e Batidas – traz no tom, porém, o conforto, a paz, a resolução que os temas do disco pedem, mas é a voz do rapper da Força Suprema que desperta a dura realidade contada neste trabalho, tão bem embrulhada em melodias ora consoladoras, ora animadoras.
As guitarras e os batuques suavizam o sofrimento expresso em canções como “Fome”, “Viola” ou “Kafrique”. Mas os dois cantores angolanos, ambos divididos entre Angola e Portugal, não deixam que a leveza das faixas negligencie a carga das mensagens – essa é inequívoca, e a dor por baixo desta obra é raiz visível, mesmo para quem nunca provou dos frutos desta árvore. A celebração dos infortúnios, a benção da maldição, é característica intrínseca (porque a história assim o ditou) de uma cultura que sempre juntou o menos com menos para dar mais. E é com essas pedras nos sapatos que se constroem castelos.
“Estamos órfãos dos afectos prometidos nos projectos que nos iam salvar”.
Ainda assim, há projectos que cumprem as suas promessas. A Bênção e a Maldição tem, realmente, o poder de nos salvar, mesmo que essa salvação não nos seja directamente dirigida. Nesta terra prometida, há espaço para cantar, dançar, sorrir, chorar, por todas as razões ou sem razão alguma. Longe dos cânones musicais, das tendências ou das fórmulas, a honestidade artística, potenciada pela ausência de estratégias ou planeamentos, é condição única desta obra feita de impulsos e improvisos encaixados uns nos outros, reunidos num conjunto de peças montadas, na história principal, cujos episódios, cenas, falas nos servem algures nas nossas próprias histórias, mesmo que retirados do contexto sobre o qual foram retratados.
Por outro lado, a quem essa história é, de facto, dirigida serve um consolo que não se fica pelas palmadas nas costas. Nunca é só música, mas nesta “banda” a cantiga é outra: há um porto seguro na partilha de um mal comum, que se estende por mares de petróleo e rios de diamante, e que estanca inundações em alturas de maré alta. É farol que irradia luz no meio da tempestade, como o sol que alimenta um trevo de quatro folhas num jardim seco e calcado. Depois da tempestade vem a bonança: essa é a bênção da maldição; essa é a Esperança da canção.
“Essa é a história da família angolana”.